Paraná

RESISTÊNCIA INDÍGENA

Perfil Popular. Jovina Renhga: mulheres indígenas no poder

Hoje (27) Jovina conquistou, com outras mulheres e jovens, casa de passagem provisória em Curitiba. Seguirão na luta

Curitiba (PR) |
No dia de hoje (27 de dezembro) Jovina conquistou, ao lado de outras mulheres e jovens, uma casa de passagem provisória em Curitiba por 60 dias - Pedro Carrano

Jovina Renhga, no dia de hoje (27 de dezembro) pode dizer que conquistou, ao lado de outras mulheres e jovens, uma casa de passagem provisória em Curitiba, após 20 dias de intensas lutas, que pautaram a opinião pública, gerando apoio e, ao mesmo tempo, indignação com a falta de abrigo para mulheres do povo kaingang e seus filhos. Sem abrigo, elas dormiam nas ruas de uma das capitais mais ricas do Brasil.

Depois de muita indiferença e, finalmente, negociação, a prefeitura de Curitiba ofereceu o espaço de um barracão para as 60 pessoas, a maioria oriunda do assentamento Rio das Cobras (região Sudoeste do Paraná), que vem a Curitiba vender seus artesanatos e artes nesta época do ano. Depois da negociação, o poder público queria a saída imediata da praça Nossa Senhora de Salete, no Centro Cívico, onde as famílias estavam acampadas, ao lado do prédio oficial.

Porém, as lideranças do acampamento “Casa de Passagem Já” ainda permaneceram no final de semana do Natal para ajeitar as coisas e não deixar a prefeitura impor o seu tempo a elas. Agora, enquanto desmontam madeiras e lonas do acampamento, prometem seguir lutando por uma casa permanente. Afinal, no trato, são apenas dois meses de acordo. Essa pauta de casas de passagem muitas vezes é rechaçada pelo poder público e pelas elites em várias cidades, a exemplo de Cascavel (Oeste do Paraná), onde há projeto parado há anos, apesar de intensa circulação de artesãos neste período na cidade.

Nos mais de vinte dias de lutas, essas mulheres e jovens enfrentaram a chuva, as dificuldades, o risco da indiferença, porém já com a experiência de organização e luta que o movimento indígena tem nacionalmente. Afinal, em 2021, houve a 2ª Marcha Nacional das Mulheres Indígenas, em Brasília, o acampamento indígena e as lutas contra o Marco Temporal (PL 490 – que exige comprovação da posse da terra anterior à Constituição de 88). Com isso, os povos originários estão entre os agentes principais de enfrentamento contra o governo Bolsonaro e sua expansão da fronteira agrícola, alinhamento com o agronegócio e com a destruição da Amazônia.

Jovina

Entre as lideranças principais do que pode ser chamado agora de um movimento em torno da Casa de Passagem está a kaingang Jovina Renhga, moradora da comunidade Kakane Porã (Fruto bom da Terra em língua kaingang), na periferia de Curitiba.

Mãe de quatro filhos e lutadora do povo experiente, apesar de cansada pelos dias de luta, Jovina traça uma recordação das principais ações em que se envolveu.

Ela recorda que iniciou-se cedo na luta, com cerca de 10 anos, quando a família participou de retomada de terras indígenas no município de Mangueirinha (região Sudoeste). O pai de Jovina era um dos organizadores, ao lado do histórico cacique Ângelo Kretã, liderança que conduziu o movimento de retomada de terras no sul do país, nos anos 70, e primeiro vereador indígena eleito do país, em 1976.

Sempre próxima a movimentos populares, Jovina integrou, ao lado de outras lideranças, a Assembleia Popular e o Grito dos Excluídos, fortalecendo e unificando a luta pelo assentamento da Kakané Porã, onde vive hoje, ao lado de outras duas etnias: xetá e guarani. Ali, coordena também uma cooperativa de mulheres, programas de inserção dos povos originários nas indústrias e automotivas da região, entre outros projetos.

Jovina insiste que foi nos anos 90, nas primeiras passagens por Curitiba, o entendimento sobre a necessidade de luta, para conquistar espaços, representação e cotas nas instituições. A Casa de Passagem havia sido uma conquista de 2015, mais tarde fechada em 2018. “Tenho orgulho de ter lutado com os parentes e conseguimos a Casa de Passagem indígena. Não sozinhos”, afirma. Ela atribui o fechamento da casa a razões diretas e estruturais na sociedade brasileira: “Racismo. Quando não gostam de você, não querem te ver, é racismo com a gente, uma política de discriminação. Somos os donos dessa terra que se chama Brasil, há nossa ancestralidade, os brancos têm que entender que estão no nosso espaço, e não o contrário”, critica.

Jovina demarca também a importância do protagonismo crescente das mulheres, nas comunidades e na organização política. Dificuldades não faltam. Uma delas, que ela própria viveu no início, é o não acesso à língua portuguesa, ainda marcante nos dias de hoje. “Não queremos apenas caciques, temos uma organização de mulheres, comissão organizadora, mulheres jovens se envolvendo e aprendendo com as mais velhas”, indica.

Edição: Frédi Vasconcelos