Paraná

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Como em outros marços da história, é tempo de "Esperançar"

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Junto das sucessivas ocupações que aconteceram nos anos seguintes, vimos prosperar o desenvolvimento - Jaine de Amorin
Nos somamos à Jornada Nacional de Lutas das Mulheres Sem Terra, como tantas Roselis e Marielles

Em meio ao caos sanitário, político e econômico que temos vivido, na tentativa de não naturalizar a barbárie, com o cuidado de não entregar e se entregar. 

Nesses primeiros dias de março, em que o Brasil bate dia após dia recordes de mortos pela COVID-19, e se aproxima de 300 mil mortos pelo vírus, mas essa infelizmente não é a única pandemia que temos vivido.

Já são milhões de pessoas sem trabalho, sem renda, sem teto, sem comida e infelizmente, cada vez mais muitos sem esperança.

Me vem à memória um outro março. Há 16 anos, também nos primeiros dias do mês, a busca por uma vida melhor começou a transformar o pequeno município de Centenário do Sul, norte do Paraná. Centenas de famílias ocupam a Fazenda Quem Sabe, palco das lutas pela terra desde os anos 1950. Era a chegada de uma nobre companheira, a Esperança, da família do "Esperançar" de Paulo Freire, que faz movimentar outras tantas páginas da nossa história.

Era a chegada do MST à região, continuando as décadas de lutas pela terra e contra o monocultivo da cana na região. Voltamos a respirar o sonho da luta e do direito do acesso à terra, e junto das sucessivas ocupações que aconteceram nos anos seguintes, vimos prosperar o desenvolvimento econômico, social e cultural.

Porém, não somente o enfrentamento ao latifúndio e à cana é suficiente para construir um mundo novo, ingenuidade nossa seria pensar isso… assim, vivemos o progresso com eleições de gestores públicos sensíveis e comprometidos às causas do povo centenariense. Tecemos redes que nos possibilitaram ver, com setores populares, do comércio, da igreja, da agricultura e da indústria o embrião de dias de fartura e paz, tal qual como outrora nossos antepassados sonharam.

Agora, vivemos também os retrocessos dessa crise ingrata e dirigida aos pobres. Nos depósitos, as churrasqueiras foram dando lugar aos fogões de lenha pré-moldados; nos mercados, carrinhos cada vez mais vazios levam para as casas o alimento das famílias.

E nas ruas, ah, ruas de festas, de desfiles e encontros, agora estão tomadas pelo vazio do medo, pelas filas da necessidade e, com tristeza, por algo que pensei que nunca veria aqui, mulheres e jovens pedindo esmola.

Sim, amigos, o ano é 2021. Estamos no Brasil, terra que tanto nos orgulha pela exuberância e fartura. Um povo que encanta o mundo com sua beleza e alegria. Mas estamos aqui, enterrando milhares de histórias, de sonhos, apáticos, atados, sem voz.

Como um primeiro impulso, eu (e muitas), gostaria de correr para casa, abraçar meus filhos, seguir a vida com meu companheiro, produzindo comida e acreditando que tudo vai ficar bem.

Mas, no impulso seguinte, (que se chama consciência), me lembro que março também traz em suas águas, mulheres, guerreiras, que afirmaram que não naufragariam, ao contrário, que seríamos um mar, um mar de bandeiras, de chitas coloridas e lábios empoderados, força e "Esperançar" para o povo brasileiro.

Assim, nesta segunda-feira de sol no norte do Paraná, nos somamos à Jornada Nacional de Lutas das Mulheres Sem Terra, pois como a tantas Roselis, Marias, Marielles, Margaridas, Dorcelinas, não nos foi dado o direito de desistir. Por nós, pelos nossos, para nós, e para todos, seguimos, como "Mulheres em Luta, semeando resistência, contra a fome e as violências". 

Edição: Pedro Carrano