Paraná

PROPOSTA IRREAL

Organizações reagem contra tentativa de Greca de limitar ações de solidariedade

"O projeto foi uma forma de coibir organizações que não estejam alinhadas com o Mesa Solidária", critica ativista

Curitiba (PR) |
Monteiro recorda que, hoje, em plena crise social e econômica, as ações do movimento, ao lado de várias entidades e sindicatos, atendem cerca de 1500 pessoas por semana - Pedro Carrano

“Greca quer cercear o direito de solidarizar com as pessoas que estão em estado de necessidade. Esse trabalho vem sendo desenvolvido por tantas entidades, porque ao invés de criticar não coloca a mão na massa e ajuda essas pessoas?”, protesta Marcos Rogério Inocêncio, o China, diretor jurídico do Sindicato dos Trabalhadores dos Correios (Sintcom-PR), sindicato que há um ano apoia a cozinha solidária voltada ao povo em situação de rua.

Esta é apenas uma entre as vozes críticas de organizações sociais e setores da igreja voltados ao atendimento à população de rua, preocupados com a sinalização do prefeito Rafael Greca que dificulta os trabalhos de doação de alimentos a pessoas em situação de rua.

Greca enviou, no dia 31 de março, à Câmara Municipal, projeto de lei que prevê autorização da prefeitura para a realização de ações solidárias. Além disso, segundo o PL, a Secretaria Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional organizaria as datas, locais e horários de atendimento pelo autorizado. Em caso de descumprimento das exigências da prefeitura, o projeto prevê, entre as punições, multa em valores entre R$ 150 e R$ 550.

Depois de forte pressão das entidades sociais e dos vereadores da oposição, além das redes sociais, foi retirado de pauta o requerimento, assinado por 13 vereadores ligados ao prefeito, que pedia urgência para o projeto. Agora, o PL deve ter o tramite normal dentro das comissões. Hoje, dia 5 de abril, requerimento do jornalista Marcio Barros (PSC) foi aprovado solicitando audiência pública sobre o tema. Barros, no entanto, está entre os vereadores que assinaram o pedido de urgência anterior.

Sinal de alerta

Assim o sinal de alerta foi dado. Para quem conhece Greca e ainda se recorda da fala que, em 2016, causou grande indignação, quando o então candidato a prefeito falou sem meias palavras em horror ao “cheiro de pobre”. Ainda assim, a atual medida assusta e indigna.Informações de um contato da reportagem no interior da prefeitura de Curitiba aponta uma indisposição do prefeito com as iniciativas sociais que se desdobraram a partir de março de 2020, com o impacto da pandemia no Brasil.

Crítica

Entre as organizações e movimentos populares que atuam ao lado da população em situação de rua, a revolta é geral. “Ele quer levar para a frente isso, o Greca é orgulhoso, e sempre a política dele é baseada nesse nojo do pessoal de rua, com a proposta de criminalizar e multar”, afirma Leonildo Monteiro, coordenador nacional do Movimento Nacional da População em Situação de Rua (MNPR) e InRua.

Monteiro recorda que, hoje, em plena crise social e econômica, as ações do movimento, ao lado de várias entidades e sindicatos, atendem cerca de 1500 pessoas por semana, 250 pessoas a 300 diariamente, de segunda a sexta, afirma. O InRua afirma ainda que essa demanda não será suprida caso as doações fiquem centralizadas no projeto “Mesa Solidária”, da gestão municipal, tornando exclusividade da prefeitura as iniciativas e organização de ações solidárias voltadas à população de rua.

Os movimentos populares, por sua vez, argumentam que o projeto terá limites de alcance geográfico e de pessoas.

“Há algum tempo, desde 2020, já há uma certa pressão por parte do governo municipal e do poder executivo, de fazer com que toda e qualquer pessoa esteja alinhada ao processo do Mesa Solidária, projeto do governo municipal, em que as organizações e associações cozinham e organizam as alimentações e o Mesa Solidária leva para o espaço deles. O projeto foi uma forma de coibir organizações que não estejam cadastradas e alinhadas com o Mesa Solidária”, afirma Tomás Melo, integrante do InRua.

Carta das entidades que fazem trabalho com a população carente, em situação de rua, desempregados e trabalhadores informais afirmam que, desde março de 2020, Greca não cumpre as demandas e o programa que melhoraria a situação desta população.

“As demandas eram simples e diretas: abertura dos restaurantes populares para oferta de alimentação gratuita para a população em situação de rua, abertura dos banheiros públicos existentes na cidade, oferta de água potável em pontos estratégicos, oferta de serviços que possibilitassem o cadastramento de pessoas em situação de rua ao auxílio emergencial, manutenção dos serviços destinados ao segmento, ampliação de vagas para possibilitar a condição de resguardo e quarentena do máximo de pessoas possíveis”, afirma o conteúdo do texto.

Setores da igreja católica responsáveis por esse trabalho de atendimento à população precarizada e sem condições também se manifestaram, caso da Pastoral do Povo da Rua da Arquidiocese de Curitiba:

“Pastoral do Povo da Rua manifesta repudio ao conteúdo da proposição e recomenda que tal proposição seja discutida pelo Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional (COMSEA), com ampla participação de todas as organizações e pessoas que atuam com o povo em situação de rua na cidade de Curitiba

Na produção das cozinhas comunitárias, que hoje acontecem em bairros como Boqueirão, Novo Mundo e centro da cidade, fica a expectativa e a sensação incômoda de que os projetos já não dão conta da grande demanda e dificuldade da população. Que dirá se a prefeitura jogar contra.

Edição: Lia Bianchini