Paraná

MORADIA DIGNA

Quem são os integrantes da ocupação Nova Guaporé 2?

Prosear com os moradores é escutar o relato da situação de desemprego e subemprego

Curitiba (PR) |
Laudy Gomes acredita na empatia e na legitimidade de quem está na ocupação Nova Guaporé 2 - Giorgia Prates

A ocupação Nova Guaporé 2, localizada no bairro Campo Comprido, desde outubro, era uma ação pouco conhecida até o dia 17 de dezembro, quando aumentou o número de integrantes, a maioria delas oriundas de um despejo na Cidade Industrial de Curitiba, que comoveu o estado, entre outras questões, por ocorrer em plena pandemia e em pleno fim de ano.

O número de doações e a chegada de carros o tempo todo passando pelo portão de entrada do local atestam o apoio de parte da sociedade à demanda de moradia.

Mas quem são essas pessoas que estão ali e reivindicam um terreno, um lote, como dizem?

A resposta à pergunta certamente não passa pelo prefeito Rafael Greca (DEM), quem reforçou, depois de ser cobrado em uma rede social, o velho mote de que a ação não seria legítima, chegando a se referir a "oportunismo safado":

“Invasão é uma indústria perversa. Um equívoco social. Só serve a quem a promove. Usa os vulneráveis e não tem data para acontecer. Nada a ver com pandemia ou Natal. É oportunismo safado usando inocentes. Sou contra”, afirmou.

A fala de Greca tem como alvo o coração do senso comum, em grande parte alimentado por alguns veículos de comunicação, disseminando ideias de que haveria interesses escusos, ignorando o grave problema de falta de moradia digna atinge 79.949 domicílios somente em Curitiba (e dados são de 2015 do Pnad, certamente desatualizado).

Por outro lado, prosear com os moradores da ocupação Nova Guaporé 2 é ouvir o outro lado real, o lado que a cidade modelo não comporta e não escuta.

É fato: Uma simples ida ao chão da ocupação, marcada por um pouco de barro das chuvas recentes, revela quem são as pessoas de carne e osso, sua história, a condição atual da crise econômica, acentuada com a pandemia, que as empurrou para o desemprego, subempregos e a necessidade de escolher o que sacrificar nas despesas do mês.

Infelizmente, vale lembrar que, de acordo com dados do IPEA, 35 milhões de trabalhadores e trabalhadoras estão sem direitos formais, atuando por conta própria. Entre 2014 e 2019, o número de autônomos subiu de 21 milhões para 24 milhões em 2019 de acordo com o IBGE, um número crescente. Como afirma o repórter Leonardo Sakamoto, o chamado trabalho intermitente tornou-se na verdade desemprego com algum grau de formalização.

“Epidemia pegou a gente, com o desemprego, a fome, estou sem condições de pagar aluguel, estamos tentando, querendo que a sociedade saiba, não temos condições de comprar muitas vezes um pacote de prego e tábua”, explica Casagrande, trabalhador da construção civil, um dos ocupantes do local.

Giselda: com lágrimas nos olhos

A auxiliar de cozinha e diariasta, Giselda, de 53, rosto marcado pelas durezas da vida, conta que não teve condições de manter o pagamento do aluguel.

Ela chorava antes e durante a abordagem da reportagem, contando que não havia superado o trauma de ver a sua casa ser desmontada na antiga ocupação Nova Guaporé, no dia 17 de dezembro, onde sentia-se bem instalada.

A imagem do trator passando nas casas erguidas desde outubro dói, de acordo com a trabalhadora. Ao lado do medo de sofrer outra vez um despejo na nova área, visitada pela guarda municipal nas duas madrugadas anteriores.

“Durmo no chão, patrão cobrando aluguel, não é fácil, preciso de ajuda, tem hora que dá formigamento no corpo, tomo remédio controlado, preciso do terreno”, afirma. Giselda está na ocupação ao lado das duas filhas e do genro.

Laudy: talvez a humanidade seria um pouco melhor

“Quando você fechar os seus olhos/ e medir o universo/ Saberá que não dá para medir/ As estrelas não dá pra contar/ O universo não dá pra medir/ esse amor que eu sinto por você é infinito”, são os versos de uma das canções, chamada Estrela e universo, de autoria da professora de música Laudy, presente desde o início da ocupação.

As histórias vêm fácil de pessoas abertas, francas, que se aproximam, se apresentam, contam suas histórias. Oferecem um café, entre uma atividade e outra de construção dos alojamentos coletivos feitos para receber as pessoas que vieram do despejo.

Laudy, entre tantas atividades, tem seu canal no Youtube, é mãe de duas filhas, curitibana que vivia no distante Tatuquara. Trabalhadora desempregada, conta que o auxílio de R$ 1200 (valor para mulheres chefes de família) permitia o pagamento de aluguel na periferia da capital.

Com a redução pela metade do auxílio, que já devolveu 7 milhões de pessoas à linha abaixo da pobreza, ela conta que não teve mais condições de manter o pagamento do aluguel. Laudy insiste na legitimidade de quem está ali, e afirma, assim como os outros entrevistados, o incômodo com as ofensas de quem passa na avenida em frente.

“Há várias notícias correndo sobre o local, venham ver para ver que não é tomar posse de algo que não é nosso, queremos nosso direito, talvez com isso a humanidade seria um pouco melhor”, comenta.

Casagrande: Epidemia e desemprego

Casagrande, trabalhador da construção civil, mora em uma casa encostada à grade de entrada, acostumado às provocações, afirma que simplesmente quer uma possibilidade de emprego. Boa parte das pessoas presentes ali votaram no atual prefeito, ele diz, mas sentem que vivem um descaso por parte do poder público.

“Destruíram casas, é um sofrimento o que estamos passando, escutando dos carros que passam na avenida que somos vagabundos, dentro do pátio não tem lixo nenhum, prezamos pela cidade limpa, mas a prefeitura nos deixa na sujeira”, protesta Casagrande, cujo nome contrasta fortemente com a realidade de tantas famílias curitibanas.

Edição: Lia Bianchini