Rio Grande do Sul

Educação na pandemia

Incertezas e inseguranças pairam sobre a educação pública do RS

Por hora, única certeza é o ensino remoto, mas até isso pode durar pouco

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Educação pública no RS vive um clima de grandes incertezas, após o recomeço do ano letivo. Não há garantias para um retorno presencial seguro, enquanto persistem dificuldades no remoto - Reprodução

O reinício do ano letivo na rede pública de ensino do Rio Grande do Sul e da Capital se deu em meio à muitas incertezas e preocupações, por parte dos professores, direções, profissionais, pais, responsáveis e estudantes.

No atual momento, a única certeza é que não terão aulas presenciais, em todo o estado, enquanto perdurar a vigência da bandeira preta no distanciamento controlado. Isso porque existe, no momento, a determinação da Justiça gaúcha que suspende as aulas presenciais em todo o estado.

Porém, as certezas acabam aí. Sobre a possibilidade de um modelo híbrido de educação, que combine o ensino à distância com atividades presenciais nas escolas, persiste o temor de que trabalhadores da educação, estudantes e responsáveis tenham que se expor em atividades dentro das escolas. Além disso, na próxima segunda-feira (22), tudo pode mudar.

Perto do pior momento da pandemia, Leite e Melo queriam aulas presenciais

 

Em Porto Alegre, o prefeito Sebastião Melo (MDB) foi determinado em garantir as aulas presenciais na Capital. No dia 19 de fevereiro, o Executivo da Capital reafirmou que as aulas recomeçariam dali a três dias. Naquele momento, mais de 92% dos leitos de UTI estavam ocupados no RS e mais de mil pacientes estavam em tratamento intensivo devido à covid-19.

Três dias após o reinicio das aulas presenciais (25 de fevereiro), o Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa) conseguiu uma liminar na justiça que suspendeu as atividades nas escolas da Capital e garantiu a manutenção do modelo à distância. Mesmo com o modelo de ensino remoto, diversos profissionais precisaram seguir indo até as escolas, para atividades de apoio.

Como resultado, no dia 8 de março, o Simpa já registrava 18 instituições da Rede Municipal de Ensino em quarentena, por terem mais de um caso confirmado de contaminação pela covid-19. No dia 11 de março, três dias depois, já eram 26 escolas entrando em quarentena por casos confirmados.

O próprio governo Eduardo Leite (PSDB) tentou, na Justiça, restabelecer as aulas presenciais da educação infantil e primeiro e segundos anos do ensino fundamental no estado. O pedido foi feito ao Supremo Tribunal Federal (STF), através da Procuradoria-Geral do Estado (PGE-RS).

A questão da vacina, que poderia ser uma proteção eficiente para retomar as atividades presenciais, também avança devagar. O Centro dos Professores do Estado do RS (Cpers–Sindicato) lembra que tramita no legislativo estadual o projeto de lei que exige a vacinação para todos os professores do estado, antes do retorno das atividades presenciais. O Cpers também pediu, em audiência no legislativo, mais agilidade para a vacinação da categoria. Ambos os pedidos, até agora, não surtiram efeito.

Na noite de terça-feira (16), o governo do estado anunciou que retomará o modelo de cogestão do Distanciamento Controlado, a partir da próxima segunda-feira (22). Dessa forma, os municípios classificados como bandeira preta poderão adotar protocolos equivalentes aos da bandeira vermelha.

Portanto, persiste a dúvida: os municípios vão adotar os protocolos da bandeira vermelha, onde atividades presenciais são permitidas?

O que dizem as entidades dos trabalhadores em educação

 

Para os trabalhadores da educação pública do estado, o retorno das atividades presenciais só deve acontecer com a devida segurança, ou seja, com vacinação dos profissionais e condições estruturais nas escolas. Esta é a posição do Cpers, segundo a presidente do sindicato, a professora Helenir Aguiar Schürer.

“Por enquanto só estamos atendendo remotamente. Não teremos professores presentes nas escolas, há um temor muito grande de contaminações”, afirma a dirigente.

Apesar disso, a categoria tem a consciência de que passada a obrigatoriedade da bandeira preta o governo tentará o retorno. Para os professores, o ensino à distância representa muitas horas de trabalho extra, não remunerado.

Nas escolas municipais de Porto Alegre, existe uma grande dificuldade em relação às condições de ensino. Segundo Cindi Sandri, diretora de comunicação do Simpa, o sindicato vem desde o início da pandemia fazendo a denúncia de que os professores não têm condições de retomar com segurança as atividades presenciais nas escolas. Segundo ela, o fato de haverem 26 escolas já com casos confirmados de contaminação comprova isso, mesmo que as atividades presenciais nas escolas tenham durado apenas alguns dias.

Ela afirma ainda que reina uma ansiedade muito grande entre a comunidade escolar, devido ao fato de que o governo municipal não aponta nenhuma solução para auxiliar nas atividades à distância, como o fornecimento de internet e computadores. Ao mesmo tempo, força o retorno para atividades presenciais, sabendo que as escolas não podem oferecer segurança.

Dificuldade no remoto, e insegurança no presencial

 

O professor Roberto Soares dá aulas de português na rede pública estadual, em um colégio na cidade de Esteio. No município da Região Metropolitana, afirma Roberto, os professores voltaram a estar presencialmente nas escolas no dia 8 de março.

Ele conta que os professores receberam duas máscaras descartáveis e um shield face, e que realizaram testes de detecção do coronavírus dois dias após o retorno. Porém, até o início do decreto de bandeira preta e o afastamento das atividades presenciais, o resultado ainda não havia chegado.

“No momento, estamos apenas com aulas online. Apenas a equipe diretiva e funcionárias da limpeza estão trabalhando presencialmente na escola. Cada turma tem um período de cada matéria, por semana, além de atividades semanais”, relata o professor.

As tarefas semanais são enviadas aos alunos por grupos de WhatsApp, e os que não conseguem fazer virtualmente, buscam as tarefas na escola, em dias específicos. Os professores se revezam nessas tarefas.

Segundo o Roberto, já há um planejamento para a organização da escola, que será implementado quando as restrições da bandeira preta caírem. Nesse caso, cada turma será dividida em dois grupos, um que assistirá aulas online e outro que terá aulas presencialmente.

Ele lembra que, antes do início previsto para as aulas, em fevereiro, os pais e responsáveis assinaram um termo que autorizava ou não seu filho a participar de aulas presenciais, assumindo os riscos pertinentes a esta escolha.

O professor Roberto tem interagido com educandos através dos grupos das turmas no WhatsApp. Porém, no momento de maior interação com os estudantes, que é a hora da aula, está encontrando dificuldades.

“Cada educador regente faz contato direto com cada educando sob sua regência, manda recados, orienta, etc. Mas a principal interação ocorre pelas aulas online. O problema é que as aulas não têm tido grande adesão, especialmente no ensino médio. Seja por não terem acesso à internet, por desinteresse, os motivos são muitos”, relata.

Para exemplificar a situação, Roberto afirma que havia dado uma aula para todas as turmas de 7° ano juntas. Deveria haver mais de 50 educandos acompanhando, mas apenas 17 estavam presentes. Mesmo com as dificuldades, e com o trabalho extra, Roberto afirma que também não se sentiria seguro dentro de uma sala de aula.

“Mesmo que não seja bandeira preta, me sentiria inseguro indo à escola. Tanto realizando plantões quanto dando aulas presenciais”, diz Roberto.

No interior, dificuldades em outras frentes

 

Juline Fernandes é atualmente a diretora da Escola Técnica Estadual de Canguçu (ETEC). Segundo informa, as aulas retornaram no dia 8, de forma bastante conturbada, devido a dificuldades impostas pelo governo estadual, que não permitiu que os professores revezassem as férias. Dessa forma, retornaram aos trabalhos tendo menos de uma semana para fazer a matrícula e preparar as aulas de cerca de 400 estudantes.

Além desse início de ano “apagando incêndio”, como ela afirma, houve uma grande surpresa. Os professores da ETEC haviam sido informados que as aulas começariam todas no dia 15. Nessa primeira semana de trabalhos e planejamentos, os professores descobriram que teriam que receber presencialmente os estudantes do nível técnico, no dia 15, e que as aulas remotas começariam já no dia 8, o que gerou mais uma leva de preocupações e um começo de ano letivo atropelado.

Ela conta que os professores da escola aguardavam uma reunião de formação no dia 5 de março, que deveria ser realizada junto com a 5° Coordenadoria Regional de Educação. Esta reunião foi acontecer somente 10 dias depois. Afirma ainda que a peculiaridade da escola de possuir turmas de ensino técnico impõe alguns desafios adicionais, que precisam de mais planejamento para acontecer.

“Falta reforço nessas formações para o nível técnico. Nessa reunião que tivemos dia 16, tivemos orientações sobre o EJA, sobre o ensino médio e sobre o magistério. Mas falta sobre o ensino profissional [ensino técnico]”, afirma a professora.

Afirma também que, no momento, os professores e direção da escola não têm a expectativa de retomar o ensino híbrido, a menos que todos os professores sejam vacinados, o que não acreditam que vá acontecer rápido.

No caso do retorno às atividades presenciais se tornar uma imposição do governo, Juline acredita que haverá muitas dificuldades para executar esse retorno.

“Vamos ter que lidar com os professores que têm medo de retornar. Provavelmente o sindicato vai reivindicar greve, pois dá pra sentir que muitos professores sentem que irão botar suas vidas em risco. O problema não é que nós não queremos voltar. Na verdade, nós precisamos desse retorno, retomar as atividades. Mas se isso acontecer agora, iremos botar a saúde dos professores, estudantes e familiares em risco”, avalia.

A professora lembra que a cidade de Canguçu, na zona sul do estado, é um exemplo raro em toda a América Latina de cidade que tem a maior parte da população na zona rural. É uma extensa rede de pequenas propriedades rurais, as quais muitas dessas famílias têm como referência educacional a ETEC.

“Estamos tentando usar todas as ferramentas que temos, WhatsApp, Facebook. Em Canguçu temos muitas dificuldades com sinal de celular e internet. Mesmo com a internet patrocinada, muitas vezes eles não conseguem baixar as atividades”, conta Juline.

Ela revela ainda outra peculiaridade. No momento em que deu o depoimento, a escola estava no período em que se abrem inscrições para o alojamento. Devido à realidade de receber alunos da zona rural e de outras cidades, que muitas vezes não têm condições de arcar com o deslocamento, a escola dispõe de alojamentos e refeitórios para uma parcela de estudantes que ficam residentes na ETEC durante o ano letivo.

“Tínhamos o plano de receber esses alunos. Disponibilizamos os formulários online e avisamos os pais do calendário de inscrições. Com a bandeira preta, tivemos que prorrogar essas inscrições. Nós estamos ligando para os pais para avisar a situação e recolhendo os documentos, pois acreditamos que em algum momento teremos que recebê-los”, explica a diretora.

Para isso, algumas medidas estão sendo tomadas, como a redução da capacidade do alojamento e o planejamento de um calendário de revezamento entre eles. Porém, ela alerta, esse planejamento é feito sobre um grande grau de incerteza, pois não se sabe como será a evolução da pandemia nem ao certo quais serão as atitudes do governo. Afirma também que estão entrando em contato com as prefeituras da região, solicitando a inclusão dos estudantes da ETEC nos grupos prioritários de vacinação.

Ressalta também que o clima de incertezas é o que define o ânimo dos professores. No momento, relata, os professores estão seguros quanto ao não retorno das aulas presenciais, pois a 5° CRE não está pressionando pelo retorno presencial e vigora no município um decreto mais restritivo que o estadual.

Comunidade vive sob o mesmo clima

 

Daniela Tolfo é mãe de uma aluna do 7° ano do ensino fundamental, do Instituto Estadual de Educação Flores da Cunha (IE), em Porto Alegre. Desde o ano passado, sua filha está acompanhando as aulas de casa.

Ela afirma que o ensino remoto de 2020 foi cercado de grandes expectativas. Relata que não tem problemas para acessar a internet e computador, e que sua filha pôde acompanhar todas as atividades.

Acredita que tenha faltado uma organização como um todo. Na sua avaliação, os professores cumpriram as aulas de acordo com os materiais, estrutura e conhecimento que tinham disponíveis para adaptar o conteúdo às aulas online.

“Claro que ninguém estava preparado para uma pandemia, mas as escolas ainda não tinham muito o hábito de utilizar as redes sociais nas suas aulas. Até mesmo a questão do celular era uma coisa ainda não muito utilizada, que passou a ser um dos principais instrumentos de ensino”, afirma a mãe de aluna.

Para ela, como não houve uma determinação da escola sobre como seriam os canais de atendimento, cada professor se virou a seu modo. Acredita que a variedade de métodos pedagógicos entre os anos iniciais e o ensino médio também possa ter deixado mais complexa essa operação.

“Minha filha acabou fazendo todas as atividades, mas fica a sensação de que falta conteúdo. É muito difícil para os professores terem que dar as aulas desse modo, eles não conseguem ter uma boa troca com os alunos”, relata.

Daniela deixa claro que “defende as professoras”, pois acredita que elas fazem tudo o que podem. Para ela, o que falta é a Secretaria de Educação dar mais apoio e estrutura.

A presidenta do Conselho Escolar do IE, Ceniriani Vargas, também concordo em alguns pontos com Daniela. Ceniriani é mãe de duas estudantes na escola.

Sobre 2021, entende que o retorno das aulas está sendo um momento de grande indefinição e tensão. Por isso, não é possível pensar em aulas presenciais enquanto centenas de pessoas morrem todos os dias pela covid-19.

“Me parece um absurdo imaginar que nossas escolas, com toda precariedade, teriam condições sanitárias e de distanciamento para que nossos filhos possam estudar com segurança”, afirma.

Lembra ainda que, se o retorno presencial acontecer, a responsabilidade de garantir essa segurança recairá sobre as escolas, conselhos escolares e alunos. Porém entende que é o governo que deveria dar garantias de realizar um ensino remoto de qualidade.

“É assustadora a crescente disseminação do vírus, seria necessário sim parar tudo, mas para isso os governos precisam garantir o mínimo. Em um ano de pandemia, por exemplo, foram distribuídas apenas duas cestas básicas para os estudantes”, critica Ceniriani.

Por fim, a presidenta do Conselho Escolar demonstra preocupação com as ações tomadas pelo governo estadual, em relação à gestão da educação durante a crise da pandemia.

“Parece que a saúde e a vida dos nossos filhos estão nas mãos daqueles que estão mais preocupados com articulações político-partidárias do que em controlar a pandemia”, finaliza.


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Edição: Marcelo Ferreira