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“Nos negaram ter um futuro”

População brasileira entra 2021 sem perspectiva, com desemprego, pobreza e fim do auxílio emergencial

Curitiba (PR) |
"Está complicado comer, vestir, ter saúde no Brasil. Estou sendo pessimista, porque sei a minha realidade e a realidade à minha volta", diz Kixirá - Giorgia Prates

Ao contar sua história, Kixirá Jamamadi conta também a de milhões de brasileiros. Migrante, saiu de Rio Branco, no Acre, para morar em Curitiba, no Paraná. O sonho era cursar uma universidade. Hoje formada em Gestão Pública pelo Instituto Federal do Paraná, Kixirá é a primeira de seu povo - Jamamadi - com graduação em curso superior. Em 2020, virou uma entre os 12,9 milhões de desempregados do Brasil. Em sua casa, no bairro Novo Mundo, moram ela, o marido, um filho de 12 anos, a mãe, de 73 anos, uma irmã e um sobrinho, de quatro anos.

“Estamos vivendo como a maioria dos brasileiros, de ‘bico’. É uma luta diária”, conta Kixirá. Na metade de 2020, ela conseguiu acesso ao auxílio emergencial, de R$600. “Pensei, ‘com isso a gente vai poder contar’. Bela pegadinha, porque eles davam quando queriam. Não podia contar com aquele dinheiro. Às vezes passava um mês, um mês e meio sem receber. Então resolvia e não resolvia, porque as pendengas das contas não esperam”.

Para conseguir uma renda fixa todo mês, Kixirá e o marido, também desempregado, têm buscado formas alternativas. Ele, italiano, dá aulas particulares do idioma natal. Atualmente, tem cinco alunos e essa é a principal renda fixa da família. Além disso, juntos, Kixirá e o marido produzem e comercializam pizzas caseiras. O empreendimento faz parte da Rede Mandala, uma rede de economia solidária do estado. “Mas ainda não dá pra contar com o dinheiro de maneira fixa”, diz Kixirá. No quintal de casa, sua mãe planta ervas medicinais, que são vendidas para a vizinhança.

O cotidiano de Kixirá é também de luta por dignidade para todos. Inserida em movimentos populares desde jovem, em 2020, diante da crise agravada pela pandemia, ela uniu-se a outros moradores de seu bairro para construírem o Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MTD). "Estou desempregada e me coloco à disposição do bairro, da comunidade, porque não dá pra só ver a situação difícil e não fazer nada. Se a gente pensar só em si mesma, fica pior a situação", pontua.

Agora, Kixirá começa 2021 com a certeza de que o auxílio emergencial, que antes era inconstante, agora deixa de existir. Ela não vê muitas possibilidades de mudança neste ano. O único futuro possível de vislumbrar é um dia de cada vez. “Você se sente em um beco sem saída. Nos negaram ter um futuro. A gente fica insegura, sem saber o que vai comer amanhã. Está complicado comer, vestir, ter saúde no Brasil. Estou sendo pessimista, porque sei a minha realidade e a realidade à minha volta”, afirma.

As dificuldades em números

Relatório “O vírus da desigualdade”, lançado pela Oxfam em janeiro de 2021, aponta que “foram necessários apenas nove meses para os 1000 maiores bilionários [do mundo] reaverem suas fortunas para os níveis pré-pandêmicos, mas para as pessoas mais pobres a recuperação pode ser 14 vezes maior; mais que uma década”.

O dado mais recente, de 2019, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta que o Brasil tem mais de 51 milhões de pessoas vivendo na linha da pobreza, isto é, com renda de US$5,50 por dia (R$436 por mês). Abaixo da linha da pobreza, vivendo com menos de US$1,90 por dia (R$151 por mês), são 13,7 milhões de brasileiros.

O auxílio emergencial, cortado no final de 2020, chegou a mais de 126 milhões de pessoas, o que representa 60% da população brasileira, segundo o Ministério da Cidadania. De acordo com a Fundação Getúlio Vargas, de maio a dezembro, 15 milhões de brasileiros deixaram a extrema pobreza por causa do benefício.

Resistente em retomar o auxílio da forma anterior, o Governo Federal ensaia proposta de R$200 por mês, durante três meses, com foco em trabalhadores informais não atendidos pelo Bolsa Família e exigência de curso de qualificação profissional para acessar o benefício.

Edição: Frédi Vasconcelos