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Contrarreforma do Ensino Médio: privatização da educação profissional no Paraná

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Iniciada por medida provisória, em um dos primeiros atos do então empossado governo golpista de Michel Temer, em 2016, a atual reforma do Ensino Médio representa, na verdade, um atraso de pelo menos vinte anos na educação pública brasileira - José Dias/PR
A Secretaria de Estado da Educação do Paraná (Seed-PR) apresentou o seu convênio para implementação

Não é de hoje que diversas entidades, coletivos, pesquisadores e estudantes vêm alertando o país sobre os retrocessos que o chamado Novo Ensino Médio representa. Iniciada por medida provisória, em um dos primeiros atos do então empossado governo golpista de Michel Temer, em 2016, a atual reforma do Ensino Médio representa, na verdade, um atraso de pelo menos vinte anos na educação pública brasileira.

Uma síntese das discussões e pesquisas que têm sido desenvolvidas confere um novo tripé a essa etapa de ensino: a) Tendência à privatização da educação, com a entrada em cena de diversos organismos empresariais que farão parcerias para a oferta de cursos de nível médio; não há restrição para os chamados convênios, já havendo, em diversos estados da federação, a participação ativa de grupos financeiros como o Itaú Educacional e o Instituto Unibanco ou de representantes do empresariado, como a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a Confederação Nacional da Agricultura (CNA); essas entidades participam da elaboração de currículos, produção de materiais didáticos, gestão de plataformas de Educação à Distância (EaD), dentre outros processos; b) Anticientificismo: os conteúdos científicos são substituídos por competências e habilidades, vinculadas ao pragmatismo da aquisição de informações; ocorre, no entanto, que as escolas tradicionais frequentadas pelos filhos das classes dominantes continuarão ofertando as disciplinas científicas com foco na preparação para o vestibular, ficando destinados aos filhos dos trabalhadores o ensino técnico e procedimental, necessário ao aprendizado das profissões manuais; c) Fragmentação curricular, passando a existir um Ensino Médio dividido ao meio: uma parte comum cursada por todos os estudantes (fundamentada na Base Nacional Comum Curricular – BNCC) e uma parte diversificada, que será escolhida a critério de cada aluno, a partir de cinco itinerários formativos diferentes; um desses percursos possíveis é o itinerário técnico-profissional, que apresenta o corte de classe do Novo Ensino Médio, na medida em que também é preterido por escolas frequentadas pelos filhos das classes dominantes. Trata-se do retorno ao modelo excludente de Ensino Médio aplicado na década de 1990. A novidade, agora, é que todas essas prerrogativas estão previstas em lei, não estando restritas a um programa de governo. Por todos esses motivos, prefiro denominar esse processo de contrarreforma do Ensino Médio.

Não satisfeito com as diretrizes gerais da contrarreforma, o governo do estado do Paraná tratou de aplicá-la por meio de um procedimento inédito na educação pública brasileira. Logo nos primeiros dias do ano de 2022, quando todos os professores se encontravam ainda em férias, a Secretaria de Estado da Educação do Paraná (Seed-PR) apresentou o seu convênio para implementação do itinerário formativo técnico-profissional, ofertando novos cursos técnicos. Trata-se de uma parceria com o grupo privado educacional Unicesumar que durará um triênio e, já no seu primeiro ano, despenderá 38 bilhões e meio de reais dos cofres públicos. O que mais impressiona é que a SEED-PR justifica a ação argumentando que faltam profissionais habilitados, quando, na verdade, o quadro próprio do magistério estadual conta com professores concursados especificamente para atuar na educação profissional e com o mecanismo de Processo Seletivo Simplificado (PSS), que emprega milhares de docentes aptos a ministrarem disciplinas pautadas na ciência. A parceria apresentada delega a um grande grupo empresarial a contratação de monitores, que substituirão os professores e ministrarão aulas online, sendo permitido que um mesmo docente atenda até vinte turmas ao mesmo tempo. Há relatos de professores concursados a quem não foram atribuídas aulas em disciplinas técnicas, sob o argumento de que estão reservadas aos monitores contratados pela Unicesumar.

O contrato prevê a abertura de 1500 turmas de “cursos técnicos” em oitocentas escolas estaduais. As aspas se referem à forma de oferta dos cursos: não se tratam de cursos de longa duração, articulados ao ensino científico e às disciplinas da base comum (matemática, geografia, química, biologia etc.). São, ao contrário, cursos de curta duração ministrados à distância, que se caracterizam muito mais como apêndices do Ensino Médio destinados à população mais pobre. A situação se esconde sob o véu de um discurso de inovação, empreendedorismo e coaching educacional, apresentando o “Novo” Ensino Médio como a solução do problema do emprego e descaracterizando por completo o papel da escola na vida da classe trabalhadora.

Eis o ineditismo. O governo do estado do Paraná passa a construir a gestão da educação pública a partir da oferta privada. Com isso, o lucro se torna a prioridade do Estado, que passa a regular e administrar os próprios negócios de uma grande empresa privada educacional. E o pior de tudo: sem necessidade alguma, já que cursos de muito maior qualidade social já vêm sendo ofertados pela rede estadual de educação.

Estamos diante de um cenário que articula o que há de pior da retirada de direitos observada nos últimos anos. Apoiada na reforma trabalhista, a parceria entre governo estadual e Unicesumar precariza a atividade educacional, ataca servidores públicos e terceiriza irrestritamente o trabalho docente. Adapta-se a política educacional aos interesses mais diretos de grupos empresariais, evidenciando a perfeita harmonia entre, de um lado, o projeto do governo Federal e, de outro, a gestão de Ratinho Jr. e seu secretário de educação Renato Feder no estado do Paraná.

Os desafios à construção da resistência ao desmonte são inúmeros. Cabe aos sindicatos, movimentos sociais, academia e organizações políticas construir a mobilização a partir da formação política dos servidores e estudantes envolvidos diretamente com a contrarreforma. É urgente a ampla discussão sobre o Ensino Médio e a educação profissional demandados pela classe trabalhadora, desvinculando-a de jargões produzidos como mercadoria por aqueles que são diretamente beneficiados pela contrarreforma. Especialmente em ano eleitoral, a rescisão do contrato entre SEED e Unicesumar deve ser exigência prioritária no diálogo com candidatos ao executivo e ao legislativo estaduais. Na esfera federal, o ponto de partida para a construção de um projeto popular para a educação precisa incorporar a imediata revogação da Lei nº 13.415/2017, que regulamenta a contrarreforma do Ensino Médio.

 

 

 

 

Edição: Pedro Carrano