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CONJUNTURA MUNDIAL

Artigo | Pandemia, desigualdade e resistência

Na América Latina, os povos voltam a se insurgir contra as oligarquias locais, aliadas dos EUA

São Paulo (SP) |
Maior violência de governos de extrema direita, com programa neoliberal de retirada de direitos, é a tônica em vários países - Foto: Giorgia Prates

O mundo do trabalho vive o pior dos mundos. A pandemia da Covid-19 só agravou o cenário de desigualdades sociais, desemprego, queda de renda, regressão trabalhista, desalento e falta de perspectivas – principalmente entre os mais jovens. A crise do capitalismo, que é prolongada, estrutural e sistêmica, ganhou contornos ainda mais trágicos com o novo coronavírus.

Por outro lado, a pandemia acelerou o processo de mudança na geopolítica mundial, com o declínio relativo dos EUA e a ascensão de novas nações, com destaque para a China. A humilhação do império no Afeganistão, após 20 anos de ocupação criminosa e gastos de dois trilhões de dólares, é a prova mais recente dessa mutação do quadro internacional.

O agravamento das contradições no capitalismo tem como consequência o aumento da resistência dos trabalhadores em todos os países. Greves, explosões de revoltas e novas formas de confronto pipocam pelo mundo, mas ainda não conseguiram alterar a situação de defensiva estratégica da luta dos trabalhadores.

Na América Latina, os povos voltam a se insurgir contra as oligarquias locais, aliadas dos EUA, obtendo expressivas vitórias no Chile, Peru, Honduras, Bolívia – entre outras nações da nossa sofrida região.

Esse cenário complexo, volátil e cheio de incertezas confirma que para enfrentar a barbárie capitalista é urgente investir cada vez mais na mobilização, na conscientização e na organização dos explorados. A humanidade corre sérios riscos sob a égide do capitalismo!

Explosão das desigualdades sociais

Estudo divulgado em fevereiro passado pela ONG Oxfam Internacional, intitulado “O vírus da desigualdade”, confirma que a pandemia do novo coronavírus só agravou as desgraças que já vinham devastando a sociedade neste longo período de capitalismo destrutivo e regressivo.

“O vírus expôs, alimentou e aumentou as desigualdades de renda, gênero e raça já existentes. Milhões de pessoas já morreram e centenas de milhões estão sendo jogadas na pobreza, enquanto os mais ricos – indivíduos e empresas – prosperam. As fortunas dos bilionários voltaram ao pico pré-pandêmico em apenas nove meses, enquanto a recuperação para as pessoas mais pobres do mundo pode levar mais de uma década... Estima-se que o total de pessoas que vivem na pobreza pode ter aumentado entre 200 milhões e 500 milhões em 2020”, afirma o relatório.

Entre março de 2020, quando a pandemia do novo coronavírus foi reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), e no final daquele ano, os bilionários acumularam US$ 3,9 trilhões em riquezas. Apenas os 10 maiores ricaços do planeta aumentaram em US$ 540 bilhões sua fortuna no período, segundo o ranking elaborado pela revista Forbes.

Violenta regressão do trabalho

Nesse acelerado e brutal processo de regressão, os assalariados foram duramente atingidos – apesar da resistência do sindicalismo em vários países. Segundo relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), atualmente meio bilhão de pessoas estão desempregadas ou subempregadas no planeta.

Os ataques do capital aos trabalhadores se deram em duas dimensões. No nível macro, a aplicação do receituário ultraneoliberal na economia resultou em demissões, arrocho salarial e retirada de antigos direitos trabalhistas. Estudos da OIT apontam que na maioria dos países os governos aprovaram “deformas” trabalhistas e previdenciárias e adotaram medidas autoritárias para conter a ação sindical, enfraquecendo a união e a resistência dos trabalhadores.

Já no nível micro, das empresas, a reestruturação produtiva se intensificou com as novas tecnologias de informação. A pandemia da Covid-19 acelerou ainda mais o processo que já estava em curso de “uberização” do trabalho e do chamado home office, com a individualização das relações no trabalho – uma nova modalidade de regulação, com jornadas maiores, salários menores e cortes de direitos.

Fascismo e ultraneoliberalismo

Nessa nova fase regressiva e destrutiva do capitalismo, que concentra a riqueza e faz explodir a miséria, há uma combinação perversa entre o ultraneoliberalismo na economia, o fascismo na política e o obscurantismo nos valores e nos direitos humanos. Ocorre um processo de fascistização no mundo.

O neoliberalismo aguçou as contradições do sistema, o que ampliou suas deformações e depravações, como aumento da violência urbana e do drama da imigração. Ele também fragilizou as instituições democráticas do Estado, travou as mudanças mais progressistas na sociedade e fragmentou a capacidade de resistência dos trabalhadores.

Esses fenômenos foram o caldo de cultura para o avanço de ideias ultradireitistas contra os imigrantes, em favor da necropolítica, do negacionismo na ciência, da rejeição das conquistas recentes contra o machismo, o racismo, a homofobia, entre outros direitos civilizatórios.

A eleição do neofascista Jair Bolsonaro no Brasil faz parte dessa onda reacionária internacional; não é um fator isolado. Isto explica a ascensão de figuras sinistras e patéticas, como Donald Trump (EUA), Boris Johnson (Reino Unido), Matteo Salvini (Itália), Marine Le Pen (França), Viktor Orbán (Hungria), Rodrigo Duterte (Filipinas), entre tantos outros.

Golpes e retrocessos na América Latina

A nossa América Latina sentiu o impacto dessa onda fascistizante. Após despontar como vanguarda na luta contra o desmonte neoliberal no planeta – como seus Fóruns Sociais Mundiais, greves urbanas, revoltas indígenas e camponesas e eleições de governos progressistas no início deste século –, nosso subcontinente sofreu uma devastadora regressão.

Para bloquear as tímidas reformas sociais e implodir as iniciativas de integração regional – que barraram a Alca, reforçaram o Mercosul e criaram a Unasul, a Celac e outras instâncias de unidade latino-americana –, as oligarquias locais e o império ianque promoveram golpes judiciais-parlamentares-midiáticos em Honduras (2009), Paraguai (2012), Brasil (2016) e Bolívia (2019).

Na treva que se abateu na região, as forças da extrema-direita e da direita neoliberal também venceram eleições na Argentina, Uruguai, Equador, Paraguai, Chile, El Salvador, entre outros países da América Latina e Caribe. E o imperialismo seguiu apostando na desestabilização da Venezuela e de Cuba.

Foi um tsunami reacionário, que resultou em desmonte dos Estados nacionais, em ataques aos direitos trabalhistas, em destruição de políticas públicas, na explosão de desemprego e da miséria e no avanço do autoritarismo, com o endurecimento das relações com o sindicalismo e os movimentos sociais. Anos sombrios, que finalmente começam a ser superados.

 

Edição: Pedro Carrano