Paraná

FEMINISMO POPULAR

Marília Mendonça: as lições de sua popularidade

As mulheres sofrem e querem agrupar-se solidariamente para reagir a seus sofrimentos

Curitiba (PR) |
Marília Mendonça acumulou prêmios, bateu recordes de vendas e colocou a figura feminina no centro de um universo antes dominado por homens - Randes Filho / Divulgação

A morte prematura da cantora e compositora Marília Mendonça mexeu com a vida nacional desde o trágico acidente que a vitimou.

Era para tanto? Mostrou-se que sim.

É claro que a grande imprensa logo correu para criar o clima de comoção geral visando colocar todos e todas sobre o grande guarda-chuva da lamentação e da dor comum, buscando extrair daí uma falsa unidade de sentimentos sobre a vida de forma a que pareçam serem os mesmos para todos, tanto para os mais oprimidos quanto para os opressores.

Os fãs de Marília, principalmente as fãs, têm todo o direito de chorar a perda de sua heroína musical. E o fã clube inegavelmente era imenso, como ficou comprovado.

Alguns da esquerda passaram a criticar a burguesia, os capitalistas, pelas intenções mercadológicas por detrás da louvação de sua figura. Puro pensamento estéril. Os capitalistas são assim, sempre procuram transformar em mercadoria tudo o que podem. E não fazem isso no vazio, e sim se valendo das necessidades materiais e imateriais das pessoas. É a burguesia sendo a burguesia e nada mais. Senão, como explicar a figura de Che Guevara sendo comercializada sem pudor mundo afora?

No mesmo dia do velório de Marília Mendonça, milhares de mulheres polonesas se mobilizavam para chorar a morte de uma jovem polaca vítima da lei de restrições ao aborto impostas por um governo de direita. É uma coincidência que pode nos ajudar a pensar sobre o por que da imensa popularidade da jovem cantora do feminejo por estas paragens.

Sem dúvida há muita “sofrência” entre as mulheres e este sofrimento ultrapassa as fronteiras dos maus de amores, embora as relações amorosas entre as pessoas também estejam condicionadas pelas dimensões sociais determinantes.

Marília, como artista, gostemos ou não de seu estilo musical, atraiu para seus shows as queixas e dramas das mulheres comuns – a maioria delas jovens proletárias - a partir de uma ótica lírica das relações humanas. Fez isso nos meandros e enquadramentos que o sertanejo universitário podia permitir, mas fez, e com isso tornou suas apresentações referência para a aglomeração de uma legião de milhares de jovens oprimidas por um patriarcalismo capitalista explorador.

E o que traz de lição para as organizações dos trabalhadores e da juventude o fenômeno de público e de empatia de Marília Mendonça?

Recentemente o presidente Bolsonaro vetou o projeto de distribuição gratuita de absorvente para jovens mulheres em situação de pobreza menstrual. Foi um BRUTAL ataque às mulheres, principalmente considerando que 23% das jovens entre 15 e 17 anos não têm acesso à higiene menstrual, e que aproximadamente 25% das jovens brasileiras faltam pelo menos 45 dias do ano letivo de 200 dias por ano por não terem acesso a itens básicos de higiene.

E o que fizeram a direção da União Brasileira de Estudantes Secundaristas (UBES) e a direção da UNE sobre isso? Nenhuma convocação de mobilização das jovens pela derrubada do veto de Bolsonaro. E o que fez a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE)? Também nada. E o que fizeram as organizadoras do “Ele Não”? A mesma coisa.

Pois é, o sucesso de público de Marília Mendonça mostrou: as mulheres sofrem e querem agrupar-se solidariamente para reagir a seus sofrimentos. O mérito incontestável e louvável da rainha da sofrência foi o de dialogar, através dos seus meios disponíveis e sua compreensão artística, com este sentimento. Está mais do que na hora de organizar a consciência e ação política contra este sofrimento. Em outros países do mundo isso tem acontecido como um fenômeno de massas que reúne tantas mulheres quanto os shows de Marília Mendonça.

*As opiniões publicadas nesta sessão são de responsabilidade dos autores e não refletem, necessariamente, a opinião do jornal Brasil de Fato.

Edição: Pedro Carrano