Paraná

Coluna

Contra o golpismo, não se posterga o enfrentamento

Imagem de perfil do Colunistaesd
O aprendizado para a experiência brasileira é que, mesmo que Bolsonaro de fato não tenha maioria na sociedade brasileira, apresenta um núcleo dinâmico - Giorgia Prates
Uma das lições no Brasil e na América Latina é de que golpes não se combatem após sua consolidação

Trata-se de um grave equívoco considerar que as batalhas decisivas da política brasileira se darão apenas nas eleições de 2022, como se fosse possível congelar a luta de classes atual e os avanços que o governo Bolsonaro têm dado na direção de um golpe.

A maioria dos analistas aponta que o 7 de setembro não se trata do “Dia D”, mas possivelmente de uma radicalização, no discurso e na prática, de Bolsonaro e sua base neofascista. Porém, os combates e a resistência devem se dar neste dia e ter sequência ao longo de 2021.

É correta, neste sentido, a manutenção de atos e do Grito dos Excluídos, atividade que tem capacidade de congregar os setores das comunidades de base progressistas da igreja, levantando as principais demandas e pautas populares.

Uma das principais lições da esquerda no Brasil e na América Latina é de que golpes não se combatem somente após a sua consolidação.

Aliás, essa consolidação limita sensivelmente a capacidade de resistência.

O livro “Combate nas Trevas”, do historiador marxista Jacob Gorender, em que pese ter avaliações exageradas sobre dirigentes do PCB, tanto sobre a figura de Luís Carlos Prestes, como de Carlos Marighella, apesar disso contém um apontamento essencial: o principal quadrante de resistência contra o golpe empresarial e militar de 1964 deveria ter sido organizado antes do golpe.

Em que pese o respeito às organizações político-militares, da qual Gorender participou, como dirigente do PCBR, uma dissidência do PCB, o historiador considera que o resultado da resistência armada após 1968 foi um ato de heroísmo. Isso porque o fechamento do regime já dificultava as condições da resistência e distanciava ainda mais a vanguarda do nível de disposição das massas para a luta. O apontamento, então, é de que a esquerda deveria ter apostado em um paciente trabalho de massas.

Pensando um pouco na atualidade de nossa América Latina, o exemplo recente do golpe na Bolívia contém duas lições essenciais para refletirmos sobre o posicionamento diante das ameaças de Bolsonaro no Brasil:

1. O golpe contra o governo de Evo Morales/Garcia Linera foi capitaneado pelo governo dos EUA, pelos setores religiosos reacionários, pelas polícias locais, por governos neoliberais como o de Macri na Argentina, por mercenários transferidos da tentativa de desestabilização anterior na Venezuela, o que levou Jeanine Añez ao governo, em novembro de 2019. Esta ação, em curto prazo, enfrentou uma pronta resistência massiva do movimento popular boliviano (que apresenta componentes particulares em comparação com o movimento popular noutros países), o que permitiu o rápido desgaste do governo golpista.

 

2. Os golpistas não continham maioria na sociedade, tanto que Evo Morales seria o vencedor das eleições. No entanto, possuíam um núcleo capaz de executar o golpe, reprimindo setores populares, garantindo momentaneamente o governo de transição golpista.

O aprendizado para a experiência brasileira é que, mesmo que Bolsonaro de fato não tenha maioria na sociedade brasileira, apresenta um núcleo dinâmico, um patamar de apoio que se manteve desde 2020 até agora, com cerca de 25 por cento, e envolve justamente setores evangélicos, policiais militares, além de frações criminosas capazes de garantir o terror de um golpe. Bolsonaro está desgastado, mas segue perigoso.

A sequência de ações da campanha Fora Bolsonaro deve ser mantida, em que pese os atos terem alcançado um limite no que se refere à convocatória dos trabalhadores, que estão em período de defensiva, emparedados pelo desemprego, precarização e corrosão da massa salarial.

Desde 2020, com o início da pandemia, é fato que a esquerda brasileira não tem aproveitado pautas concretas surgidas na luta dos trabalhadores para ampliar influência e pautar o Fora Bolsonaro. O pouco apoio a servidores públicos em greve, trabalhadores dos Correios, contra as demissões na indústria, é sintomático disso.

A perspectiva de uma greve geral não está colocada a curto prazo, mas a sua ausência de construção também torna tudo mais difícil.

A política de solidariedade, por outro lado, deve ser ampliada e pensada a partir da criação de cooperativas de trabalho, o que reforça a confiança entre a vanguarda, trabalhadores e moradores de áreas de ocupação. E permite ampliar a compreensão da pauta Fora Bolsonaro e a participação das comunidades periféricas nos atos.

Bolsonaro conseguiu atravessar 2020 mantendo-se numa posição de combate às instituições, muitas das quais desgastadas aos olhos da população – caso do Judiciário, do Congresso, de alguns governadores da chamada direita tradicional. O governo manteve patamar de 30% de apoio, chegando a 40% em agosto, devido ao auxílio emergencial. É fato que, em 2021, desgastou-se e perdeu base de apoio com a corrupção, o número de mortes pela negligência com a pandemia e com a piora das condições de vida.

Porém, seu método de manutenção no poder até 2022 será esse, avançando e recuando. O essencial é a esquerda de maneira nenhuma cair no encanto de sereia sobre a “estabilidade das instituições”, neste contexto brasileiro e mundial.

A organização popular e a resistência devem ser a regra para manutenção da democracia e dos direitos sociais. O essencial neste momento é a denúncia do golpe e o apelo à organização popular deve ser um mantra permanente, sobretudo nos principais canais e entre as principais lideranças da esquerda. Relativizar esse momento histórico é muito perigoso.

Edição: Lucas Botelho