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CRÔNICA. Sobre cuidado e apoio

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"Mas aqui se expressa, novamente, a desigualdade e o interesse da mercadoria em detrimento da vida humana" - Giorgia Prates
Nesses dias de certo descanso forçado, fico emocionado com o carinho e prontidão de tantas pessoas

Eu me sentia cansado além do comum neste final de ano conturbado. A febre de 38 graus e uma viagem próxima me levaram então ao terceiro exame para verificar se estava com Covid-19. Fui fazê-lo com certa tranquilidade distraída de quem vai para o último jogo de um campeonato já definido, habituado até mesmo ao incômodo cotonete entrando pelas minhas tortas vias nasais.

Com o resultado positivo, quase não acreditei e repassei na minha cabeça todo o período de quase dois anos em que, mesmo em trabalhos de campo de reportagens, e em trabalhos sociais, em contato com dezenas de pessoas na associação de moradores, protegido por máscaras e álcool gel, não me havia contaminado.

A partir de qualquer ângulo, é evidente o benefício e a redução de mortes causada pela aplicação de vacinas - ainda que atrasadas, no caso do Brasil. A minha atual dor e indisposição seria muito maior se eu não tivesse tomado as duas doses neste semestre. Infelizmente, se houvesse uma política planificada, no Brasil e no mundo, que desse conta da vacinação, o número de mortes teria sido e será muito menor. Mas aqui se expressa, novamente, a desigualdade e o interesse da mercadoria em detrimento da vida humana.

O governo Bolsonaro, sabemos, tratou o tema com descaso, corrupção inaceitável, em busca da orientação mortal da chamada “imunidade de rebanho”, condenada por tantos pesquisadores. O mais sério, porém, às vezes me parece o descaso de empresas e governos que banalizaram vidas e, muitas vezes, transformam mortes em números, gerando a cultura de uma certa anestesia coletiva que, no dia a dia, nos faz esquecer que cada vida é fundamental. Como diz o poema de John Donne citado por Ernest Hemingway no romance “Por quem os sinos dobram”: “a morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano”.

Tenho certeza que contribuiu para que pegasse o vírus, além do stress de fim de ano, um certo sentimento de retorno à normalidade após a vacina, algo que ainda não devemos ter. Devemos seguir cuidando com a responsabilidade de que cuidar de nós é cuidar do outro, mantendo o distanciamento e a prevenção. O tão sonhado momento de retorno completo às atividades, neste ambiente mais favorável no Brasil, será um processo de idas e vindas. Até porque, com o mundo globalizado, o descaso com os países dependentes acarreta impactos em todos os países, como estamos vendo no caso da variante Ômicron.

Nesses dias de certo descanso forçado, fico emocionado com o carinho e prontidão de tantas pessoas. Amigos, companheiras de militância, lideranças do bairro onde vivo, estão de prontidão trazendo comida pronta, oferecendo-se para as compras, enviando áudios para saber como estou a cada momento.

Mesmo com tantos limites, e com tantos erros de governos, penso que não nos fizeram perder ainda a capacidade de servir, de apoiar, de se preocupar, de saber que somos, mesmo quando isolados, seres coletivos.

Edição: Frédi Vasconcelos