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CULTURA

Sucateamento da Secult prejudica execução da Lei Aldir Blanc em MG, aponta artista

Trabalhadores da cultura passam dificuldades com atrasos de repasses. Secretaria divulga cronograma de pagamento

Belo Horizonte | Brasil de Fato MG |

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A falta de dinheiro e a falta de informações e de prazos definidos fortalecem a incerteza já instaurada pelo coronavírus - Créditos da foto: divulgação

“Estamos em uma corrida contra o tempo e todas as dificuldades para pagar integralmente os recursos da Lei Aldir Blanc”, informou a Secretaria de Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais (Secult-MG), por meio de transmissão ao vivo realizada no YouTube na última semana. A lei federal 14.017, denominada Lei Aldir Blanc (LAB), foi criada em caráter emergencial para amparar os trabalhadores da cultura durante a pandemia.

Ainda hoje, parcela do setor cultural que foi selecionada para receber os recursos sofre com a demora de pagamentos, tanto do auxílio emergencial de R$ 600, quanto de editais e subsídios mensais para manutenção de espaços culturais.

De acordo com artistas, a falta de dinheiro e a falta de informações e de prazos definidos fortalecem a incerteza já instaurada pelo coronavírus, que os privou do trabalho e da relação com o público.

Vivendo na pele

A flautista Vera Pape, ex-presidenta do Sindicato dos Músicos Profissionais de Minas Gerais (Sindmúsicos-MG), se inscreveu e foi aceita com alguns projetos. Até o momento, recebeu por um, quitado pelo governo estadual no mês de dezembro.

É com esse dinheiro - aproximadamente R$ 5 mil, após pagamento de R$ 3 mil de imposto - que ela se mantém até o momento, pagando as contas do mês passado, do atual e dos meses que virão, até quando a quantia durar. Vera também é professora de música e consegue complementar sua renda.

“Eu sou professora, mas tem gente que não é, que nunca foi, que não tem a técnica necessária para lecionar a partir de agora. Se eu sinto que a minha sobrevivência está em aberto, e a deles? Te falo que se não fosse a premiação de dezembro eu estaria completamente sem grana. Estou esperando fervorosamente o resultado dos editais”, diz.

Vera comenta que sente medo, de no futuro, ter que se expor a situações extremas e “perversas” ao tocar na rua e nos bares. Como é flautista, nem a máscara de proteção para evitar a contaminação por covid poderia usar.

A artista é ponderada ao analisar o contexto da implementação dos recursos da LAB no estado. Acredita no empenho do secretário de cultura Leônidas Oliveira e da equipe da Secult, que, em sua opinião, é um órgão sucateado. A precarização, por sua vez, Vera atribui à decisão do governo de Romeu Zema (Novo).

“Há uma questão estrutural. A Secretaria de Cultura já não existe, foi ‘juntada’ com a Secretaria de Turismo. É uma estrutura completamente pífia para o desafio proposto pela Lei Aldir Blanc, ainda mais em um estado enorme e complexo como Minas Gerais. Quando a Secult diz que está trabalhando, eu até acredito, não apontaria o dedo nesse sentido. Só que existe sim uma burocracia fenomenal, falta de funcionários e os prazos dos editais não são respeitados”, aponta Vera.

Mesmo entendendo o contexto da área de cultura no governo Zema, Vera vive na pele o dia a dia incerto, de contas que não param de chegar e de precisar manter uma estrutura mínima de trabalho.

“O que não concordo é que parece que poderia ser pior, como se fosse bom sofrer… Sempre pode ser pior, entende? É uma situação que a gente se vê esperando e esperando um dinheiro que nós estamos precisando muito. E está demorando, deixando muito a dever ao nome emergencial, que é pra hoje, pra ontem”, reflete. Vera relata que deveria ter recebido os pagamentos até o dia 31 de dezembro e que as datas costumam ser sempre adiadas.

Situação mais complicada no interior

Luciano Silveira integra a Companhia de Teatro Ícaros do Vale, do Vale do Jequitinhonha. A organização foi contemplada na Lei Aldir Blanc e recebeu o dinheiro em 2020 após quatro meses aguardando a liberação. O valor total era de R$ 1.900.

Essa realidade, de acordo com o artista, não é a de outros trabalhadores da cultura do Vale. Por conta da eleição ao Executivo municipal, em 2020, prefeitos que tentaram o segundo mandato e perderam o pleito, porém já haviam recebido a verba da Aldir Blanc, não teriam distribuído o dinheiro.

“Cidades mais organizadas culturalmente como Araçuaí, Almenara, Virgem da Lapa, Diamantina etc., conseguiram fazer com que esse recurso chegasse e fosse distribuído a tempo, mas a maioria das cidades não, e a Secult não resolve", declara.

Segundo Luciano, existem muitos artistas no Vale já passando necessidades graves pela demora nos paliativos, sem maneiras de pagar aluguel, água, luz, comida. Ele também chama atenção para outro problema da LAB: a falta de clareza e de descentralização da cultura.

“Muita gente não conseguiu se inscrever pela dificuldade de elaborar um projeto no formato que a Secult queria. Deviam desburocratizar por ser emergencial. A notícia desses editais nem chega nos grupos tradicionais, nas comunidades rurais, no rabequeiro de uma zona rural de Araçuaí, por exemplo. O edital não chega lá e não tem um apoio da Secult para instruir, não tem nada, é uma falta de humanização desse processo”, reforça o ator.

O que diz a Secult

Durante a live, que foi um informe público, a Secult justificou "burocracia e entraves constitucionais". O assessor de estratégia da secretaria, Lucas Fainblat, disse que o processo está sendo um aprendizado e informou que o órgão notou a distância para acessar os artistas da cultura popular. "Ninguém que está na cultura popular precisa ter esse conhecimento. Isso não tem que ser exigido, a gente sabe disso. Mas não pertence a nós. Temos uma série de problemas de legislação federal, de ordem constitucional”.

Ele sinalizou que realizar os pagamentos é um compromisso. "Em termos de pagar esse dinheiro para quem é devido não vai haver problema. O que pode acontecer é a gente se deparar com mil e um problemas operacionais e burocráticos, que nós vamos, insistentemente, tentar resolver. Se for o caso, contatando um a um dos beneficiários”, argumentou Lucas.

A secretaria comunicou que 90% dos solicitantes contemplados receberam o auxílio emergencial. Em relação aos editais, pagou 44,8%, faltando 55,2% para quitar.

Na quarta-feira (13), a Secult divulgou um novo cronograma de pagamento para os editais faltantes. Confira as datas:

De acordo com o secretário de Cultura de Minas Gerais, Leônidas Oliveira, a ideia é realizar, em um futuro próximo, formações para instruir pessoas sobre os processos culturais: como fazer prestações de contas, escrever projetos, interpretar editais, aprender o sistema online, entre outros. “Minha vontade é contratar oficineiros e realizar essas formações em todo o estado”, reiterou.

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Edição: Rafaella Dotta