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Coluna

Retomada de aulas presenciais: hipocrisia, negacionismo e necropolítica

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Governo do Paraná volta atrás e tenta forçar volta a aulas presenciais - APP_divulgação
Estudo mostra que retomada de aulas presencias só será segura com 70% da população imunizada.

O estado do Paraná atravessa o pior período da pandemia do coronavírus. Tal piora se dá em dois níveis, ambos igualmente trágicos. O primeiro deles trata-se da ação do vírus. O segundo é a negação da gravidade do quadro por parte de lideranças públicas, autoridades de estado, celebridades e expressiva massa do povo em geral. No primeiro nível, nota técnica encomendada pela APP-Sindicato, aponta a necessidade da aplicação de “lockdown” de 21 dias para nosso estado. Nesta semana, a triste marca de mais de 25 mil vidas paranaenses levadas pelo vírus foi superada. Os índices de contaminação comunitária, a ausência de recursos hospitalares adequados e a baixa redução da mobilidade social apontam a continuidade das contaminações e do número de óbitos. Outra preocupação central é a capacidade de transmutação do vírus. As novas cepas em circulação no estado e a possibilidade de surgimento de uma cepa paranaense diante do quadro grave merece atenção. Como temos acompanhado, essas novas variações são mais letais e atingem cada vez mais as faixas etárias mais jovens. Muito grave o cenário do presente e do futuro, tanto para o Paraná como para o Brasil.

Esse quadro se agrava ainda mais pela forma negacionista, negligente e frouxa das autoridades governamentais. No plano federal é reconhecido mundialmente o comportamento criminoso do presidente Bolsonaro (sem partido). O mandatário da nação, além de negar a pandemia, desfazer do isolamento social e do sofrimento causado pelas mortes, dá péssimo exemplo ao desdenhar do uso de máscaras e dos cuidados básicos como evitar aglomerações.

No Paraná, o governador Ratinho Jr. (PSD) aprofunda o negacionismo presente desde o início da pandemia. Nas últimas semanas, após afirmar publicamente que as aulas presenciais só voltariam com os profissionais da educação imunizados, voltou atrás. Através do igualmente negacionista secretário da educação, Renato Feder, vem pressionando a retomada de aulas presenciais no pior cenário conforme descrito acima. Não bastasse a forma extremamente desgastante da oferta da educação neste período, a categoria vem convivendo com a ameaça de superexposição ao vírus por conta dessa pressão. O governo do Paraná ainda reproduz um viés da covardia. Ao jogar a responsabilidade direta para mães, pais ou responsáveis e também aos prefeitos/as, o governo estadual lava as mãos das vidas que inevitavelmente serão perdidas, além das milhares que já poderiam ter sido poupadas caso tivéssemos planejamento e combate adequados aos efeitos da pandemia.

Outra vertente grave dentro desse aspecto da retomada de aulas é o apelo à saúde mental e bem-estar das crianças. Passamos a ver um enorme número de lideranças médicas, juízes/as, procuradores/as, profissionais da saúde mental e políticos narrando que as crianças estão adoecendo pela ausência do convívio escolar. Noutra ponta a percepção do quanto as crianças e adolescentes estão expostos à violência, inclusive sexual, dentro das casas. Para nós que lidamos com a educação, esse cenário é a ferida exposta do modelo falido da atual sociedade. Desde sempre a escola foi o principal porto seguro para as mazelas sociais, nutricionais e afetivas de expressivo número de nossas crianças e jovens. Por isso mesmo sempre defendemos as políticas públicas integradas permanentemente para a superação de todas essas misérias. São as chamadas redes de proteção pensadas em inúmeras conferências públicas de saúde, educação, assistência social, segurança.

Ocorre que essas redes têm sido desmontadas desde o golpe de estado de 2016. Desmonte ocorrido tanto do ponto de vista orçamentário, com o corte de verbas, mas também da negação ideológica da importância dos serviços e servidores/as públicos. É muita hipocrisia desses “defensores/as” das crianças e adolescentes tensionar a retomada das aulas expondo a vida de professoras/es, funcionários/as e dos estudantes e seus familiares para que a escola possa evitar as violências domésticas. Temos indagado onde estão essas lideranças nas festas de Natal, Ano Novo, nas férias escolares de dezembro a fevereiro? Ou a violência doméstica não ocorre nesses períodos? E nos finais de semana, feriados prolongados, recessos, onde as escolas estão fechadas, quem cuida dessas mazelas? Ou seja, é o ideológico negacionista aliado à hipocrisia reinante em nossos tempos o que faz com que governantes incapazes de liderar se submetam a expor a vida das pessoas por tais argumentos.

Lógico que será muito mais fácil lidar com as carências educacionais e psicológicas das crianças e jovens do que o luto provocado pela retomada insensata. E o combate à violência doméstica deve ser decisão coletiva e permanente como política de estado. Não podemos suportar que a escola, tão precarizada, seja o lócus de cura dessas doenças sociais. A escola precisa estar inserida no contexto amplo, e não ser a única tábua de salvação no mar turbulento em que se encontra o país. Temos insistido que é preciso um balanço completo do que está ocorrendo na sociedade no período pandêmico. Nas redes de ensino é preciso corrigir os rumos educacionais e preservar vidas. Para tanto é necessário manter as escolas públicas e privadas bem como as universidades fechadas.

O mesmo estudo citado aponta que o setor educacional, pelo tempo de permanência nos locais e outros aspectos, tem sido o principal foco de contaminações. Estudos realizados em Portugal e Suíça ratificam a tese. A retomada das aulas presencias só será segura com ao menos 70% da população imunizada. Planejar o presente, poupar vidas e organizar os tremendos desafios do pós-pandemia é fundamental. Considerando a estupidez, a negação da ciência e da verdade, o apego ao dinheiro e a governança farta para os mais ricos no nosso Brasil e no Paraná, esse é um nó difícil, mas não impossível de desatar. É preciso, antes de tudo, superar a apatia e a naturalização das mortes. Essa é uma tarefa que cabe a todos e todas, é uma escolha coletiva.

A Nota Técnica que embasa os estudos epidemiológicos é assinada por pesquisadores das seguintes instituições: Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); Universidade Federal do Amazonas (Ufam); Universidade Federal de São João del-Fei (UFSJ) e uma pesquisadora aposentada do Instituto Butantan. A íntegra da nota pode ser encontrada nas redes sociais da APP-Sindicato.

Edição: Frédi Vasconcelos