“Não tem que dar prioridade para presos não, tem que dar prioridade para a sociedade.” A frase foi dita pelo senador Marcos do Val (Podemos), na quinta (8), em sessão da CPI da Pandemia. No dia, a ex-coordenadora do Programa Nacional de Imunização (PNI), Franciele Fantinato, revelou que o ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde, o coronel Elcio Franco, dera ordem de retirar a população carcerária do grupo prioritário sem aval da equipe técnica. O senador Randolfe Rodrigues (Rede), rebateu do Val: “condenar pessoas à morte é o que estou ouvindo aqui, eu acho um absurdo.”
Condenar pessoas à morte e ao contágio pela Covid-19. Os dados mostram que essa é a realidade da população carcerária durante a pandemia. Boletim do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), do dia 30 de junho, mostra que o Brasil tem 87.420 casos confirmados de Covid-19 e 514 óbitos no sistema prisional. Desse total, 63.332 casos e 242 óbitos são de pessoas presas, e 24.088 casos e 272 óbitos são de servidores do sistema. O Paraná ocupa a 3ª posição do ranking de maior número de detentos infectados, com 4.916 casos. Em óbitos de detentos, o Paraná é o 4º, com 18 casos confirmados e divulgados. O monitoramento é quinzenal e esses são os dados mais recentes publicados.
Por outro lado, em termos de vacinação, 23.257 pessoas privadas de liberdade no Paraná receberam a 1ª dose e apenas 198 receberam também a 2ª dose e estão completamente imunizadas. O estado tem total de 32.379 detentos. Os dados foram informados pela Secretaria de Estado da Saúde (Sesa).
“Houve um descaso em relação ao sistema prisional”, afirma o deputado estadual Tadeu Veneri (PT), presidente da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Paraná (Alep). Ele explica que, apesar de terem sido proibidas visitas e restringidas entregas de familiares, agentes penitenciários e demais trabalhadores do sistema continuaram circulando e expondo os detentos e a si mesmos ao vírus. Demora na vacinação e condições inadequadas de tratamento aos infectados também contribuíram para que o Paraná ocupasse as primeiras posições no ranking.
“A Covid ‘passou ao largo’ desse processo todo: o tratamento, a notificação, a comunicação às famílias. [...] A pessoa privada de liberdade também tem direitos. E os direitos delas estão expressos para serem cumpridos”, diz Veneri.
Sistema cruel
Desde o início da pandemia, familiares de detentos têm se mobilizado para exigir o cumprimento desses direitos. Há mais de um ano, as visitas presenciais estão suspensas e foram substituídas por visitas virtuais. A entrega de encomendas, que antes podia ser feita pessoalmente, agora só é permitida via Correios.
Ambas as medidas esbarram em problemas para os familiares, relata Josynha, articuladora da Frente Estadual pelo Desencarceramento no Paraná, Defensora Popular dos Direitos Humanos e uma das administradoras do Grupo Recomeço. Ela diz que muitos familiares não têm dinheiro para enviar encomendas por Sedex e há denúncias de pacotes que foram enviados e não chegaram ao destino. Nas visitas virtuais, problemas de conexão acontecem e erros internos das penitenciárias dificultam a visita.
Josynha conta que está há três meses sem ver seu familiar. Na última visita, a chamada estava sem vídeo. É comum também que sejam apresentados à visita detentos errados ou que a chamada comece antes mesmo de o detento estar na sala. As visitas têm tempo máximo de 15 minutos. Ela relata ainda que há desrespeito às condições sanitárias adequadas à prevenção da Covid-19.
“Se estivesse tudo ok, nós não teríamos tantos presos contaminados. Eles simplesmente tiram toda e qualquer responsabilidade do Estado. O sistema é cruel, infelizmente essa é a realidade”, diz Josynha.
O que diz o Estado
O Departamento Penitenciário do Paraná informou que "adotou diversas medidas de prevenção e controle da doença [...] buscando reduzir o número de pessoas trabalhando, sem afetar a segurança. Houve também adoção de um protocolo padrão de atendimento na entrada de novos presos."
Para a Sesa, o boletim do CNJ apresenta “dados em números absolutos, ou seja, um número que não considera a população envolvida, que no caso é a população total carcerária. [...] Além disso, outros aspectos estão envolvidos, como a testagem em massa e a notificação oportuna dos casos. [...] No Boletim da Sesa do dia 12/07/21 estão identificados 2.717 casos confirmados de Covid-19 em pessoas privadas de liberdade, sendo 16 óbitos.”
Sobre vacinação, a Sesa informou que a vacina distribuída às penitenciárias é a Astrazeneca, "a qual tem um intervalo recomendado de 90 dias entre a D1 e a D2" e que "considerando o intervalo [...] a imunização do maior contingente de pessoas privadas de liberdade ocorrerá em meados do mês de setembro/2021." A pasta pontuou ainda que "ocorre periodicamente o ingresso de novas pessoas no sistema prisional, e muitas vezes estas ainda não iniciaram o esquema vacinal, o que acarreta em reorganização de fluxos para a vacinação."
Edição: Frédi Vasconcelos