Paraná

ENTREVISTA EXCLUSIVA

Sargento Amauri Soares: PMs só entram em golpe com comando único e autorização do Exército

Se operada, essa tentativa no Brasil teria vida ainda mais curta do que na Bolívia, afirma segundo sargento de SC

Curitiba (PR) |
"Bolsonaro ampliou seu apoio entre os policiais porque ele atende parte de um imaginário de policial herói contra todas as incompreensões da sociedade" - Alesc

Uma das principais lideranças da Associação de Praças do Estado de Santa Catarina (Aprasc), na época quando a entidade e as esposas dos PMs mobilizaram fortes protestos, entre 2008 e 2009, deputado estadual eleito à época como representante da categoria, o hoje segundo Sargento da reserva da Polícia Militar de Santa Catarina, Amauri Soares reflete sobre o papel das polícias militares e sua relação de um apoio crescente ao governo Bolsonaro.

Às vésperas de muita especulação sobre o desdobramento da convocatória de Bolsonaro para os atos do dia 7 de setembro, e da participação das PMs nos estados, Soares descarta a capacidade de Bolsonaro levar um golpe a cabo, porém ressalta que a corporação certamente aumenta o apoio ao governo e responde positivamente a qualquer sinalização golpista. “Não tenhamos dúvida de que a maioria dos policiais militares, de todos os estados da federação, gostaria muito de ser convocada pelo presidente da República, pelos comandantes do Exército, pelos comandantes de cada PM para fechar todos os outros poderes e dar plenos poderes a Bolsonaro”, afirma.

Os dados comprovam o aumento do apoio por parte do segmento, em momento no qual o governo se desgasta com a maioria da sociedade. O aumento do apoio, de acordo com o site Fórum, concentra-se sobretudo nos praças (agentes de baixa patente, incluindo soldados, cabos, sargentos e subtenentes) da Polícia Militar. A pesquisa aponta que 51% são bolsonaristas, o que representa crescimento de dez pontos percentuais em relação aos 41% em 2020, afirma o texto. “Bolsonaro ampliou seu apoio entre os policiais porque ele atende parte de um imaginário de policial herói contra todas as incompreensões da sociedade”, explica Soares.

Brasil de Fato Paraná – A mobilização dos praças e das companheiras dos PMs de Santa Catarina sinalizou, a exemplo do Sergipe, um movimento progressista dos policiais nesses estados. Como está hoje o quadro? A grande adesão se dá ao bolsonarismo?

Amauri Soares. Nosso movimento de paralisação no final de 2008, assim como diversas outras manifestações que fizemos, era um movimento reivindicatório. Ao longo das últimas três décadas houve esse tipo de movimento na maioria dos estados, sempre tendo como motivo aglutinador as questões corporativas, especialmente a busca por melhores salário. Na minoria destes casos os dirigentes do movimento eram de esquerda. A maioria das próprias direções não tinham ideologia e formação de esquerda. Hoje, maioria das próprias direções estão com o bolsonarismo também, infelizmente. O caráter progressista deste movimento em alguns estados estava mais no posicionamento de esquerda de parte dos dirigentes locais. Em Santa Catarina foi isso: maioria dos dirigentes da Aprasc daquela época somos de esquerda.

Quais as raízes do conservadorismo das PMs, uma vez que são trabalhadores também precarizados?

As polícias militares são instituições criadas na primeira metade do século 19, portanto ainda em plena expansão do trabalho escravo no Brasil. Passaram por algumas pequenas mudanças de tonalidade em diferentes conjunturas, mas nunca deixaram de ter como objetivo principal a preservação do status quo, seja em 1835, em 1975 ou em 2021. Os processos de formação, mesmo que invocando o compromisso com a lei, trata sempre de uma legalidade priorizando os interesses dos donos do poder econômico, e a preservação do Estado autocrático. A classe economicamente dominante e a autocracia do Estado são os verdadeiros “comandantes” das instituições em geral, e das PMs também. Evidente que ao longo da história tivemos vários policiais militares do lado certo, em muitos momentos. Hoje, também temos diversos policiais militares que entendem a necessidade de um projeto popular para o Brasil, e por isso são estigmatizados dentro das instituições, por somos minoria. Em raras conjunturas as posições dos policiais de esquerda são aceitas pela maioria. E são aceitas na medida em que estes conseguem se mostrar como mais efetivos na luta pelas reivindicações corporativas. Por ter emprego estável, por ter um salário maior que a média da população (e de suas famílias, quase sempre), os policiais não se sentem parte da classe trabalhadora. Se sentem parte do Estado na maior parte do tempo. Bolsonaro e os seus dizem exatamente o que a maioria dos policiais gosta de ouvir. Também por isso essa adesão imensa dos policiais ao Bolsonarismo. Mesmo sendo bobagem, mesmo sendo ilegal, mesmo sendo a aposta na barbárie, maioria acha melhor seguir o que fala Bolsonaro do que seguir o que aprendeu nos bancos da escola.

Na América Latina, golpes como o executado na Bolívia, em 2019, contaram com participação das polícias locais para efetivá-lo e garantir sua violência e dureza. Temos o mesmo risco no Brasil?

Não tenhamos dúvida de que a maioria dos policiais militares, de todos os estados da federação, gostaria muito de ser convocada pelo presidente da República, pelos comandantes do Exército, pelos comandantes de cada PM para fechar todos os outros poderes e dar plenos poderes a Bolsonaro. Na cabeça da maioria, esta ordem seria a ordem mais importante de suas vidas. Mas essa ordem não virá, felizmente! E não virá porque, para além do presidente da República, que neste momento é um celerado, as instituições do Estado brasileiro têm patrões aos quais devem seguir. A classe economicamente dominante está dividida, e justo os setores mais dinâmicos (modernos, e não necessariamente melhores filosoficamente), está percebendo que Bolsonaro e o bolsonarismo pode representar um péssimo negócio. Negócio no sentido exato do termo. Alguns setores já estão tendo prejuízos com a instabilidade criada por Bolsonaro e por seus seguidores. Isso implica uma divisão também nos poderes políticos. Se é verdade que Bolsonaro aluga o centrão para não ter impeachment, é também verdade que ele não teria maioria para concordar com o fechamento do Congresso e a mutilação do Supremo. Essa tentativa no Brasil poderia ter uma vida ainda mais curta do que teve na Bolívia, se fosse operada. Aliás, necessário dizer que se as PMs fossem usadas para um golpe, inteiras ou partes delas, isso só seria possível com um comando nacional único e mediante autorização do Exército. Não tem isso de Exército lavar as mãos. Representaria o fim da necessidade do Exército se ele fingisse não ver, e o poder de tutela que hoje está com o Exército, passaria para outras mãos, as que comandariam o golpe. Ou seja, o Exército se tornaria desnecessário. E óbvio que parte dos generais sabem disso. Então nós continuamos não acreditando no golpe de Bolsonaro contra os outros poderes, porque os setores dominantes na sociedade brasileira, se forem dar um golpe, não será com alguém tão instável como Bolsonaro na cabeça. Bolsonaro é incapaz até de dirigir a construção de um partido, mesmo quando tinha apoio apaixonado de mais de 30% da população. Para fazer o partido, Bolsonaro, os filhos e os seguidores mais próximos, teriam que fazer mediações, acordos, ouvir mais do que falar, ter coerência mesmo que dentro de uma lógica fascista, cumprir compromissos firmados, obedecer a legislação sobre o assunto. E eles são incapazes para isso. A classe dominante brasileira, mesmo mesquinha e violenta, não teria nada a ganhar com plenos poderes a Bolsonaro. Teria muito a perder.

Com maior facilidade ao acesso de armas, discurso conservador do presidente, que parece dar um sinal verde para essas expressões conservadoras, há como barrar o aumento do apoio entre os praças a Bolsonaro? Quais medidas deveriam ser tomadas?

O que Bolsonaro tem feito é dar poder aos setores mais reacionários e atrasados da sociedade. O empoderamento dos ressentidos, como se tem falado. Setores da pequena burguesia e da classe média, acossados economicamente pelo capital monopolista, pagando juros sem fim para os bancos, em lugar de perceber seu real inimigo, jogam sua frustração e raiva contra os direitos dos pobres e contra os próprios pobres. Em lugar de defender a estatização dos bancos e a socialização dos grandes meios de produção, a pequena burguesia e a classe média coloca a culpa no seu empregado que ganha um salário mínimo e tem direito de férias. O problema agora é que Bolsonaro está dando o direito de ter armas para estes setores. Porque na prática são os pequenos burgueses e a classe média que poderão comprar armas modernas, mesmo que se endividando ainda mais. Eles e os policiais ou trabalhadores da segurança em geral, que já têm armas, próprias e ou das instituições ou empresas onde trabalham. Bolsonaro ampliou seu apoio entre os policiais porque ele atende parte de um imaginário de policial herói contra todas as incompreensões da sociedade, do ministério público, do judiciário. A ideia de que "a polícia prende e o judiciário solta" é muito forte, assim como a ideia de que o "cidadão de bem" deve ter armas para defender sua família e sua propriedade. Além disso, Bolsonaro vive fomentando a ideologia da violência, defendendo as operações policiais mais desastradas ou criminosas. Então ele ganha apoio da maioria dos policiais e também de parte da sociedade que comunga das mesmas ideias. Essa corrida de parte da sociedade às armas eleva muito os riscos de violência na sociedade, inclusive de violência política contra opositores. Se isso não é suficiente para um golpe de Estado, por certo é mais que suficiente provocar muita violência, inclusive com atentados políticos contra opositores e suas organizações de classe. Olhando pelo ângulo da lei vigente no Brasil, também neste aspecto Bolsonaro comete crime: o crime de destruir o estatuto de que só ao Estado é dado o monopólio da força. Bolsonaro está privatizando o monopólio da força, assim como privatizou o 7 de setembro. Ele está estragando o Estado que a burguesia construiu há mais de dois séculos. Óbvio que a burguesia que pensa não deve estar confortável com isso, porque se o Estado dela não tem mais o monopólio da força, o poder dela pode ser ameaçado a qualquer momento. E é também por isso que Bolsonaro terá vida curta na política. Ele e seus herdeiros vão ficar apenas como uma página vergonhosa na história do Brasil.

 

Edição: Frédi Vasconcelos