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O governo argentino e os desgastes do progressismo no poder

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Passados dois anos da vitória Fernández, porém, o problema é que o país segue em grave crise social, econômica e política. - Télam
Passados dois anos da vitória Fernández, porém, o problema é que o país segue em grave crise social

Entre 2015 e 2019, na Argentina, com a chegada do governo do neoliberal Mauricio Macri, o que parecia ser a tendência de uma guinada conservadora em todo o continente, contra a intervenção do Estado e políticas sociais, ao menos no país vizinho não foi para a frente.

O rápido e trágico legado de Macri foi o desemprego, o subemprego e a fome, que atingiu os trabalhadores fortemente. Uma vez mais, a dívida com o Fundo Monetário Internacional (FMI) cresceu e hoje é considerada a mais alta do mundo. Em dólares, a maior parte desse montante da dívida torna o país frágil e sujeito à saída rápida de capitais. Um processo que, de algum modo, arrasta-se desde a crise de 2001, que gerou explosões sociais e derrubou à época três presidentes.

A aplicação do modelo neoliberal foi possível, porque, entre outras razões, o governo anterior de Cristina Kirchner (2007 - 2015) sofreu com forte perseguição dos setores midiáticos, jurídicos, via lawfare e dos setores do forte agronegócio, responsável por 10% da economia. Porém, ficou comprovado que o neoliberalismo passou longe de dar conta dos problemas que afligem as massas populares naquele país.

Alberto Fernández vence as eleições então neste contexto, com o apoio e a vice-presidência de Cristina, trazendo novamente a crítica ao neoliberalismo. Passados dois anos da vitória Fernández, porém, o problema é que o país segue em grave crise social, econômica e política.

A análise nunca é simples. Mas pode-se dizer que, em geral, quando se trata do manejo do governo, um governo progressista que não avançar na direção do poder, a experiência dos vinte anos recentes na América Latina mostra pode acabar estando sujeito a fatores determinantes, que podem colaborar para a sua queda:

a) quando não há avanço no envolvimento e sustentação nas massas populares;

b) quando não busca combater, porém compactuar com os setores mais conservadores, da mídia e das oligarquias, estando sujeito a pressão dessas frações, ao lado do imperialismo;

c) quando apresenta ausência de medidas econômicas reais, ancorando-se somente em uma narrativa mais progressista, porém que não tem a ver com a vida real do povo, tende a se desgastar enormemente;

Pode, com isso, abrir o flanco inclusive para o golpe de seus adversários. Na Argentina, a derrota nas prévias eleitorais para o parlamento foi um sinal de alerta.

Como atesta o jornalista e pesquisador em Estudos Latinos, Rogério Thomaz Jr, residente no país, durante o programa O Sul do Mundo, do Brasil de Fato Paraná, Fernández sofreu o desgaste inevitável do período de pandemia, que aprofundou a crise econômica do país.

Ao mesmo tempo, ao contrário do inepto governo brasileiro, tomou medidas importantes, como o controle dos preços da cesta básica.

Neste momento, porém, em carta pública recente, a vice-presidente Cristina Kirchner reforça a cisão no interior do bloco do governo e do peronismo argentino ao criticar o orçamento de 2021 e de 2022, além de criticar o ajuste fiscal de Fernández em plena crise da pandemia. O atual presidente adotaria, com essas medidas, uma linha de conciliação com amplos setores, enquanto o kirchnerismo e o movimento Campora de Cristina cobrariam intervenção estatal e medidas populares.

Ao lado do governo mexicano de Andrés Manuel López Obrador, o caso argentino do governo Fernández deve ser acompanhado nesse quadrante da luta de classes na América Latina. Em comum, os dois mandatários foram eleitos a partir do rechaço da população ao modelo neoliberal, entretanto não estão ancorados em fortes movimentos de massa e tampouco são originários destes.

Embora mantiveram na pandemia um discurso progressista e um bocado de medidas corretas, no entanto resumem o atual desafio do progressismo na América Latina, lá como cá: como avançar no governo sem um direcionamento e medidas que apontem a construção de um projeto de poder?

O enfrentamento aos setores conservadores, o apoio à organização popular, e as reformas de base e populares parecem ser insumos necessários. Sem eles, a queda parece ser inevitável.

Edição: Lucas Botelho