Pernambuco

BBB21

Artigo | Humilhação como mercadoria: o racismo que gera lucro

O Big Brother Brasil 2021 escolheu a dedo seus participantes e formulou uma narrativa poderosa

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Quanto mais o participante Lucas era humilhado, mais engajava audiência - Reprodução/TV Globo

A 21ª edição do reality show Big brother Brasil foi marcada desde o começo por grande repercussão relacionada a quantidade de negras/os que estariam presentes no programa. O jargão “negros no topo” e os debates sobre representatividade e lugar de fala tomaram conta das redes sociais, representando uma ilusão coletiva de que as empresas têm interesse real na luta antirracista.

:: Receba notícias de Pernambuco no seu Whatsapp. Clique aqui ::

Essa edição acontece em um momento que o debate racial cresce no Brasil. O assassinato de crianças negras na periferia, a morte do menino Miguel em Recife, os homens negros assassinados em grandes redes de supermercado ocasionaram reações importantes, apesar de fragmentadas, na internet e fora dela. As empresas, inclusive, vem criando estratégias para garantir mais pessoas negras no quadro de funcionários. Mas a luta antirracista não se resume a isso.

Seguindo o mote das empresas engajadas com o debate da representatividade para se apropriar de forma indébita e maliciosa de pautas coletivas, o BBB 2021 escolheu a dedo seus participantes e formulou uma narrativa poderosa, que dessa vez não nega o racismo, mas culpabiliza a própria população negra pelos seus infortúnios. Em um programa assistido por milhões, os brancos são justos e bons. Os negros humilham, mentem e manipulam, inclusive seu próprio semelhante.

Aqui não há espaço para questionar o processo de identificação absoluta do sujeito negro como sua raça, como nos alude Grada Kilomba. A retórica vencedora é a dos negros que humilham seu igual. Até porque um sujeito negro precisa representar toda uma raça. É a retórica escravocrata-simplória-colonial: “os negros causaram a violência a si mesmos”. É a reprodução das figuras de controle: o jovem problemático e criminoso, a mulher negra ardilosa e raivosa; o homem negro com a sexualidade desenfreada. Enquanto isso, a mão branca mandatária do racismo não se suja. Continua orquestrando o racismo brasileiro sem ser culpabilizada e lucrando milhões. 

A humilhação foi a mercadoria produzida pelo programa ao mesmo tempo que torna o debate racial mais rasteiro do que nunca, fazendo a Rede Globo alcançar a maior audiência desde 2014. Quanto mais o participante Lucas era humilhado, mais engajava audiência. Um programa moribundo retoma a respiração na asfixia do povo negro desse país, cuja história de luta e resistência coletiva não pode se resumir a indivíduos equivocados que estão destilando um debate racial sofrível em uma emissora conhecida por defender o mito da democracia racial.  

*Nathália é Doutora em Psicologia pela UFPE e militante da Marcha Mundial das Mulheres

Edição: Vanessa Gonzaga