A ação Marmitas da Terra é uma experiência desenvolvida pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra do Paraná (MST-PR) que traz para a cozinha da cidade o debate sobre a reforma agrária popular, além de alimentar com comida sem veneno a população em situação de rua de Curitiba, famílias e trabalhadores de bairros periféricos e da região metropolitana.
A ação começou no início da pandemia, no dia 2 de maio, e completou um ano nesta semana. No início com uma equipe pequena, quase toda composta por integrantes do MST, produziam 300 marmitas. Com algumas semanas de cozinha funcionando, a ação ganhou voluntários e aumentou a produção. “Em cada entrega era evidente a necessidade de aumentar a produção de refeições e em 2020 fechamos o ano produzindo entre 700 e mil marmitas todas as quartas-feiras”, diz Adriana Oliveira, integrante do MST e coordenadora do Marmitas da Terra.
Aos poucos, mais mãos se somaram, voluntários, outras instituições, organizações, sindicatos e trabalhadores, preocupados com o cenário da pandemia e a ausência do poder público federal em conter o avanço da pobreza, desemprego e do vírus. Karoline Oliveira, voluntária do Marmitas da Terra, conta que veio através de um chamado pelas redes sociais de outro projeto.
"Num primeiro momento eu não sabia que a cozinha era do MST, eu conhecia o movimento, mas não tinha a dimensão do trabalho deles. Enquanto íamos descascando as mandiocas, batata doce, preparando os alimentos e montando as marmitas íamos também aprendendo mais sobre a importância daqueles alimentos na cultura camponesa e de onde eles vinham”, afirma.
Neste um ano de ação, já são 150 voluntários e mais de 55 mil marmitas produzidas principalmente com alimentos da reforma agrária e da agricultura familiar, contando com doação feita nesta quarta-feira (5). A produção semanal passou a ser de 1.100 marmitas.
Ao todo, as famílias do MST no Paraná já doaram cerca de 600 toneladas de alimentos em todo o estado. Adriana explica que o projeto vem para matar a fome que está gritando na barriga da população, mas também para consolidar a participação da periferia de Curitiba na luta pelo seu direito à boa alimentação. “A ação não se centraliza somente em levar marmitas para essas famílias e sim em incentivar a criação de hortas, cozinhas e padarias coletivas nos bairros”, explica.
Por isso, a participação da associação de moradores, voluntários, das famílias do MST e dos sindicatos tem feito a diferença para viabilizar essa rede de solidariedade que vai além do assistencialismo e da pandemia. “A distribuição de alimentos é somente a primeira parte deste processo”, ressalta. Adriana pontua, ainda, que o Marmitas da Terra foi uma oportunidade que abriu espaço de diálogo e aproximação entre o trabalhador do campo e da cidade. "Foi um processo que começou na cozinha e deu um passo levando esse voluntário-militante da cidade para os espaços do movimento, assentamentos e acampamentos, para conhecer as famílias e aprender a trabalhar na terra”, diz.
Plantar solidariedade para defender a vida
Desde setembro do ano passado, o coletivo decidiu fazer suas próprias hortas com legumes, grãos e hortaliças. “A ideia das hortas é produzir alimentos que sejam a base das marmitas que produzimos todas as quartas”, afirma Marco Antonio Pereira, integrante do MST e do Marmitas da Terra. “Com as hortas de ciclo curto e médio, o voluntário tem a chance de acompanhar todo o processo de mexer com a terra, plantar, colher e poder entregar esse alimento para quem precisa na marmita”, explica.
O coletivo dialogou com as famílias do MST do Assentamento Contestado, na Lapa, e com a Escola Latino Americana de Agroecologia para que ali fossem produzidas algumas hortas que seriam trabalhadas pelos voluntários da cozinha. A iniciativa deu certo, e até o momento já foram plantadas mais de 18 mil hortaliças, além de feijão, milho e arroz. Todos os sábados o mutirão sai da capital e vai para o assentamento aprender a plantar, cuidar da terra e colher.
Os resultados vieram rápido. Em janeiro deste ano, o coletivo fez sua primeira grande colheita. Foram cerca de quatro mil quilos de feijão orgânico. Bárbara Górski Esteche, advogada, integrante do Movimento de Assessoria Jurídica Universitária Popular (MAJUP), conta que nunca tinha colhido feijão antes e que mesmo assim conseguiu participar efetivamente do trabalho com as instruções que recebeu.
“Foi muito especial, principalmente pelo momento em que estamos vivendo de pandemia. Para o MAJUP também faz muito sentido porque desde o início participamos de ações junto ao MST”, acrescenta. O feijão colhido foi para três cozinhas comunitárias de Curitiba e também fez parte das doações de alimentos de fevereiro a famílias em situação de vulnerabilidade social em bairros periféricos da capital.
Neste 1º de maio, as comemorações do Dia Internacional dos Trabalhadores e das Trabalhadoras aconteceram em uma grande ação, batizada como “Plantar solidariedade para defender a vida”, em que o Marmitas da Terra participou junto a outras entidades, movimentos populares e sindicatos. Foram doadas 560 cestas de alimentos e 100 cargas de gás a famílias do bairro Sabará, região sul da capital. O trabalho do coletivo iniciou uma horta comunitária junto aos moradores e ao Centro de Assistência Social Divina Misericórdia (CASDM), espaço administrado pelo Centro de Integração Social Divina Misericórdia (CISDIMI), no bairro.
Por comida, vacina e Saúde
Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, são 14,200 milhões de trabalhadores e trabalhadoras desempregados e seis milhões de desalentados (que desistiram de procurar emprego) no Brasil.
Se a falta de trabalho cresce, a fome também é alarmante. Pelo menos 19 milhões de brasileiros passam fome e 116,8 milhões de pessoas, mais da metade dos domicílios no país, enfrentam algum grau de insegurança alimentar. A pesquisa é da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), divulgada no início de abril.
Além disso, os números de vítimas da pandemia também assustam. No Brasil, já são mais de 400 mil mortes por conta da Covid-19. Por isso, a ação do último sábado também cobrou o direito à vacinação para toda a população, a defesa do SUS e o auxílio emergencial de R$ 600 para cada trabalhador sem renda.
Edição: Lia Bianchini