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"Estamos vivendo de maneira desumana": detentos denunciam condições precárias em prisões do PR

Documentos da Comissão de Direitos Humanos e cartas de detentos reúnem série de denúncias

Pato Branco (PR) |
Relatos denunciam que presos já receberam marmitas com cacos de vidro e alimentos estragados - Foto: CDH/Alep e assessoria Nupep

Operações realizadas pelo Setor de Operações Especiais (SOE) em unidades espalhadas por todo o estado do Paraná aparecem em denúncias feitas pela Frente pelo Desencarceramento do Paraná e em relatórios elaborados pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Paraná (Alep).

Além dos documentos, pessoas que estiveram presas durante o período da pandemia e que aguardam o julgamento em liberdade, denunciaram as mesmas irregularidades.

A reportagem do Brasil de Fato Paraná teve acesso, com exclusividade, aos documentos e relatos que mostram uma verdadeira barbárie no sistema penal.

Na primeira parte da reportagem, mostramos os relatos de ex-detentos e familiares de detentos sobre as irregularidades e violações de direitos humanos que acontecem diariamente nas penitenciárias do estado. Agora, mostramos os documentos da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Paraná, que reafirmam as denúncias.

Documentos reafirmam denúncias

No ano passado, a Comissão de Direitos Humanos da Alep realizou vistoriais em diversas unidades penitenciárias do Paraná, entre elas: Penitenciária Feminina de Piraquara (PFP), Complexo Médico Penal (CMP), Penitenciária Estadual de Foz do Iguaçu (PEF-1) e Penitenciária Estadual de Piraquara 2.

A reportagem teve acesso aos relatórios, nos quais a CDH faz uma série de recomendações a fim de que melhorias na infraestrutura fossem realizadas e que ações para melhora da saúde e garantia dos direitos humanos fossem efetivadas.

Em todas as unidades, a comitiva da CDH encontrou irregularidades, fazendo duras recomendações para as autoridades. Para todas as unidades vistoriadas, houve pedidos comuns, como a “necessidade de melhorias na alimentação fornecida”, sobretudo nos aspectos relacionados à “qualidade nutricional e quantidade de alimentos”, o pedido para “extinção de castigos com confinamento por mais de 15 dias consecutivos ou mais de 22 horas diárias”, o combate aos castigos coletivos e a adequação do número de servidores, que hoje está abaixo do ideal.

Para cada relatório também houve algumas determinações específicas, feitas a partir da vistoria e da oitiva com detentos.

A primeira ocorreu no dia 29 de abril de 2021, na PEP 1, onde estavam, na época, 709 presos para uma capacidade de 743, e onde também funcionavam containers, usados como celas para triagem (seis vagas) e para presos permanentes (seis vagas).

Ali, a Comissão solicitou a apuração das violações denunciadas pelos apenados e que fosse realizado o programa de redução de pena, aliado aos programas de educação e trabalho. O relatório também solicitou que a unidade planejasse o retorno das visitas presenciais e que fosse melhorada a qualidade técnica para viabilizar webvisitas. Além disso, a reinstalação da TV, entrega correta dos Sedex, fornecimento de produtos de higiene e melhoras no atendimento psicológico também estão entre os 17 pontos listados pela comissão.

Na Penitenciária Feminina de Piraquara (PEF 1), sete detentas foram ouvidas pela comissão e denunciaram o descaso com a saúde, tendo que passar dias com dor e febre, recebendo apenas paracetamol, sem serem encaminhadas à enfermaria por “falta de guardas”. Outra situação, relacionada à saúde mental, é a dificuldade em falar com familiares, mesmo mediante webvisitas, tendo relatos de apenas duas visitas virtuais no espaço de um ano e seis meses.


Na Penitenciária Feminina, detentas denunciaram o descaso com a saúde / Foto: CDH/Alep e assessoria Nupep

Prisão manicomial

As recomendações mais graves feitas pela CDH foram para o Complexo Médico Penal (CMP). O objetivo da unidade é internar presos que tenham algum problema psicológico grave e, ali, receber o devido tratamento. Mas o que a comissão encontrou foi uma prisão comum, com celas com até seis detentos, sozinhos, que sofrem com problemas mentais como esquizofrenia e depressão, sem o tratamento adequado.

“Ali, a lógica que eles seguem, é a manicomial mais antiga. Que é com o objetivo de retirar o doente mental do convívio social. Tanto que os exames que eles fazem é cessação de periculosidade. Não é sobre saúde mental, é pra ver se eles não são mais perigosos. Então é uma visão muito ultrapassada”, relatou a advogada e assessora da Comissão de Direitos Humanos e da Cidadania do Paraná, Thais Giselle Diniz Santos.

A assessora explica que o correto seria que tais presos fossem tratados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), de forma regionalizada, ao invés de ficarem todos isolados em Curitiba e longe dos familiares.

“O ideal é que fossem tratados como doentes mentais com todo o tratamento de saúde. Fazendo o amparo de saúde mental. Isso envolve convívio com a família, com a sociedade. A gente vê que eles ficam dopados o tempo todo. Recebem muita medicação. É muito voltado para eles não incomodarem”, apontou.

O relatório definiu a situação do complexo como ilegal e inconstitucional, solicitando com urgência o desenvolvimento de política pública estadual com programa de atenção integral ao portador de doença mental que comete ilícitos.

Banhos de dois minutos e uma webvisita por mês

Na Penitenciária Estadual de Foz do Iguaçu, a vistoria foi realizada no dia 14 de outubro. A comissão identificou a falta de efetivo, um problema crônico que se ramifica em todo o estado do Paraná entre as polícias penais, e a falta de funcionários para cargos de saúde, tendo apenas um médico que atua 20 horas por semana para atender os 575 detentos que estão abrigados na unidade.

Além disso, os banhos são condicionados a apenas dois minutos, conforme depoimentos obtidos entre os apenados, cartas são censuradas e é permitida apenas uma webvisita por mês. Para se pensar a ressocialização, há apenas uma oficina de trabalho e não há programa para estudante no espaço.

A última unidade vistoriada foi a PEP 2, no dia 25 de outubro, com relatos e indicações que se assemelham às demais unidades espalhadas pelo estado.


Na Penitenciária de Foz do Iguaçu, banhos são condicionados a 2 minutos / Foto: CDH/Alep e assessoria Nupep

Detentos pedem socorro em nova carta

Quase um mês depois da vistoria na segunda unidade de Piraquara, detentos conseguiram entregar uma carta que chegou à Frente pelo Desencarceramento do Paraná, que enviou à Comissão de Direitos Humanos da Alep. A carta começa com um pedido de socorro da PEP 2.

São reivindicados seis tópicos destacados em letras grandes: alimentação, higiene básica individual mensal, atendimento odontológico, remissão de pena, cubículos desumanos e visitação.

Na carta, que termina com a frase “aguardamos uma resposta das autoridades”, é denunciado que o Sedex mensal, as conhecidas sacolas, enviadas por familiares, são limitadas e não suprem a “necessidade de saciar a fome”, uma vez que a alimentação distribuída na unidade, conforme o documento, foi reduzida.

“Solicitamos que nos seja possibilitado o acesso ao trabalho, proporcionando terapia ocupacional, meio de remissão de pena e remuneração, pois acreditamos que o intuito do encarceramento não se tem meramente a ser punitivo, mais sim RESSOCIALIZAR o interno; [...] deixar amontoados em depósitos humanos, e sem nenhum tipo de preparação, vivendo em total abandono, dessa maneira nunca veremos resultados positivos [...]”.

De acordo com a Frente pelo Desencarceramento Paraná, a carta só chegou este ano em suas mãos, mesmo que a data seja de novembro de 2021.

Da mesma unidade, uma carta assinada por internos da 9ª galeria, com data de 20 de novembro de 2021, também vem com um pedido de socorro. “Viemos através desta humilde carta pois estamos vivendo de maneira desumana aqui nesta galeria”, começa a carta.

Eles reclamam da falta de ventilação no local que, antes, era servido para presos temporários, mas que estava sendo utilizada como área de convívio (como chamam as celas). No documento, citam que todas as janelas são concretadas e, no espaço onde pessoas deveriam ficar por até 30 dias, já se extrapola os 60.

“Tá muito difícil para vivermos assim [...] Tem detento aqui que está dormindo com colchão que não tem mais condições de uso. Não temos mais a quem recorrer a não ser os senhores dos direitos humanos. Pedimos com urgência uma atenção. Deus abençoe, contamos com vossa ajuda”.


Não temos mais a quem recorrer a não ser os senhores dos direitos humanos, dizem detentos, em carta / Foto: CDH/Alep e assessoria Nupep

Segundo a advogada Thais Giselle Diniz Santos, após as vistorias da CDH, algumas adaptações foram feitas. Mas, no geral, ela aponta o que chama de descaso das autoridades em sanar os problemas relacionados à pessoa privada de liberdade.

“A gente vê que as medidas que eles fazem, fazem mais para se preservar do que para melhorar”, defende. “Eu acompanhei bem esse período de pandemia. [...] Num primeiro momento, a gente viu que piorou [o tratamento ao apenado]. Teve uma omissão mesmo. Não melhorou o atendimento médico durante a pandemia e tiveram diretores das unidades que mandaram ofícios para Sesp [Secretaria da Segurança Pública do Paraná] dizendo que tinham receio, porque a população prisional já tinha problemas de saúde. Mas não teve nenhuma atuação nesse sentido.”

O que as autoridades dizem

A reportagem levou as denúncias para a Defensoria Pública, o Ministério Público e Departamento Penitenciário do Estado do Paraná (Depen).

A defensora pública Andreza Lima de Menezes, coordenadora do Núcleo da Política Criminal e da Execução Penal (Nupep), conta que participou, em conjunto com a CDH, da vistoria da PEP 2, identificando os problemas presentes no relatório, e do grupo interinstitucional, presidido pelo Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário do TJPR, criado para monitorar a situação da covid-19 nas prisões.

Sempre que constatada irregularidades, a Defensoria, segundo Andreza, expede recomendações e atua em pedidos de providências judiciais, além de ingressar com ações judiciais em favor das pessoas privadas de liberdade.

Além disso, a defensora disse que o Núcleo atua neste momento para garantir a dose de reforço da vacina contra a covid-19 para a população carcerária, na retomada das visitações presenciais e na implementação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da População Prisional(PNAISP) no Paraná.

O Ministério Público do Paraná (MPPR) respondeu, por meio do Grupo de Atuação Especial de Segurança Pública, unidade especializada do órgão, informou que foi formado o Comitê Gestor da Crise da Covid-19 no Sistema Prisional, coordenado pelo Poder Judiciário, através do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário (GMF/PR), para apurar violações. Quando encontradas irregularidades, disse que são adotadas as medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis.

De forma genérica, pontuou que as recentes reestruturações do sistema penitenciário estadual, que têm incluído, desde 2018, carceragens às delegacias, vêm sendo alvo de pleito e tratativas discutidas entre o MP e Governo do Estado do Paraná.

A reportagem ligou para o Depen, mas em todas as tentativas a chamada deu como ocupada. Também enviou e-mail para a assessoria e aguarda posicionamento oficial, deixando o espaço aberto para manifestação.

Edição: Lia Bianchini