Paraná

PANDEMIA E HABITAÇÃO

Na ocupação Guaporé, três casas são destruídas e duas famílias ameaçadas pela Guarda

Ministério Público e vários órgãos criticam a medida e buscam interceder

Curitiba (PR) |
“Acordamos assustamos com eles batendo na porta, pagávamos aluguel noutro lugar, viemos para cá por não conseguir pagar aluguel" - Giorgia Prates

O alvoroço e a incerteza são permanentes na ocupação Nova Guaporé 2, localizada no bairro do Campo Comprido, desde o final de 2020.

Depois de a comunidade, no começo de 2021, sofrer assédio permanente da Guarda Municipal de Curitiba e da regional da prefeitura no bairro Portão, na manhã de hoje (5) três casas foram destruídas, no local da suposta linha divisória entre a área de mata reivindicada pela prefeitura e a área ocupada por moradores.

Os relatos, vídeos e a presença da reportagem do Brasil de Fato Paraná no local mostram que ainda houve ameaça a outras duas famílias, de que deveriam desmontar a casa no dia de hoje, caso contrário amanhã (6) amanheceriam novamente com a guarda municipal “eles mesmos desmontando os barracos”, como afirmou o relato da moradora Rosicler de Fátima, ex-carrinheira.

“Acordamos assustamos com eles batendo na porta, pagávamos aluguel noutro lugar, viemos para cá por não conseguir pagar aluguel, eu catava papel na rua e não tenho força neste braço. Não tenho para onde ir”, lamenta.

O procurador de Justiça Olympio de Sá Sotto Maior Neto intervém

Várias entidades, parlamentares - os deputados estaduais Goura (PDT) e Veneri (PT), Carol Dartora, Renato Freitas (PT) -, e órgãos de defesa dos direitos humanos criticaram a medida e a sinalização de despejo apontada para amanhã.

Entre outras razões, apontam a contradição da ação da prefeitura com o decreto do Tribunal de Justiça do Paraná e a recomendação do Conselho Nacional Justiça (CNJ) contra ações deste gênero em pleno período de pandemia no seu momento mais grave até agora no país.

Criticam também o fato de a Guarda Municipal agir sem autorização judicial, ao lado da falta de sinalização nítida da prefeitura de Rafael Greca (DEM): não negocia com as famílias, não define a demarcação correta do terreno, passa informações confusas e descomprometidas aos moradores.

O procurador de Justiça Olympio de Sá Sotto Maior Neto, coordenador do CAOP de Direitos Humanos do Ministério Público, em entrevista ao Brasil de Fato Paraná, afirmou que o MP deve intervir e reafirmar decreto do poder judiciário estadual e nacional suspendendo retirada de famílias das áreas de ocupação neste momento. “O momento é inoportuno para esse tipo de despejo, para colocar as pessoas em situação ainda maior de vulnerabilidade. Por meio da Fundação de Ação Social, é necessário que se identifique para onde as pessoas vão, buscar aluguel social, mas não podem ser despejadas dessa maneira, é uma desumanidade”, afirma.

Reunião do Ministério Público na parte da tarde de hoje também contou com a presença de representante das famílias e de Olenka Lins, da Defensoria Pública do Estado do Paraná, que tem feito a defesa das famílias na Guaporé e recomendação de que não haja despejo forçado nesses casos.

Posse e propriedade suspeita

“A prefeitura não tem nenhuma representação em relação a área que alega ser dela e, não tem atuado na forma da lei, mas sim pela vontade e interesse do executivo na pessoa da regional Portão”, critica Ivan Carlos Pinheiro, apoiador da ocupação e integrante da União de Moradores e Trabalhadores (UMT).

Para ele e várias pessoas que acompanham o caso, não está nítido para a sociedade a posse do terreno e qual área pertenceria à prefeitura. Informações obtidas pela reportagem com pessoas no interior da gestão atestam que não havia qualquer projeto estipulado para o terreno, embora agora o município sinalize reservar uma área de bosque para a área de mata do terreno.

A outra parte do terreno é particular, para a qual a reintegração de posse está suspensa por determinação da Justiça em momento de pandemia. Desde a década de 90, o espaço não cumpria qualquer função social.

O mandato do deputado estadual Goura (PDT), também em conversa exclusiva com o Brasil de Fato Paraná, elenca que acionou na tarde de hoje a Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), oficiou o Tribunal de Justiça do estado, e deixou ciente o vice-prefeito, Eduardo Pimentel, sobre a gravidade do caso. A Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, via deputado Tadeu Veneri (PT), também foi acionada.

Moradores da ocupação prometem se reunir amanhã pela manhã na frente da casa de Rosicler para evitar que seja retirada do local.

"A gente quer apenas um local para morar", finaliza a conversa a moradora com a reportagem.

Nem Greca e nem a Prefeitura comentaram o caso ao longo do dia. A reportagem enviou para a assessoria de imprensa da regional Portão as seguintes questões, que serão publicadas assim que respondidas:

1) Três casas foram derrubadas na manhã de hoje (5) na ocupação Nova Guaporé pela Guarda Municipal, na parte do terreno de frente para a rua Rosamelia de Oliveira. Na parte da frente do terreno, no início do ano a prefeitura havia delimitado o terreno municipal e construído uma cerca, respeitada pelas famílias. Por que na parte de trás isso nunca ocorreu e a definição sobre os limites do terreno ficam vagas?

2) Ministério Público do Paraná criticou a ação de hoje, pela ausência de autorização judicial, desrespeito à recomendação nacional do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e também do Tribunal de Justiça estadual de não haver despejos forçados neste momento da pandemia. O que a prefeitura tem a dizer sobre isso?

3) Relatos no local mostram que a guarda municipal e a administração regional do Portão ameaçaram que mais duas casas serão removidas amanhã (6) pela manhã. Essa informação confere?

Seguem abaixo as respostas via assessoria de imprensa da prefeitura/ regional Portão:

Sobre a ação de equipes da Prefeitura e da Guarda Municipal na área denominada como Ocupação Guaporé 2, Campo Comprido, a Prefeitura, através da Administração Regional Portão, tem a esclarecer o seguinte:

Na sexta-feira (5/3), equipes da Prefeitura e da Guarda Municipal desmontaram duas casas desocupadas, ainda em processo de construção que estavam em área do município, vizinho à Ocupação Guaporé 2.

As outras duas casas que foram construídas sobre a área do município e já estão ocupadas passarão pelo devido processo legal.
A Administração Regional Portão informou também que antes disso ocorrer, os ocupantes foram devidamente alertados nos dias 3 e 4 de março para que parassem a construção e retirassem o material da área do município, mas a determinação não foi cumprida.

As equipes relataram também que havia parte de uma cerca que dividia a área particular da área pública. Em várias vezes os integrantes da ocupação foram orientados para respeitar a divisa, mas isso não ocorreu, uma vez que a cerca foi derrubada e houve avanço e construção na área do município.

Além disso, as equipes explicaram aos moradores que continua valendo a determinação para que nada seja construído em área do município e que a Guarda Municipal vai continuar monitorando a região com o objetivo de garantir que isso seja respeitado.

 

Edição: Lucas Botelho