Paraná

Especial Fake News

Artigo | A fake news é filha do “bebê-diabo”

Noticiário sensacionalista mexia (e mexe) com o imaginário e a cultura ancestral dos leitores

Curitiba (PR) |
Em 1975, o jornal Notícias Populares trazia a manchete “Nasceu o Diabo em São Paulo” - Reprodução Notícias Populares

Num tempo em que o termo fake news nem existia, em maio de 1975, o jornal “Notícias Populares” (NP) sai com a manchete: “Nasceu o Diabo em São Paulo”. No livro “Espreme que Sai Sangue”, sobre a história do jornal, Danilo Angrimani explica que um repórter foi cobrir uma pauta, que furou. Não tinha nada para a capa e fez uma crônica com esse título.

Começava ali uma série de 22 edições do NP e seu maior “sucesso”. Não tinha nada de verdadeiro, uma mulher teria dado à luz numa maternidade em São Bernardo do Campo e o bebê: “já nasceu falando e ameaçou sua mãe de morte, tem o corpo totalmente cheio de pelos, dois chifres pontiagudos na cabeça e um rabo de aproximadamente 5 centímetros...”, descrevia. O próprio jornal trazia autoridades negando a existência da personagem, mas o desmentido fazia com que fosse ainda mais “verdadeiro”.

Esse tipo de noticiário sensacionalista mexia (e mexe) com o imaginário e a cultura ancestral dos leitores, sem importar se as informações são verdadeiras. Nesse caso, relatavam uma “cascata” (história inventada para preencher espaço). O que aproxima das fake news atuais. “O leitor intui que a matéria é falsa, o jornal sabe que edita uma ‘cascata’, mas entre os dois se estabelece uma conivência... um finge que acreditou, o outro faz-de-conta que contou a verdade”, escreve Angrimani.

Nas fake news, quem recebe e repassa acredita que é verdade. Mesmo se duvidar, publica porque tem a ver com ideias e valores que defende, acredita em quem mandou ou repassa por ser tão “sensacional(ista)”. Por isso é tão difícil lidar com as “mamadeiras de piroca”. E quem acha que basta “mostrar a verdade factual” para combater as fake news vai se dar mal. Se é desmentida, a pessoa fica com raiva do “mensageiro”. Na maioria das vezes, continua a acreditar e volta a repassar o conteúdo para suas bolhas nas redes sociais. O caminho para combater as fake news não é fácil. Passa por proximidade e um trabalho de base contínuo.

*Frédi Vasconcelos é jornalista, mestre em Estudos de Linguagens pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) e pesquisa fake news. 

Edição: Lia Bianchini