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Necroespiritualidade

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“No Brasil, em nome da necropolítica, temos assistido aos horrores de uma liturgia da morte conduzida por personagens públicos, incluindo políticos e religiosos, em nome do ‘salvamento’ da economia" - Mauro Pimentel/ AFP
Jesus dá testemunho prático de que viver a plenitude espiritual dispensa nossa presença nas igrejas

“Mulher, crê-me, a hora vem, em que, nem neste monte, nem em Jerusalém, adorareis o Pai. Vós adorais o que não conheceis; nós adoramos o que conhecemos; Mas a hora vem, e agora é, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade”.

O diálogo de Jesus com a mulher samaritana é um ensinamento precioso que precisamos recuperar nesses dias em que o colapso da saúde pública no Brasil não foi suficiente para barrar a pressão de falsos pastores, políticos, empresários corrompidos pelo negacionismo da gravidade da pandemia.

Tal negação cumpre o papel de pressionar o governo genocida de Jair Bolsonaro – aliás um autêntico falso profeta, deixou-se batizar em 2016 nas águas do Rio Jordão pelo igualmente falso pastor Everaldo que foi preso por corrupção em 2021 -,  a manter igrejas e templos abertos como serviço essencial para a sociedade brasileira, além, da abertura descuidada do comércio, escolas particulares e setores que poderiam permanecer fechados preservando vidas neste período trágico da pandemia no Brasil.

Indagado pela personagem do poço que lhe oferece um copo d’água, de que se a adoração a Deus deveria ser feita no monte ou no templo, Jesus orienta que o principal território de adoração é no terreno oculto. A lição é preciosa mas não foi apreendida pelo povo que continua se deixando manipular desde aqueles tempos recuados até os nossos dias.

Então, ao vermos nesta semana o tema de templos abertos ser pauta do STF em nosso país, nos damos conta da manipulação da fé que chega ao nível descrito como Necroespiritualidade. A Folha de São Paulo, do domingo, 4 de abril 2021  publicou o artigo “Os horrores da necroespiritualidade”, de Adilson de Souza Filho, doutor em ciências da religião e professor da Faculdade de Teologia de São Paulo.

No texto o autor afirma: “A necroespiritualidade é um tipo de louvor à morte, como se ela fosse promoção para uma vida superior, celestial. A palavra ‘necro’ vem do grego (‘nekros’), que significa cadáver. Já ‘espiritualidade’, também do grego (‘pneuma’), significa espírito, sopro divino que gera e mantém a vida com a qual nos relacionamos com Deus. Assim, necroespiritualidade dá o sentido de espiritualidade que tem como finalidade a própria morte”.

O autor denuncia de forma veemente que falsos pastores dos nossos dias tem incentivado fiéis ao descumprimento de protocolos sanitários de proteção contra os efeitos da pandemia “com a finalidade de auferirem apoio irrestrito aos adeptos da necropolítica que projetam a instalação do caos social para, posteriormente, agirem por meio de métodos fascistas e intervencionistas sobre a nação”.

Essa premissa da afirmação do texto pode ser vista no julgamento publico da liminar que concedia a abertura dos templos.

E conclui, que: “No Brasil, em nome da necropolítica, temos assistido aos horrores de uma liturgia da morte conduzida por personagens públicos, incluindo políticos e religiosos, em nome do ‘salvamento’ da economia. Como disse São Paulo sobre tais líderes: É preciso fazê-los calar porque andam pervertendo casas inteiras, ensinando o que não devem, por torpe ganância” (Tito 1.11).

Os ensinamentos evangélicos são preciosos no sentido de afirmar a vida em toda sua plenitude e a educação religiosa que dispensa a necessidade de ocupar um território geográfico, material, para exercer o louvor a Deus ou se alimentar da busca da energia necessária para suportamos as aflições que este mundo nos impõe.

Noutra passagem objetiva como foram as lições de Jesus, descrita no Evangelho de Mateus, encontramos: “Mas tu, quando orares, entra no teu aposento e, fechando a tua porta, ora a teu Pai, que vê o que está oculto; e teu Pai, que vê o que está oculto, te recompensará”.

Ou seja, o próprio Jesus cujos principais ensinamentos estão ligados a momentos de comunhão com a natureza, como o sermão da montanha, da pesca infrutífera ou momentos na casa de amigos, de pessoas de má fama como o cobrador de impostos ou na festa de casamento, dá testemunho prático de que viver a plenitude espiritual dispensa nossas presenças nas igrejas.

A pandemia tem promovido lições dolorosas de grande aprendizado para todos nós. Apreendê-las, aplicá-las e preparar um novo ciclo de resgate dos valores humanitários dos ensinamentos do cristianismo, das religiões de matriz africana, do budismo e demais correntes religiosas que tenham como fundamento a valorização da vida, do amor ao próximo e do progresso e promoção humana é tarefa coletiva de mulheres e homens que tem na busca da verdade a libertação de todos os grilhões que nos prendem ao atraso econômico, cultural e espiritual.

Esse ensinamento do cristianismo precisa preponderar sobre todos os campos onde hoje proliferam os falsos líderes deste período histórico tão desafiador.

Edição: Pedro Carrano