Pernambuco

O veneno tá na mesa

Pacote do Veneno: 11 deputados pernambucanos disseram sim aos agrotóxicos; saiba quem são

O PL 6299/2002 foi aprovado com grande margem (301 x 150); mas para valer, medida ainda precisa ser votada no Senado

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Trabalhador pulveriza agrotóxico em plantação de fumo - Foto: Vitor Shimomura

Na noite da quarta-feira (9) a Câmara Federal aprovou o projeto de lei PL 6299/2002, conhecido como “Pacote do Veneno”. O projeto, que tramitou por 20 anos, prevê facilitação na liberação de novos produtos agrotóxicos para serem utilizados na agricultura. Os agrotóxicos são utilizados como pesticidas, mas contaminam o solo, os alimentos nos quais é borrifado, além de adoecer os trabalhadores que aplicam o produto, causando abortos, doenças graves e câncer.

O projeto de lei retira da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a responsabilidade por avaliar, aprovar ou negar e registrar essas substâncias tóxicas. O papel de avaliar passa ao Ministério da Agricultura. E se o ministério não analisar dentro do prazo estabelecido, o produto passa a ser liberado temporariamente. O projeto também muda o uso, pelo poder público, do termo agrotóxico e adota palavras como “pesticida” e “defensivos agrícolas”. O PL também autoriza estados e municípios a legislarem sobre a produção, comercialização, uso, armazenamento desses produtos químicos.

O “Pacote do Veneno” é de interesse dos grandes proprietários de terra, fazendeiros e exportadores – e defendido pelos deputados que os representam. Com os agrotóxicos o agronegócio consegue aumentar sua produtividade. Esse grupo defende que o PL vai reduzir os custos de compra dos agrotóxicos e facilitar o desenvolvimento de pesquisas dos produtos no Brasil. Já a oposição denuncia que o PL vai ampliar o uso de substâncias cancerígenas, contaminando a natureza, adoecendo os trabalhadores da agricultura e os consumidores.

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Com a flexibilização da Lei dos Agrotóxicos, aumenta o risco de exposição das pessoas aos agrotóxicos, inclusive pela contaminação da água / Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida

Entre os 25 deputados federais de Pernambuco, 11 foram favoráveis ao PL 6299/2002, enquanto 12 foram contra e dois não votaram. Disseram “sim” ao “Pacote do Veneno” os deputados André Ferreira (PSC), Pastor Eurico (Patri), Bispo Ossésio Silva (Rep), Silvio Costa Filho (Rep), Augusto Coutinho (SD), Eduardo da Fonte (PP), Fernando Monteiro (PP), Luciano Bivar (PSL), Ricardo Teobaldo (Pode), Sebastião Oliveira (Ava), Fernando Rodolfo (PL).

Foram 12 os deputados pernambucanos que votaram contra a liberação facilitada de agrotóxicos: Carlos Veras (PT), Marília Arraes (PT), Renildo Calheiros (PCdoB), Túlio Gadêlha (PDT), Wolney Queiroz (PDT), Danilo Cabral (PSB), Milton Coelho (PSB), Tadeu Alencar (PSB), Gonzaga Patriota (PSB), Felipe Carreras (PSB), Raul Henry (MDB) e Daniel Coelho (CD). Dois deputados não votaram: André de Paula (PSD) e Fernando Coelho (DEM).

Há mais de um ano o projeto está pronto para ser votado no plenário da Câmara, mas a pressão social – com protestos presenciais e online – deu visibilidade ao tema e fez os parlamentares a adiarem a votação, temendo repercussão negativa. O projeto foi aprovado com 301 votos favoráveis e 150 contrários, tendo sido apoiado pela base de apoio do governo Bolsonaro e rejeitado pela oposição. Mas o projeto ainda precisa ser votado no Senado. Como não há urgência na tramitação, não se sabe quanto tempo vai levar até o projeto ser apreciado na Casa Alta.

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A agricultora Rose Freitas, do município de Limoeiro, agreste pernambucano, diz ter ficado “horrorizada” com a notícia da aprovação do Pacote do Veneno. “É uma falta de responsabilidade com a população. Esses deputados que votaram a favor disso não estão pensando na vida, no ser humano”, avalia ela, mencionando que são políticos representantes do agronegócio e dos empresários. “Um político desse não representa o povo. Devem ter ganho dinheiro para apoiar isso”, aposta ela. Rose integra o núcleo de saúde do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e garante que os 11 pernambucanos que apoiaram a medida terão resposta. “Vamos divulgar os nomes e rostos deles, para eles sentirem nas urnas”, diz ela.


Uso de agrotóxicos expõe trabalhadores a doenças e até ao desenvolvimento de câncer. / Foto: Sec. do Meio Ambiente do Estado do Ceará

Segundo Rose, um dos venenos mais comuns utilizados na produção rural em Pernambuco é o Roundup, herbicida à base de glifosato e produzido pela Monsanto e utilizado para impedir pragas nos tomates e pimentões. Diferente do Brasil, na Europa o glifosato está na mira de autoridades e há limites rígidos para uso da substância, que é cancerígena. Como agricultora, Rose Freitas afirma que é possível sim plantar alimento sem veneno. “Aqui nós afastamos as pragas usando remédios naturais, como fumo de rôlo ou à base de mamona. Nada de veneno”, diz ela. “Alguns animais, como lagartas, a gente prefere não matar, até deixamos eles comerem um pouco, só é ter cuidado para não perder o plantio”, conclui.

O artista e a obra

O projeto original do PL 6299/2002 é de autoria de Blairo Maggi, empresário da soja no Mato Grosso, ex-governador do MT, ex-senador e ministro da Agricultura durante o governo Temer. Pouco tempo após o rompimento da barragem de Mariana (2015), ele propôs o fim do licenciamento ambiental. Anos antes deu declaração pública afirmando que os 50 defensores do meio ambiente assassinados por ano no Brasil eram pouco. Em 2018 foi denunciado por corrupção ativa.

Edição: Rani de Mendonça