Janeiro Roxo

Hanseníase atinge 30 mil brasileiros anualmente; faltam remédios em quatro estados

Doença é uma das consideradas “negligenciadas” por não receber a devida atenção da indústria farmacêutica

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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No Mato Grosso, 33% dos pacientes chegaram às unidades de saúde com algum grau de incapacidade, entre 2010 e 2019 - Mayke Toscano/Secom-MT

A campanha Janeiro Roxo marca o mês de conscientização e combate à hanseníase, doença que atinge cerca de 30 mil pessoas por ano no Brasil, segundo a Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD).

Apesar do número expressivo, no entanto, a doença é considerada pela SBD como negligenciada, ou seja, “alvo de desatenção, desconsideração, displicência, descaso, indiferença, menosprezo”. 

Escassez de medicamentos

Exemplo disso é a escassez de medicamentos para o tratamento da doença em estados como Mato Grosso, Pernambuco, Ceará e Amazonas, como alertou a organização em janeiro deste ano.

Em 2020, a Coordenadoria Geral de Doenças em Eliminação (CGDE) do Ministério da Saúde já havia alertado para a falta de estoque dos medicamentos, decorrente de dificuldades acerca da logística do transporte. 

Mas, segundo Araci Pontes Aires, assessora do Departamento de Hanseníase da SBD, o fato é que não há investimento da indústria farmacêutica na elaboração de novos medicamentos. Em suas palavras, isso ocorre porque a doença acomete, principalmente, a população pobre, sem acesso a saneamento básico, água tratada e condições de moradia adequadas. 

Transmissão por vias aéreas

Como a doença é transmitida pelas vias aéreas, o contato próximo e prolongado com pessoas contaminadas amplia a probabilidade de se infectar. É o que ocorre, frequentemente, em famílias grandes que vivem em moradias com um ou dois cômodos, sem ventilação. “Esse aglomerado favorece com que haja o contágio da hanseníase. Daí então ser mais frequente justamente na população que reside em condições dessa maneira”, afirma Aires. 

Desinteresse da indústria farmacêutica

Por ser mais frequente nas populações de poder aquisitivo baixo, portanto, “não há um investimento da indústria farmacêutica, porque a indústria quer o retorno em torno de lucro. Não haveria um retorno de lucro para a indústria em termos de venda de medicamento, ficaria realmente agregado somente à saúde pública”, avalia Aires.

Justamente por ser uma doença cujo tratamento não interessa à indústria farmacêutica, Aires destaca a imprescindibilidade do Sistema Único de Saúde (SUS) para as populações mais atingidas, que deve se fazer presente por meio de campanhas, acesso aos postos de saúde, à equipe de saúde da família e à profissionais capacitados para o tratamento da doença.

Os quatro estados citados, que sofrem com a falta de medicamentos, são frequentemente os mesmos que lideram o ranking de número de novos casos. Levantamento da SBD mostra que, entre 2010 e 2019, Mato Grosso registrou 33.104 casos, ficando atrás somente do Maranhão (36.482), seguido por Pará (31.611), Pernambuco (25.274) e Bahia (24.393).

No Mato Grosso, por exemplo, um dos estados que sofre atualmente com a escassez de remédios, 33% dos pacientes chegaram às unidades de saúde com algum grau de incapacidade, isto é, quando a doença já causou algum tipo de deformidade física e diminuição da sensibilidade nos olhos, nas mãos e nos pés.

O que é a hanseníase?

Denominada como “lepra” até a década de 1990, hanseníase é uma doença infectocontagiosa causada pela bactéria Mycobacterium leprae ou bacilo de Hansen e transmitida pelo ar. A contaminação acomete os nervos responsáveis pela sensibilidade da pele e pela força motora, principalmente das mãos, dos pés e das pálpebras.

“A principal manifestação da doença são as manchas na pele com alteração de sensibilidade, a mancha dormente, em que a pessoa, quando encontra alguma coisa quente, pode até se queimar, porque não tem o mecanismo de defesa da dor. Também é comum o aparecimento de caroços pelo corpo e fisgadas nos nervos de pés e mãos”, afirma Aires.

A médica conta que o principal mito relacionado à hanseníase é o suposto contágio pelo contato. “A transmissão se dá unicamente pelas vias aéreas”, explica. Outro mito é que a doença causa a amputação de membros do corpo. O que ocorre na realidade é que, com a falta extrema de sensibilidade, o paciente pode se ferir e aquele ferimento se infeccionar. Sem o tratamento adequado, a infecção pode necrosar a área ferida, sendo necessária a amputação. Mas a doença, por isso só, não causa isso.

Tratamento

Até a década de 1990, não havia cura para a lepra, sendo os pacientes isolados pela vida toda em hospitais conhecidos na época como “leprosários”. Com a evolução da ciência e da medicina, que descobriu um tratamento, e para combater o estigma em relação à lepra, convencionou-se chamá-la de hanseníase.

“A lepra era uma doença contagiosa que não tinha cura. Já a hanseníase é uma doença que tem tratamento e que tem cura. Daí a mudança da denominação da doença também”, afirma Aires. 

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Hoje o tratamento é feito totalmente em casa. O paciente deve ir a uma unidade de saúde somente para receber mais medicação. Depois de seis meses a um ano, a depender do grau da doença de cada um, o paciente recebe alta e está curado. Mas é bom lembrar que quanto mais precoce o tratamento, menor são as chances de ter sequelas. 

Para isso, o paciente deve procurar o SUS logo que começar a sentir os primeiros sintomas. A doença é diagnosticada, na maioria das vezes, apenas com o exame clínico de sensibilidade ou da presença de caroços. “O profissional vai pegar um ‘tubinho’ com água morna e encostar na pele para ver se a pessoa está sentindo ou não que aquela água está quente. Tem que ser feito por um profissional de saúde, não é para fazer em casa pegando fósforo e encostando na pele porque vai se queimar”, alerta Aires.

Todos os exames e o tratamento são gratuitos e estão disponíveis no SUS

Edição: Camila Maciel