Paraná

Especial Fake News

Fake news levam a mortes e revolta de familiares

Muitas mortes por Covid-19 no Brasil aconteceram pela crença em tratamentos ineficazes e pela negação à vacina

Curitiba (PR) |
Brasil é o 3.º em ranking de países mais afetados por fake news sobre vacinas e Covid-19 - Divulgação

Em março de 2020, com a pandemia reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), a população começou a receber as primeiras informações sobre como se proteger do novo vírus. Ao mesmo tempo, pesquisadores, cientistas e médicos corriam contra o tempo buscando tratamentos e respostas sobre a Covid-19. E, infelizmente, uma pandemia de desinformação também começou a acontecer. As fake news e informações não comprovadas também se provaram mortais.

Entre as mais de 600 mil mortes decorrentes da contaminação pelo coronavírus no Brasil, muitas destas aconteceram em decorrência da crença em tratamentos ineficazes e não comprovados cientificamente, do menosprezo da letalidade do vírus e/ou da negação à vacina.

Para o médico sanitarista e professor do Curso de Medicina da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Guilherme Albuquerque, as medidas necessárias para combater a pandemia foram bem estabelecidas pela ciência, porém acabaram sabotadas pelos próprios governantes do país.

“No Brasil, apesar do trabalho dos cientistas e profissionais da saúde, as autoridades políticas sabotaram as medidas simples de prevenção, inclusive divulgando fake news, levando grande parte da população a seguir, colocando sua saúde em risco e ocasionando mortes pela Covid-19”, afirma.

Crença em remédios ineficazes

O advogado paranaense Luiz Antonio Leprevost, de 69 anos, foi uma dessas vítimas. Ao saber que estava infectado pelo coronavírus, adotou, por conta própria, o uso de hidroxicloroquina e ivermectina. Ao demorar para buscar atendimento médico, veio a óbito em 9 de abril de 2020. Ele é o pai do atual secretário de Justiça, Família e Trabalho do Paraná, o ex-deputado estadual Ney Leprevost.

O filho, que integra o governo Ratinho Junior (PSD), que apoia o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), contou em suas redes sociais sobre o arrependimento do pai: “Ele desabafou e disse ter se arrependido de ter acreditado nos remédios.”

Outro filho, o vereador Alexandre Leprevost (PSD), foi mais crítico em discurso na Câmara Municipal de Curitiba. “Meu pai, apesar de induzido pelas falas do nosso líder maior, sempre se cuidou. Mas estava na crença ferrenha do tratamento precoce. Falava disso como se fosse médico. Quando começou a ficar em pé, do nada, ele começou a ficar fraco novamente, com uma coloração amarela. Voltou ao hospital e entrou em coma. Dessa vez os problemas estavam no fígado, no rim, e podem ter sido gerados pelo excesso de remédios como ivermectina e a cloroquina, que já tomava antes mesmo de contrair a doença”, relatou.

Bolsonaro foi um dos principais defensores de tratamentos usando ivermectina e cloroquina, comprovadamente ineficazes contra a Covid-19. Foi Bolsonaro também quem disseminou inúmeras fake news, como a de que quem pegou Covid-19 não precisa se vacinar, e, recentemente, que a vacina gera AIDS, levando o Facebook, Instagram e Youtube a retirarem do ar o vídeo com essa sua fala.

Revolta com as falas do presidente

Letícia Cruz, 22 anos, do município de Campo Largo (PR), diz se sentir revoltada com as falas do presidente que levaram muitos a acreditar nele. “Minha madrinha não se vacinou por acreditar nas besteiras que o Bolsonaro falou sobre a vacina. Dizia que o presidente estava certo em chamar de 'país de maricas', porque tinham medo de uma 'gripezinha'", conta.

Sua madrinha, a professora aposentada Célia dos Santos Constatino, 54, faleceu de Covid-19 em janeiro de 2021. “Foi intubada, sem poder se despedir da família”, diz Letícia.

Estudo realizado na Austrália por epidemiologistas e especialistas em infodemia mapeou o impacto de notícias falsas na sociedade. Num ranking dos 52 países mais afetados por fake news sobre vacinas e Covid-19, o Brasil ocupa o terceiro lugar, atrás apenas dos Estados Unidos e da Índia.

Edição: Frédi Vasconcelos e Lia Bianchini