Paraná

SERVIÇOS EM RISCO

Artigo | Contra a Reforma Administrativa, pela manutenção da qualidade dos serviços públicos

Trata-se da completa desfiguração do seu conteúdo social ao propor a eliminação da estabilidade, dos cargos e carreiras

Presidente Prudente (SP) |
Bolsonaro, desde que assumiu a presidência do Brasil vem tentando implementar uma agenda de desmonte do serviço público com sucateamento e privatizações. - Foto: Camila Garcia

Não se trata de novidade observar que o conteúdo neoliberal da PEC 32/2020 (Reforma Administrativa) é mais uma das pautas que coesiona o bolsonarismo e a base da direita tradicional.

Este programa, retomado com ortodoxia após o golpe do impeachment de 2016, inclui todas as contrarreformas que atacam os direitos das classes trabalhadoras (trabalhista, previdenciária etc.), as privatizações (Eletrobras e Correios) e restrições orçamentárias para o financiamento dos serviços públicos.

As frações burguesas que se dividem em torno da política sanitária levada à cabo pelo governo Bolsonaro unificam-se na pauta das reformas neoliberais e das privatizações. Almejam a diminuição do Estado no que se refere a assegurar direitos e nas políticas de conteúdo social, abrindo margem ao aumento da exploração do trabalho por meio da redução de custo de reprodução da força de trabalho.

Tal situação demonstra, por um lado, que a polarização da direita tradicional com o neofascismo possui claros limites e, por outro, indica que a entrada em cena das classes trabalhadoras continua sendo central para alteração da correlação de forças.

Identificar essa situação conjuntural é fundamental para compreender as dificuldades da luta contra a PEC 32, quando restritas as estruturas do Estado, sobretudo no Congresso Nacional.

Há muitos limites no terreno institucional para as forças populares, o que se combina com as dificuldades de mobilização do movimento sindical, que se encontra num período de defensiva mais ampla. Desde 2016, além de diminuírem em número de mobilizações[1], as greves nos setores público e privado têm assumido o conteúdo de resistência pela manutenção de direitos, cenário que se confirma no primeiro semestre de 2021, pois 91,8% das greves registradas foram de caráter defensivo [2].

Tais dados demonstram que a coesão das frações burguesas na pauta econômica continua impondo uma situação difícil para o movimento sindical e popular. Entretanto, mesmo neste cenário foram importantes as jornadas de lutas em Brasília contra a Reforma Administrativa das últimas semanas. Essas ações, que congregaram inúmeras entidades sindicais do serviço público no Brasil conseguiram, no primeiro momento, impedir a votação do texto da PEC 32/2020 na Comissão Especial da Câmara Federal.

Contudo, a PEC 32/2020 foi aprovada no dia 23 de setembro, na comissão especial com placar de 28 x 18. Tal fato demonstra que ainda há coesão entre setores da direita tradicional com o neofascismo na pauta econômica, já que partidos como PSL, PL, PP, PSD, MDB, DEM, PSC, PTB, Pros, Cidadania, Novo e Republicanos orientaram seus deputados a chancelarem a PEC.

O que é?

A Reforma Administrativa é um duro ataque ao serviço público no Brasil. Trata-se da completa desfiguração do seu conteúdo social ao propor a eliminação da estabilidade, dos cargos e carreiras além de abrir espaço para ocupação política de cargos nos serviços públicos. Essas medidas, longe de representarem avanço na qualidade do serviço público, representam profundo retrocesso já que, por exemplo, a garantia da estabilidade permite que servidores e servidoras possam cumprir suas tarefas sem perseguição. E isso é especialmente importante, pois as denúncias de corrupção, desvios e improbidades são favorecidas com essa garantia. Sua retirada implica em facilitar os casos de condutas irregulares, pois as margens para as denúncias diminuem e a possibilidade de perseguição política aumenta.

Além disso, o argumento de que a máquina pública no Brasil é inchada e cara não se sustenta na realidade. Por exemplo, entre os 32 países que compõem a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a média de força de trabalho no setor público é de 21%, realidade distinta da brasileira, que tem cerca de 12% [3]. Já os altos salários não são a média do conjunto do serviço público no país e, curiosamente, a Reforma Administrativa deixa de fora justamente as ocupações em que estes se encontram, ou seja, altos cargos do judiciário [4].

Portanto, é preciso desmistificar os argumentos do governo Bolsonaro e da direita tradicional de que a Reforma Administrativa trará recuperação do equilíbrio fiscal e capacidade de investimento para reformular um Estado supostamente inchado e caro. Na realidade, esta proposta tem outro objetivo, que é reduzir o conteúdo das políticas sociais do Estado, sem tocar naquilo que seria essencial para se falar em equilíbrio fiscal: juros e amortizações da dívida pública do Estado brasileiro e sua constante rolagem. O compromisso com o capital financeiro especulativo, que acumula anualmente a maior parcela do orçamento público do Brasil através dos juros e amortizações da dívida pública, continua mantido em detrimento do conteúdo social dos serviços públicos.

Soma-se a isso o Teto de Gastos aprovado no governo Temer em que os investimentos reais para a saúde e educação foram congelados por vinte anos. São estas as medidas neoliberais que deveriam ser combatidas quando se quer falar em melhoria dos serviços públicos no Brasil. Contudo, em meio a pandemia da Covid-19 são as servidoras e servidores públicos do SUS que estão garantindo a vacinação da população brasileira. Em conjunto com a rede de atendimento em saúde, as universidades públicas, institutos federais e as fundações de pesquisa (com destaque para o Instituto Butantã e a Fiocruz) continuam imprescindíveis para o enfrentamento da pandemia em todas as suas dimensões. Mesmo assim, é preciso lembrar que essas instituições públicas foram alvos de cortes orçamentários e ataques ideológicos, orientados pela lógica neoliberal e neofacista de entender a ciência, educação e o serviço público como inimigos.

Na educação, direito humano fundamental, o investimento público deveria ser prioridade, porém é constantemente diminuído por gestões municipais, estaduais e federais o que implica diretamente nos seus critérios de qualidade. A ausência de concursos públicos, há anos em quase todos os estados brasileiros, tem demonstrado que isso leva à precarização dos contratos de trabalho, inclusive com manobras jurídicas irregulares. Tal fragilização inclui a diminuição dos contratos de trabalho estáveis e com direitos, para formatos temporários e extremamente precarizados o que, além de piorar as condições do trabalho docente, pode implicar em maiores dificuldades de mobilização sindical da categoria, ampliação dos casos de assédio, frequente acúmulo de funções que não fazem parte da carreira (intensificação do trabalho) e até mesmo na criação de animosidades entre "concursados" e "contratados".

Ora, professores sem direito a carreira, estabilidade, com baixos salários e carga horária intensa não podem ser culpados pela piora na qualidade do ensino. São as medidas neoliberais de redução do conteúdo social do Estado e dos direitos das classes trabalhadoras, as principais responsáveis por essa situação. Porém, há experiências exitosas como a da rede federal de educação profissional, científica e tecnológica em que os Institutos Federais figuram nas melhores posições, inclusive à frente de escolas particulares, em sistemas de avaliação como o PISA (ainda que estes exames tenham profundos limites e não captem todos os ângulos do fenômeno educacional).

Portanto, serviços públicos de qualidade não serão alcançados com a Reforma Administrativa. Seu conteúdo é de desestruturação do papel social do Estado e, se aprovada, representará profunda piora na qualidade dos serviços públicos. Por isso, é fundamental que a próxima Jornada de Lutas em Brasília, entre os dias 28 e 30 de setembro, seja amplamente apoiada pelas forças populares, progressistas e toda a sociedade brasileira. A pressão no Congresso Nacional contra a PEC 32/2020 é central, mesmo com todas as dificuldades impostas pela conjuntura de coesão do neofascismo e da direita tradicional no que se refere à política econômica.

Se formos vitoriosos na derrota da Reforma Administrativa, abrem-se novas margens para a luta contra o neofascismo e sua política neoliberal. As forças sindicais e populares, mesmo na situação de defensiva imposta, não podem ficar de fora dessa luta.

Fora Bolsonaro!

Abaixo à Reforma Administrativa!

 

[1] https://www.brasildefatopr.com.br/2021/09/14/numero-de-greves-colabora-para-analise-de-periodo-defensivo-da-classe-trabalhadora

[2] https://www.dieese.org.br/balancodasgreves/2021/estPesq100greves1sem21.html

[3]https://esquerdaonline.com.br/2020/09/29/20-perguntas-e-respostas-sobre-a-reforma-administrativa/

[4] Sobre o assunto ver o estudo do IPEA: https://www.ipea.gov.br/atlasestado/indicadores

*Este artigo de opinião é de responsabilidade do/a autor/a, e não reflete necessariamente a linha editorial do veículo.

 

Edição: Pedro Carrano