Paraná

Habitação

“O povo não consegue mais pagar aluguel”, diz moradora da maior ocupação urbana do Paraná

Cresce o número de famílias vulneráveis em habitações precárias sobre a faixa de fronteira entre Brasil e Argentina

Foz do Iguaçu (PR) |
Ocupação tem população estimada em 8 mil pessoas - Foto: Bruno Soares

Fechada desde o início da pandemia causada pela covid-19, a Ponte Internacional Tancredo Neves, que une Foz do Iguaçu, oeste do Paraná, a Puerto Iguazú, departamento de Missiones (AR), foi reaberta no último dia 27, sob um novo cenário para quem a trafega.

Cerca de 500 metros à frente da aduana brasileira, a poucos passos da rodovia responsável por ligar os dois países, a margem direita da pista está ocupada por habitações precárias improvisadas por famílias em situação de vulnerabilidade na região.

“Tem brasileiro, tem argentino, tem paraguaio, tem de tudo. O povo não consegue mais pagar aluguel. Eu cheguei com meus filhos depois que fiquei desempregada, logo que começou a pandemia. Quando soube dessa oportunidade, limpei o terreno e ergui minha casa. Do contrário, estaria na rua”, compartilha a mãe de quatro crianças com idade entre dois e seis anos.

Receosa em ser identificada, a chefe da casa de três cômodos de terra batida pediu para não ter seu nome divulgado pela reportagem. “Tenho medo que venham aqui e tirem a gente, mas enquanto isso não acontece, é a única forma que encontrei para viver com o mínimo de dignidade”, completa.


Ocupação fica a poucos passos da rodovia responsável por ligar Brasil e Argentina / Foto: Bruno Soares

Sem água tratada, saneamento básico, energia elétrica ou qualquer outro serviço básico de infraestrutura, mais de 60 famílias compõem o que se convencionou chamar de “Bubas2”. “Trata-se de uma ocupação dentro de outra ocupação”, explica Cecília Angileli, ex-vice reitora da Universidade Federal da Integração Latino Americana e pós-doutora em Gestão e Desenvolvimento Territorial.

“Por meio da Escola Popular de Planejamento da Cidade, realizamos entre 2018 e 2019 uma série de estudos sobre a expansão da Ocupação Bubas. Denominamos esta nova área como 'Bubas2'. À época, fizemos o cadastro dos novos moradores e identificamos cerca de 60 famílias, com média salarial de R$ 500. Desde então, este número só tem aumentado”, informa a pesquisadora.


Moradora conta que chegou à ocupação após ficar desempregada, no início da pandemia / Foto: Bruno Soares

De acordo com Angileli, boa parte das famílias vieram da própria ocupação. “Observamos que muitos casos eram de pessoas que pagavam aluguel dentro da ocupação, e que viram na área desocupada a oportunidade de ter a moradia própria”, explica.

Foi o caso da comerciante Jenny Fernandes. Mãe de duas crianças, a jovem de 24 anos construiu seu barraco com a ajuda do marido. “Eu estava desempregada, não tinha mais condição de pagar aluguel. Era tudo dominado por mato, limpamos o que precisava e hoje temos nossa casinha, é simples, mas é do nosso jeito”, compartilha.

Dentre os incômodos de viver no local sem estrutura mínima para habitação, a mãe destaca o barulho constante dos caminhões que trafegam pela ponte e os animais peçonhentos que dominam o espaço. “É muito barulho de caminhão, o tempo todo. E também tem o risco de picada de insetos peçonhentos, cobras, aranhas. Não é fácil, mas é o que temos”, conclui.


“É muito barulho de caminhão, o tempo todo. E também tem o risco de picada de insetos peçonhentos, cobras, aranhas", relata moradora / Foto: Bruno Soares

Oito anos de luta e espera

Iniciada em janeiro de 2013, a “Ocupação Bubas” começou em um terreno de 40 hectares, que até então não possuía função alguma, e passou a servir de abrigo para pessoas em situação de vulnerabilidade social marcadas pela falta de oportunidade e assistência por parte do poder público.

Logo que o terreno foi ocupado, o proprietário do imóvel, Francisco Buba, engenheiro civil pioneiro em Foz do Iguaçu, acionou a Justiça com um pedido de reintegração de posse. Chegou a ganhar o direito na Justiça e uma ordem judicial foi expedida ao Governo do Paraná para que fizesse cumprir a retirada das famílias sob risco de uso de força policial, em caso de descumprimento. Os moradores não arredaram o pé, e, por falta de efetivo da Polícia Militar, à época, não houve o despejo. Desde então, a ocupação seguiu se expandindo.

Em meados de 2015, coube à Universidade Federal da Integração Latino Americana (Unila) entrar na ocupação e iniciar, por meio de cursos de extensão e monitorias, o processo de cadastramento de todos que lá viviam, trabalho até então nunca realizado pela prefeitura de Foz do Iguaçu nem pela Companhia de Habitação do Paraná (Cohapar).


"Ocupação Bubas” começou em um terreno de 40 hectares, em 2013 / Foto: Bruno Soares

A participação da universidade dentro da ocupação foi fundamental para que em abril de 2017 a Justiça local revogasse o pedido de reintegração de posse apresentado por Francisco Buba. Com uma decisão fundamentada em artigos da Constituição Federal que garantem o direito à moradia e também em tratados da Organização das Nações Unidas (ONU), o juiz Rogério Vidal Cunha negou a retirada das famílias do imóvel.

Desde a decisão favorável às famílias, o processo passou a tramitar no Tribunal de Justiça do Paraná. Cabe agora à segunda instância julgar quem irá pagar a indenização ao proprietário do imóvel, avaliado em mais de R$ 70 milhões. A retirada dos moradores não está mais em discussão. Mesmo assim, a falta de sentença definitiva é utilizada pela Prefeitura de Foz como argumento para não dar início ao processo de urbanização do bairro, considerado ilegal.


Despejo dos moradores não está mais em discussão, mas Prefeitura de Foz do Iguaçu ainda não iniciou processo de urbanização do bairro / Foto: Bruno Soares

Procurada pela reportagem, a Prefeitura de Foz do Iguaçu informou que não iniciou o processo de urbanização no local “porque ainda não há amparo legal para intervenções na área, que é privada”.

Por sua vez, o Governo do Paraná rebateu a justificativa do município: “A discussão sobre eventual indenização à família proprietária e sobre o responsável pelo seu pagamento em nada interfere na possibilidade de realização de regularização fundiária da área. Isto pelo fato de que a reintegração de posse já foi julgada improcedente, bem como porque a Lei 13.465/2017 determina a possibilidade de regularização fundiária urbana mesmo em áreas ocupadas.”

Enquanto o poder público não age de forma efetiva para resolver o problema, a ocupação segue crescendo. Atualmente, a população estimada está em mais de oito mil pessoas.

Edição: Lia Bianchini