Paraná

Coluna

A nostalgia da branquitude

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"Não é de hoje que a dissimulação da branquitude dificulta (e muito) o avanço do país nas políticas sociais e de amparo", foto - Giorgia Prates
"Atualmente, no lugar do chicote, o instrumento é a mordaça"

No trágico tempo da escravização, a violência física era uma das principais formas de negar a apagar os direitos das pessoas negras. Apesar da abolição, o que notamos ainda nos dias atuais é que o método apenas mudou. Atualmente, no lugar do chicote, o instrumento é a mordaça.

No romance Memórias Póstumas de Brás Cubas, Machado de Assis exemplifica esse pacto da supremacia branca. Brás Cuba narra: “Prudêncio, um moleque de casa, era o meu cavalo de todos os dias; punha as mãos no chão, recebia um cordel nos queixos, à guisa de freio, eu trepava-lhe ao dorso, com uma varinha na mão, fustigava-o, dava mil voltas a um e outro lado, e ele obedecia, — algumas vezes gemendo, — mas obedecia sem dizer palavra, ou, quando muito, um — “ai, nhonhô!” — ao que eu retorquia: — “Cala a boca, besta!”

Essa citação pode chocar de início, ao ver o relato de Brás Cubas, uma criança de seis anos já tão sabida das estruturas que sustentam seu lugar de superioridade, que permitem que ele faça o que bem entende com quem está abaixo. Mas, para além dos domínios ficcionais, não é tão diferente como a branquitude nacional se comporta: cínica, alheia ao sofrimento que lhe cerca, e certa de que os que gritam pela superação da desigualdade devem ser calados a todo custo.

Não é de hoje que a dissimulação da branquitude dificulta (e muito) o avanço do país nas políticas sociais e de amparo aos que, por mais de três séculos, contribuíram com a vida pública sem receber um centavo, mas que foram vampirizados de toda a sua dignidade e direitos básicos de vida.

As expressões físicas e materiais do racismo não são mais graves que a tentativa de jogar panos quentes em suas manifestações ou apagar a histórica opressão que assola o povo negro e direcionar para problemas manipulados. A supremacia branca brasileira ainda tem, e muito, de Brás Cubas.

 

 

 

Edição: Pedro Carrano