Rio Grande do Sul

Entrevista

“Lava Jato cometeu crime contra o povo do Rio Grande e do Brasil", afirma Lindemeyer

Uma das maiores evidências da destruição industrial provocada no país pela Lava Jato está no Rio Grande do Sul

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Após uma década de investimentos bilionários, o polo naval de Rio Grande foi abandonado - Foto: Guga Volks

Principal porto gaúcho e um dos mais importantes do Brasil, Rio Grande foi brutalmente impactado pela operação tocada pela “República de Curitiba”. Já no período Temer, a devastação começou com a paralisação do Polo Naval e a suspensão da produção de plataformas para exploração de petróleo.

Nos governos Lula e Dilma os investimentos públicos e privados na região foram de R$ 25 bilhões. Para o ex-prefeito Alexandre Lindemeyer (PT), que comandou a cidade durante oito anos e testemunhou o apogeu do Polo e sua derrocada, riograndinos, riograndenses e brasileiros foram vítimas de um crime.

Explica que a Lava Jato, hoje altamente questionada, ajudou a travar a conversão do país em potência industrial, fazendo-o recuar à condição de produtor de matérias-primas. Nesta conversa, Lindemeyer revela sua indignação e fala sobre as perdas de sua cidade que, antes da depredação, ostentava crescimento econômico de 10%, equivalente aos níveis da China. 


Alexandre Lindemeyer (PT) comandou a cidade durante oito anos e testemunhou o apogeu do Polo e sua derrocada / Divulgação Prefeitura de Rio Grande

Brasil de Fato RS - Qual o seu sentimento diante das revelações da Vaza Jato quanto à atuação da força-tarefa de Curitiba e acompanhando o julgamento do STF em relação à parcialidade do juiz Sérgio Moro?

Alexandre Lindemeyer - Um sentimento de indignação. Criou-se um mito perante a opinião pública, o qual agora se demonstra como protagonista do maior escândalo da história do Judiciário brasileiro, onde houve total parcialidade, com consequências políticas, sociais e econômicas, entre as quais o impedimento do presidente Lula de concorrer no pleito. Que se combata a corrupção, mas diferentemente do que se viu em outros casos similares no mundo, no Brasil os acordos de leniência firmados não preservaram as empresas. A mudança na indústria naval significou a exportação de empregos, impostos e tecnologias. Quem perdeu com isso foi a nossa cidade e todos os municípios da cadeia de produção. Quem perdeu foi o país.

O que a Lava Jato recuperou não 
paga uma só plataforma de petróleo 

BdFRS - O futuro de Rio Grande foi roubado pela Lava Jato?

Alexandre - Em 2011, participei de uma missão à Coréia do Sul. Nos foi dito em visita ao estaleiro Daewoo, um dos maiores do mundo, que a indústria naval tem que ser vista como política estratégica de Estado. Se não, não se viabiliza. Com a política de desenvolvimento nacional da primeira década deste século, o Brasil retomou a indústria naval como propulsora de geração de empregos, novas tecnologias, novas empresas, arrecadação de impostos. Mas aí veio a Lava Jato. Rio Grande é a quinta colocada no ranking do PIB gaúcho. Não fosse o desmantelamento, estaríamos ocupando a segunda colocação, atrás somente de Porto Alegre. Hoje, o que se vê é um estaleiro desativado e outro onde se desmancha, como sucata, o que seria a P-72. 

BdFRS - O procurador Deltan Dallagnol disse que a Lava Jato recuperou algo como R$ 5 bilhões para o país. Segundo o ex-presidente da Petrobrás, Sérgio Gabrielli, é um valor seis vezes inferior ao custo de uma só plataforma para extração de petróleo...

Alexandre - A cidade, antes de 2005, tinha lojas de R$ 1,99 na sua principal rua comercial. Com o Polo, o dinheiro em circulação, a construção civil, a hotelaria, os serviços tiveram crescimento exponencial. Se falarmos dos valores investidos na construção dos estaleiros em Rio Grande e São José do Norte e dos investimentos públicos e privados na região não se pode mencionar menos de R$ 25 bilhões. Foi um crime não só contra a população do Rio Grande, do Estado, mas de todo o Brasil.

O impacto foi incomensurável, muito acima dos R$ 5 bilhões mencionados pela Lava Jato. Além disso, do ponto de vista geopolítico, a operação Lava Jato não teve como foco identificar ilícitos praticados, mas reposicionar o Brasil na divisão internacional do trabalho e da produção de bens e serviços. Nesta visão, ao Brasil não está reservado o papel de potência industrial. Seu papel permitido é o de produtor de matérias-primas. O desmantelamento, sob o manto do combate à corrupção, não teve como escopo a defesa dos interesses nacionais. O alvo principal é a venda da Petrobrás. Assim como fizeram com a venda da BR-Distribuidora.

Uma plataforma envolve 300 mil itens,
uma oportunidade que a indústria perdeu 

BdFRS - Qual a queda que o município sofreu em termos de tributos? Quantos empregos foram perdidos?

Alexandre - Teríamos um orçamento próximo de R$ 1,2 bilhão anuais (acima dos R$ 800 milhões atuais). Se compararmos a arrecadação de ISS (serviços) em 2013, maior arrecadação, e 2019, a última com dados normais, temos uma queda em torno de 30%, em números atualizados. Se comparados com os valores de 2019, estima-se perdas em torno de 20% de ICMS, em valores atualizados.

Outro exemplo importante: em 2014, arrecadou-se 50% mais de ITBI em comparação a 2019, valores atualizados. Os três exemplos identificam os resultados econômicos da queda após a parada do Polo Naval. Somente entre 2016 e 2017, o município perdeu mais de R$ 100 milhões em arrecadação (valores atualizados). No Brasil, chegamos em 70 mil empregos diretos, sendo que na cadeia produtiva chegou-se a 450 mil empregos. Em Rio Grande, chegamos a construir simultaneamente três plataformas, gerando mais de 24 mil empregos diretos.

BdFRS - Fala-se muito nas perdas de Rio Grande, mas as perdas foram enormes também para outras cidades com suas indústrias fornecendo peças e equipamentos. Quantas cidades o Polo Naval ativou com as suas compras e o seu dinamismo?

Alexandre - Estima-se que 25% dos custos de uma plataforma ocorrem no estaleiro, sendo que os outros 75% são aplicados na contratação de bens e serviços advindos de diversas empresas do estado e de fora dele. A construção de uma plataforma envolve a composição de mais de 300 mil itens. Ou seja, uma oportunidade extraordinária de desenvolvimento para a indústria nacional.

“O Brasil pode ser mais do que 
um grande produtor primário”

BdFRS - O Polo, além da cidade-sede, foi o maior investimento na história do Estado visando a recuperação da chamada Metade Sul do RS. Por conta da disparidade econômica entre o Norte e o Sul gaúcho, surgiu em certa época até mesmo a ideia da criação do Estado de Piratini, partindo o Rio Grande do Sul ao meio. Como o Polo impactou a autoestima de Rio Grande e da Metade Sul?

Alexandre - A indústria naval deu origem aos maiores investimentos da história do Estado, com fortalecimento da autoestima. Hoje, mais de 60% do petróleo extraído do Pré-Sal têm a participação de plataformas construídas em Rio Grande. Na Metade Sul do RS, o que se viu foi exatamente o resultado dessa nova política. Com a construção do Pólo Naval, compreendidos aí os três estaleiros, dois em Rio Grande e um em São José do Norte, vimos um crescimento econômico na região, em índices que, na época, se igualavam aos padrões chineses ou mais de 10% ao ano. Os estaleiros possibilitaram a construção de módulos para serem integrados em navios adaptados para se constituírem em plataformas, bem como a produção de cascos de navios. Com os estaleiros vieram a duplicação da BR 392 entre Rio Grande e Pelotas, a duplicação da ponte do Guaíba, a duplicação da BR 116 (ambas em construção, com utilização parcial), a ampliação das redes de energia e das universidades e o surgimento de parques tecnológicos. 

BdFRS - Qual sua expectativa de que Rio Grande retorne aos dias do Polo Naval? O Brasil voltará a produzir suas plataformas de petróleo?

Alexandre - Hoje, toda a política de conteúdo nacional foi alterada de forma a incentivar a contratação de projetos fora do país. As plataformas contratadas pela Petrobrás estão sendo construídas fora do Brasil gerando empregos lá fora. Talvez um caso único entre as grandes nações do mundo que produzem petróleo. Rio Grande minimizou parte das perdas pelas suas caraterísticas de cidade portuária, universitária, logística, pesqueira etc. Contudo, o sentimento do povo é de uma grande perda. A esperança é de que haja uma retomada da política naval a partir de mudanças no cenário político nacional. Nosso país pode ser mais do que um grande produtor primário.

Edição: Katia Marko