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CRÔNICA. A morte de Olga, a vida de Olga

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E hoje recebo a notícia de que Olga se foi. E logo vemos que Olga não se foi. É nome de uma cozinha comunitária que acabou de ser instalada na ocupação de nome Vila União - Pedro Carrano
Havíamos chegado até aqui, chorei compulsivamente, porque também na realidade não chegamos até aqui

Até ontem ela estava perto. Ontem já não estava mais. Mas ela não é de lonjuras e sim de presença.

Há uma década eu a conhecia. Ela fazia da vida uma luta permanente, e o que agora fica de permanência é a própria vida de luta. Mulher negra, bebeu nas fontes de água calma que jorravam da ocupação Nova Esperança, no Sabará. Anos 80, a família ligada às raízes da terra, da qual nunca se desprendeu e nem a terra desprendeu seus torrões de húmus dela.

Ainda ontem era possível encontrar Olga atravessando regiões, do Tatuquara a Campo Magro, passando pelo Campo Comprido, somando-se às legiões que agora buscam um pedaço de chão, nas terras em que o chão pertence ao abandono e às cercas, e as pessoas ficam abandonadas à falta de terras.

Olga entendia e explicava tudo isso com a facilidade das aves, em comunhão em céus turbulentos, na turbulência de voos que ainda são promessas não cumpridas. Olga da associação de moradores, agora não mais, devido à morte política, a morte da indiferença, a morte de doença que podia ter sido evitada.

Eu mesmo cheguei a comemorar, uma semana antes, a própria salvação na data da vacina, agradeci às servidoras da unidade de Saúde Aurora, nome de poema de um amigo que se havia ido, levei meu cartaz pedindo a cabeça do mito e gritando “Povo no Poder”, troquei as fotos com a vizinha que também estava na fila, tudo muito rápido, manhã de sol de sabor inacreditável, havíamos chegado até aqui, chorei compulsivamente, porque também na realidade não chegamos até aqui, faltando vários componentes de nossos barcos, trilhas e companheiros. Sorri. Chorei. Acreditei. Desacreditei.

Agora também falta Olga e outras tantas, não precisava ser assim, não precisa ser assim, repetimos para nós mesmos e odiamos com toda a sinceridade a besta que ocupou a cadeira principal do Palácio, vacinei e meu grito, já nas ruas, foi de dor, foi de alívio, foi de solidão, foi de sentir parte de um coletivo que busca a vida, foi das milhares de mortes que estão agora dentro de nós, foi de sobrevivência, foi de resiliência, mas foi também o mero acaso criado pela soberba do poder.

Saí correndo à rua como o jovem que houvesse acabado de prestar a última prova no colégio, mas olhei para o lado e me vi cheio de gente e me vi também sozinho, rodeado de fantasmas.

E hoje recebo a notícia de que Olga se foi. E logo vemos que Olga não se foi. É nome de uma cozinha comunitária que acabou de ser instalada na ocupação de nome Vila União, graças aos movimentos populares e graças à grande angular e ao coração grande de Olga. E união é tudo o que nos sobra e tudo o que precisamos neste momento.

Edição: Frédi Vasconcelos