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Coluna

CRÔNICA. O que o mar tentou nos dizer

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Eu tentei te traduzir também aquela fúria de sons e ventos, aqueles navios lentos, o contorno daquelas pedras distantes - Pedro Carrano
É fim de dezembro, com mais fatos e notícias que poderiam caber em nossa memória machucada

Vi um caminho saindo do teu coração. O que é?”, Sara Gallardo.

Olhei, olhamos, aquele manso movimento de corpo grande, muito maior que nós. Olhei e fechei meus olhos. O mar avançava as garras, brincava, descansava, animal semelhante a um felino, atacava em repouso, corpo parrudo e decidido, de poucas patadas, ao mesmo tempo que indiferente no começo à nossa presença.

Mais tarde voltei a abrir os olhos para aquela luz de domingo a tarde, as pessoas retomando a vida naquela extensão da praia do Leme, e ele estava lá, sóbrio, com potência de séculos, sem parar de se mover nem por um instante, pulmões de vento.

Naquelas pedras do Leme, de onde era possível olhar quase todo o traço do corpo do mar, nos causavam algo muito profundo, nesses dias de tantas mudanças, choques, rebentações, cordas roídas e âncoras rompidas. E ele, o mar, dignou-se a lançar sobre nós toda a sua fúria mansa.

Ele estava ali, tentando nos dizer algo, não sei se foi feliz nessa tentativa. Você mesma desprezou o tamanho das ondas, chocando-se verdes e bem próximas dos poucos banhistas que se arriscavam a um nado.

Eu tentei te traduzir também aquela fúria de sons e ventos, aqueles navios lentos, o contorno daquelas pedras distantes, o planador exibindo uma publicidade nos céus, imensidão toda que, talvez, mesmo assim, não dava conta de todas as nossas angústias.

Mas também recebemos seu abraço e a água gelada finalmente alcançou os nossos pés, com a violência terna e sincera da mordida de um animal amigo.

É fim de dezembro, um 2021 prolongado, com mais fatos e notícias que poderiam caber em nossa memória machucada. O ano acabou e os conflitos seguem acontecendo, permanentes, fechando os nossos olhos às vezes para todas aquelas mensagens boas e sinais de vida. Já não há calendários, isso é verdade, há talvez uma ferida úmida do tamanho do mar, que deveríamos solucionar com nossos braços magros o quanto antes fosse possível.

O que o mar tentou te dizer, o que eu tentei traduzir, o que nos escapou ao entendimento, não se trata de qualquer frase de autoajuda, de qualquer mensagem padrão divulgada nas redes sociais. O que o mar queria nos dizer estava apenas ali, presente, firme e ao mesmo tempo instável, vacilante e no caminho certo, expresso no voo torto daquelas aves, e naquilo que no fundo era muito mais simples que o nosso próprio entendimento. O mar estava ali, e nos chamou simplesmente para repousar, ao menos os nossos olhos, na segurança do seu corpo.

 

 

Edição: Frédi Vasconcelos