Pernambuco

DESIGUALDADE

Assistente social condena mudanças propostas pelo Governo Federal no CadÚnico

Proposta do governo é de que o cadastro, feito pelo Sistema Único de Assistência Social (SUAS), migre para um aplicativo

Brasil de Fato | Recife (PE) |

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Políticas sociais como o Bolsa Família podem ser afetadas com as mudanças no CadÚnico
Políticas sociais como o Bolsa Família podem ser afetadas com as mudanças no CadÚnico - Jefferson Rudy/Agência Senado

Com a justificativa de cortar custos, o Governo Federal pretende mudar completamente a atual lógica de organização dos programas sociais como o Bolsa Família. Isso porque o Cadastro Único (Cadúnico), cadastro feito para que as famílias de baixa renda acessem os programas, poderá não ser mais feito nos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) dos municípios, mas apenas pela internet. 

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Por isso, o Brasil de Fato Pernambuco conversou com o Assistente Social Roberto Marinho, que também é Secretário de Ação Social do município de Barreiros, na Zona da Mata. Marinho afirma que a medida deixa as famílias ainda mais vulneráveis e que a extinção do atual modelo do CadÚnico tem um impacto econômico nas cidades de pequeno e médio porte. Confira os principais pontos:

Mudanças no CadÚnico

“O Governo Federal tem lançado uma série de contrarreformas opressoras contra as políticas de assistência e proteção social mais ampla. Essa proposição do Governo Federal de excluir o CadÚnico e incluir toda a inserção de usuário do programa Bolsa Família e demais programas em uma plataforma virtual não é uma medida única. A gente vem de uma série de outras medidas de refuncionalização do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), de surgimento de novos programas e serviços que se sobrepõem em conflito com o próprio funcionamento do SUAS”, ressalta Marinho.

O CadÚnico foi instituído em 2001, no governo FHC como uma grande plataforma para a sistematização, levantamento, estudo e de base de dados de todas as famílias de baixa renda no Brasil que acessam diversos tipos de políticas sociais.

O assistente social explica a abrangência do cadastro “Quando a gente pensa na elaboração, na disponibilização e na gestão de políticas públicas de enfrentamento à pobreza, de combate à fome, o CadÚnico se torna portanto, um grande instrumento de enfrentamento. Basicamente 100% da população pobre brasileira está na base do CadÚnico e a gente vive em uma era que o acesso à informação é estratégico para qualquer tomada de decisão do Estado”. 

Retrocesso e impactos

“O conjunto de movimentos de organizações dos trabalhadores do SUAS, dos usuários, que estão na ponta da lança do enfrentamento são contra essas medidas regressivas, mas eu acho que impacta sobretudo porque ele é porta de entrada para mais de 20 programas sociais. Não tem como estudar qualquer possibilidade de uma ação social estatal no Brasil sem que o CadÚnico seja sua base de dados”. 

Roberto alerta que a medida pode induzir a erros na análise da situação econômica brasileira “Nesse sentido me parece que a medida é fascista. Eu retiro a transparência do dado e dá-se a impressão de que a gente superou a pobreza no Brasil porque a gente não está mais visualizando ela em dados, mas isso é um grande tiro no pé, porque todos nós que andamos pela cidade vemos que a miséria cresce, que a desigualdade cresce e que a fome cresce nesse governo”.

Ele ressalta três grandes impactos com a mudança: “O primeiro é a perda da autonomia dos municípios. Veja que o presidente foi eleito sob uma base ideológica que sempre reafirmava que precisava-se menos de Brasília e mais do Brasil, numa tentativa de trazer uma plataforma de municipalização, de avanço do pacto federativo, da descentralização político-administrativa. Isso vai na contramão. Se retira toda a autonomia, que já é escassa nos municípios, de gestão do CadÚnico e dos seus próprios indicadores de pobreza, de miséria, de fome e de proteção social de forma mais ampla e traduz-se isso numa plataforma digital”.

O segundo impacto está ligado à exclusão das famílias mais vulneráveis do cadastro, já que elas enfrentarão dificuldades com a mudança para o mundo virtual  “Nós temos uma parcela da população que não tem acesso à via digital ainda e aí a gente reforça essa forma de desigualdade. Imagine nossa população mais pauperizada, envelhecida, vai ficar mais uma vez excluída pelo modus operandi do capitalismo e se exclui agora a garantia de proteção social de forma equivocada” afirma.. 

O terceiro impacto, segundo ele, é financeiro "Imagine que os municípios de pequeno e médio porte têm em sua estrutura econômica o repasse do Bolsa Família como algo importante na economia local. Já existem vários estudos sobre isso, de que cada um real do bolsa família se reverte em R$ 1,50 para o Estado como um todo e aí isso talvez seja afetado, mas afeta as economias do próprio município, porque os repasses de um bloco de financiamento da assistência chamado de IGD-Bolsa Família vai ser extraído, uma vez que não há mais gestão municipalizada”. 

Assim, como vários outros programas que estão sendo cortados e reduzido, a medida afeta principalmente as cidade de pequeno e médio porte, que tem sua economia baseada nas políticas sociais de distribuição de renda “A gente está falando que em municípios pequenos, de até 40 mil habitantes, de uma perda de 20 empregos diretos, sem contar os indiretos e de uma renda de 250 mil reais/ano. Isso impacta nas finanças municipais e fere o pacto federativo, a municipalização, a descentralização político-administrativa” explica..

Cortes no Orçamento

Marinho aponta que as mudanças no SUAS não são um elemento novo “Na virada de 2019 para 2020 foi editada uma portaria que a gente que defende o SUAS chama de portaria do calote. Se reduziram os orçamentos dos serviços do CRAS, CREAS e alguns outros em até 40% do orçamento relativo a 2019, então a gente entrou em 2020 com o SUAS mais fragilizado”. Ele aponta que a movimentação diminui a possibilidade de atuação do SUAS “Se historicamente a assistência já foi tratada como uma política de pobre para pobre, com menos prioridade, nessa plataforma de gestão ultraneoliberal a assistência se tornou ainda mais paliativa, ainda mais frágil e reduzida”. 
 

A situação de desproteção social e a própria desigualdade podem fazer com que o CadÚnico se torne na verdade inacessível para quem mais precisa  “A gente tem uma base de desempregados que beira os 15%, em municípios pequenos chega a 52% de população pobre e miserável. Como eu vou sufocar uma política que embora frágil e subfinanciada ela é um alento no alívio da pobreza? A gente vai migrar para essa plataforma digital, mas essa população que é assistida não tem os meios necessários para a vida em 4G. Estamos falando da população dos morros, das periferias, onde a internet é de baixa qualidade, o acesso é restrito, é uma população que não está na revolução 4.0, é uma população que sofre as consequências dessa revolução”.

Luta 

Roberto afirma que há uma mobilização de diversos setores contra as mudanças “Não pense que isso vai passar de forma despercebida pela organização da classe trabalhadora. Há toda uma contraofensiva, uma resistência. Nós temos hoje os trabalhadores do SUAS, o colegiado de gestores do SUAS, os órgãos representativos dos usuários do SUAS que estão em conjunto com outras organizações fazendo o enfrentamento a esse tipo de demanda”.

Ele também explica que os próprios usuários são contra a medida “Foi feito recentemente um levantamento que diz que 2% da população seria de acordo com a migração da plataforma do cadúnico para uma plataforma digital. O robô não substituirá os trabalhadores do Suas, não tem qualificação para atender a demanda dos usuários e nenhuma plataforma digital tem tecnologia suficiente para dar vazão ao nível de desigualdade, pobreza e miséria que a questão social brasileira implementa e reforça a cada dia” conclui.

 

Edição: Monyse Ravena