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Artigo | Crise energética para quem?

Preço abusivo da conta de energia elétrica contrasta com os superlucros das distribuidoras de energia e seus acionistas

Curitiba (PR) |
Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) aprovou reajuste de 52%. - Yash Patel/ Unsplash

A conta por más gestões ou por gestões más no Brasil sempre foi paga pelo povo, aquele capado e recapado, sangrado e ressangrado mencionado pelo grande historiador cearense Capistrano de Abreu.

O preço abusivo da conta de energia elétrica que a grande maioria da população brasileira está pagando contrasta com os superlucros das distribuidoras de energia e seus acionistas.

A título de exemplo, em pleno auge do impacto da pandemia de Covid-19, em setembro de 2020, a maioria das distribuidoras de energia elétrica no Brasil lucraram cifras milionárias e bilionárias. Foi o caso da Neoenergia (R$ 423 milhões), da Equatorial (R$ 405,7 milhões), da Cemig (R$ 1,043 bilhão) e da paranaense Copel, que obteve um lucro líquido de R$ 1,5 bilhão somente no segundo trimestre de 2020.

Em 2021, no mesmo período, a Cemig contabilizou R$ 1,94 bilhão e a Copel ficou com R$ 1 bilhão. No primeiro trimestre desse mesmo ano, o lucro líquido da Energisa foi de R$ 873,3 milhões e da CPFFL Energia R$ 961 milhões. A primeira obteve ganhos de 50% a mais relativo ao ano de 2020, é o que destaca Henrique Hein no canal Solar.

Em 2020, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) também autorizou as concessionárias de transmissão de energia a aumentarem as suas tarifas retroativamente aos anos de 2018, 2019 e 2020, o que acarretou um aumento de 3,92% para os consumidores a partir de 1 julho do mesmo ano, informou o CanalEnergia. Adicionalmente, no dia 13 de julho de 2021, o presidente Jair Bolsonaro sancionou a MP 1031, aprovada na Câmara e no Senado Federal, que privatiza a estatal Eletrobrás. Segundo o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), poderá provocar nos próximos anos um aumento ainda maior nas tarifas de energia.

Ora, como se pode notar a tão propalada crise energética parece prejudicar apenas o trabalhador assalariado, os microempresários, os subempregados e os desempregados desse país, que já têm amargado seus bolsos com os preços do gás, dos alimentos e dos combustíveis.

Segundo a grande mídia, o governo e a própria agência reguladora, a Aneel, os preços elevados da eletricidade se devem a uma outra crise, a hídrica. Ou seja, a culpa dos preços exorbitantes na conta de eletricidade que estamos pagando é de responsabilidade de São Pedro ou da falta de chuva dos últimos meses.

Para o ex-presidente da Agência Nacional das Águas (ANA) afirmar que esta é a pior seca do país em 91 anos é uma falsificação estatística. Diante disso é preciso alertar as pessoas como de fato funcionam as hidrelétricas.

Primeiro, as usinas hidrelétricas, assim como as empresas de transmissão e distribuição de energia, são verdadeiras minas de ouro, que uma vez construídas com empréstimos a perder de vista por um banco público, passam a produzir eletricidade pelo fluxo de água armazenados em seus reservatórios a um custo baixíssimo.

Segundo dados da própria Aneel, no Brasil, 67% da energia gerada no país em 2021 e 62,48% da potência instalada vêm de usinas hidrelétricas. Há em operação no país 739 centrais geradoras hidrelétricas, 425 pequenas centrais hidrelétricas e 219 usinas hidrelétricas, que são responsáveis por 109,3 gigawatts (GW) de capacidade instalada em operação. Três das usinas no país estão entre as dez maiores do planeta – Itaipu Binacional (14.000 MW, divididos entre Brasil e Paraguai), Belo Monte (11.233 MW) e Tucuruí (8.370 MW).

Sabendo disso, pergunto: por que estamos pagando tanto pela conta de luz, se inclusive houve uma redução do consumo de eletricidade em 2020, de 1,5%, em razão dos impactos da pandemia? É o que apontou a câmara de comercialização de energia elétrica, a CCEE.

Voltando ao que eu dizia anteriormente, as usinas hidrelétricas brasileiras têm um enorme potencial de geração de energia elétrica, que não pode ser medido pelo nível dos rios ou ter como referência os regimes de chuva dos últimos meses, mas sim numa enorme reserva de água represada em suas barragens. Barragens ou reservatórios construídos para suportar longos períodos de estiagem e que, por isso, podem continuar a produzir energia por até cinco anos sem interrupção, mesmo em casos extremos.

Nesse sentido mesmo que seja verdadeiro o que diz o ministro de Minas e Energia, que hoje estejamos vivendo uma das maiores crises hídricas da história, isso não afetaria a produção de energia elétrica no Brasil, em razão de suas reservas. Portanto, não seria necessário criar tarifas adicionais para população a cada semana.

Por outro lado, se a hipótese mencionada acima não se confirmar, podemos dizer que o que está acontecendo no Brasil é uma grande encenação ou farsa para penalizar ainda mais o trabalhador brasileiro e ao mesmo tempo beneficiaras concessionárias e seus acionistas.

Além disso, a exposição de margens de rios praticamente vazios feito pela mídia televisiva para construir consenso, terminologia de Noam Chomsky, oculta reservatórios lotados de água represada e que vão se transformar em energia elétrica, até porque ninguém quer um apagão. O MAB também denuncia que, para dar o tom de escassez, alguns reservatórios foram propositalmente esvaziados para gerar demanda de outras fontes energéticas, como as usinas termoelétricas cujo custo de produção é muito mais elevado.

Segundo o diretor geral da Aneel, André Pepitone, para evitar uma crise energética foram acionadas todas as usinas termoelétricas gerando um custo adicional de 13 bilhões de reais a nós, contribuintes (como se isso fosse natural), traduzidas em bandeiras tarifárias que se elevam a cada semana, assim como o valor do gás de cozinha e dos combustíveis.

Nessa toada, na última terça-feira fomos presenteados com mais uma modalidade de bandeira tarifária que ganhou até um nome aterrorizante, a bandeira escassez hídrica, que corresponde a um aumento de 49,2% para nós pagarmos na conta de eletricidade, que de fato é de dar medo. O presidente da Aneel, ao anunciar esse novo absurdo, falou que é preciso economizar no banho. Digo a ele que a única forma de economizarmos é a Aneel cumprir o seu papel de reguladora e não ser a benfazeja dos empresários da energia.

Por fim, ficam as perguntas ao senhor Ministro de Minas e Energia, o almirante Bento Albuquerque: o que ele tem feito para evitar a crise humanitária criada pelo aumento sucessivo de tudo que é vinculado às minas e energias no Brasil? Como é possível uma agenda política de catástrofe energética para a grande maioria da população, enquanto as distribuidoras e seus acionistas obtêm lucros exorbitantes a cada trimestre? Como a grande maioria da população brasileira vai pagar a conta de luz, do gás e ainda comer nesse período de bolsos vazios e pandemia? 

*Roberto G. Barbosa é professor de Física e pesquisador da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Lia Bianchini