Paraná

LUZES DA CIDADE

Um silêncio e um grito na Guaporé

Coluna de minicontos traz olhares e reflexões sobre a desigualdade em que vivemos

Curitiba (PR) |
Espaço e coluna de crônicas, contos e ficções curtas do Brasil de Fato Paraná - Arte: Vanda Moraes

Cinco da manhã de sábado, busco Ivan na Ferrovila e vamos pra ocupação Guaporé, as árvores respiram calmas, as tirivas com canto de algazarra, paira no ar uma ameaça, dona Rosicler ainda não teve a casa desmontada, mas disse a guarda: retira tudo! até seis horas da manhã em ponto, senão o telhado na cabeça dela seria quebrado, sem razão, liminar ou qualquer desconto, ameaçou o homem de escudo e armadura armado, contra a ex-carrinheira de braço inviabilizado, mulher negra, a filha, neta, cunhado, eles não recolhiam lenha em terreno cercado, como na época de Marx, mas da lenha fizeram a própria casa, agora proibida, ameaçada.
A comunidade então acudiu passo a passo, revoada que se achega, almas em compasso, cada pessoa se viu pelo globo dos olhos, histórias que atravessariam uma cidade inteira. Fazer a única mala, largar o colchão, Rosicler não havia dormido com medo daquele chão, tranquilidade palavra irreal no dicionário, a injustiça impõe seus lobos arbitrários, mas naquela manhã de silêncio, pássaros de asa quebrada gritaram, foi um sonoro não na fronteira entre o que se aceita – e o que é inaceitável.

Edição: Lucas Botelho