TRANSFEMINICÍDIO

Para comunidade trans, o caso Roberta não é isolado e reflete negação de direitos

Apesar de trágico, o que aconteceu com a travesti está longe de ser um caso isolado

Brasil de Fato | Recife (PE) |

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Toda a comunidade LGBT se mobilizou para cobrar segurança e cidadania plena - Isa Gabriela/ Levante Popular da Juventude

Depois da tentativa de transfeminicídio sofrida pela travesti Roberta Nascimento da Silva, 32 anos, que estava em situação de rua na cidade do Recife e teve seu corpo incendiado por um adolescente na semana passada, a população foi às ruas. Apesar de trágico, o que aconteceu com Roberta está longe de ser um caso isolado. 

Roberta teve 40% do corpo queimado e os dois braços amputados devido às complicações das queimaduras de 3º grau, segundo informações da equipe médica do Hospital da Restauração. Mas foi a pressão popular de toda a comunidade LGBT que levou o Governo de Pernambuco a criar o Comitê de Prevenção e Enfrentamento às Violências LGBTfóbicas. 

“A situação de Roberta é uma situação no meio de muitas outras, que inclusive há muitos casos que nem o de Roberta que não são notificados e nem chegam a virar um caso público. Inclusive, o caso de Roberta, corria um risco muito grande de mais uma vez passar batido, né? Se a gente não colocasse essas denúncias nas redes sociais, muito provavelmente o caso de Roberta ia ser mais um dos casos de violência transfóbica que ia passar batido, sabe?”, comentou a advogada e deputada estadual em Pernambuco, pelo mandato coletivo Juntas, Robeyoncé Lima

Roberta vivia nas imediações do terminal rodoviário do Cais de Santa Rita, no centro da capital pernambucana, justamente no local onde foi agredida. Janaína Falcão, integrante da Articulação e Movimento para Travestis e Transsexuais de Pernabuco (Amontrans)  analisa a insegurança no local.

“A própria Roberta dormia naquele espaço por ser um espaço claro, por ser um espaço movimentado, que circulavam pessoas, e ela - para não ser atacada, para não ser violada embaixo de um viaduto, em uma rua escura, em um lugar mais tranquilo ou dentro de um galpão- para não ser violentada, para não ser agredida, para não sofre violência, Roberta vinha com frequência dormindo ali nesse espaço, e não foi o que aconteceu. Foi violentada, foi agredida, foi queimada”, afirma.

Segundo o Observatório de Assassinatos Trans, o Brasil é considerado o país mais violento do mundo para pessoas transexuais nos últimos 12 anos, consecutivamente. E é o que faz Robeyoncé analisar este caso como um exemplo de tantos outros que acontecem diariamente não só em Recife, mas em todo o País.

“A gente está falando de Roberta, mas está falando de outras pessoas além de Roberta também, sabe? Porque no contexto desse país que é líder no assassinato de pessoas trans, a gente está falando nas vulnerabilidades de outras Robertas, muitas outras Robertas”, reflete a advogada,

“Veja, mulheres que como Roberta são trans, negras e moradoras de rua que sofrem a violência do classismo, do sexismo, como também do racismo. Então, assim, como é que a gente dá uma atenção especial a essas pessoas e como a gente cobra das autoridades do governo uma atenção especial a esta situação, principalmente em um contexto de pandemia, em que a vulnerabilidade das pessoas se agrava”, completa.

A violência sofrida por Roberta aconteceu nos últimos dias do Mês do Orgulho LGBT, que este ano reuniu diversos movimentos em frente ao Palácio do Campo das Princesas, sede do Governo de Pernambuco, pedindo que o governo garanta direitos  para a comunidade LGBT. E foi esta manifestação que cobrou a criação do Comitê de Prevenção e Enfrentamento às Violências LGBTfóbicas. “Eu acho que esse caso Roberta só veio afirmar mais uma vez o quanto os nossos corpos trans são invisibilizados, não tem importância nenhuma, nem para o governo, nem para a sociedade, porque se fosse uma menina cis, o caso teria uma outra proporção”, reflete a integrante da Amotrans.

Apesar de alguns direitos conquistados, travestis e transexuais continuam cobrando todos os dias o que lhes é de direito, o mínimo que todo cidadão deve ter, segundo a Constituição Federal de 1988. “A gente não vai se contentar somente com o nome social, a gente não vai se contentar somente com hormônio. A gente quer a cidadania plena, a gente quer o direito de viver, a gente quer o direito à educação, a gente quer o direito à saúde, o direito à moradia, direito à renda, direito à empregabilidade, direito à poder andar de mãos dadas no meio da rua sem ter uma lâmpada jogada na cabeça ou sem ter o corpo queimado”, afirma Robeyoncé.

O suspeito de ter incendiado Roberta tentou fugir, mas foi apreendido e encaminhado à Gerência de Polícia da Criança e do Adolescente e o caso está sendo investigado. Já a Prefeitura do Recife, está realizando o acompanhamento da vítima através da Secretaria de Desenvolvimento Social e do Centro LGBT do munícipio, os quais localizaram e entraram em contato com a família de Roberta.

Fonte: BdF Pernambuco

Edição: Monyse Ravena e Isa Chedid