Paraná

Reportagem Especial

Ratinho, o bolsonarista que deu certo

Governador do Paraná executa a destruição do meio ambiente passando a boiada nas leis

via Porém.net |
Governador do Paraná sempre é receptivo as pautas do presidente - Alan Santos/PR

O governador Ratinho Junior (PSD) é o mais bolsonarista entre os governadores brasileiros. Comandando o Paraná, ele segue a cartilha federal quando o assunto é desrespeito ao meio ambiente. Nesta reportagem da Série Especial “Ratinho, o bolsonarista que deu certo”, você vai ler porque o governador demonstra sua “fidelidade canina” ao estilo Bolsonaro, reproduzindo o comportamento ideologizado, a falta de fiscalização e o retrocesso das questões ambientais federais.

Em um vídeo que já circulou muito nas redes sociais, o atual governador do Paraná, Ratinho Júnior (PSD), afirma possuir uma “fidelidade canina” ao ex-governador Beto Richa, que foi seu chefe durante quatro anos, entre os anos de 2013 e 2017. Beto Richa, preso três vezes por crimes ligados à operação “Lava Jato”, nunca escondeu o apreço ao atual governador Ratinho Júnior, ou ao pai dele, o apresentador Ratinho. O presidente Jair Bolsonaro também conserva uma relação bem próxima com ambos, sendo um dos “entrevistados assíduos” do apresentador Ratinho que, por sinal, é dono de várias emissoras de rádio e TV no sul do Brasil (Rede Massa, afiliada do SBT).

Aparentemente, o que se vê hoje entre Ratinho Jr. e Bolsonaro, é uma reedição do mesmo tipo de vassalagem e “fidelidade canina”. Pelo menos, este é o comportamento que se apresenta na esfera do meio ambiente. Só que, nesse caso, há muito mais aí do que mera tietagem. Os interesses de ambos no setor podem ser muito maiores do que se imagina. Os fatos e dados falam por si.


Bem recebido no Paraná, Bolsonaro elogia as medidas estaduais de desregulamentação do meio ambiente. / Alan Santos/PR

Desmonte de Conselhos

Janeiro de 2020: por meio de um decreto, Ratinho Júnior autoriza o corte da Restinga no litoral do Paraná. As medidas foram questionadas pelo Ministério Público do Estado, e a portaria ilegal teve de ser revogada. Mas, alguns meses depois, o polêmico ministro Ricardo Salles resolveu derrubar resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) que restringiam, coincidentemente, o desmatamento de restingas e manguezais, autorizando, de forma totalmente irresponsável, a ocupação desses espaços em áreas de preservação ambiental. A decisão favoreceria também a possível instalação de um complexo industrial portuário em frente à Ilha do Mel, altamente danoso para a natureza e comunidades indígenas e tradicionais que vivem nas proximidades de onde ele poderia ser construído, em Pontal do Paraná.

Ambas as medidas foram revertidas judicialmente. Recentemente, a ministra Rosa Weber, decidiu liminarmente pela manutenção das resoluções anteriores do Conama, cuja estrutura vem sendo desmontada pelo governo Bolsonaro. A participação fundamental da sociedade civil no conselho foi minimizada, entre outros tantos retrocessos ambientais, que estão sob a gestão do “incendiário” ministro Salles.

Mas, para aqueles que entendem que essas atitudes se baseiam apenas em objetivos ideológicos, é melhor pensar duas vezes. Os objetivos reais por trás desse desmonte podem ser parte de uma estratégia muito maior: a do aparelhamento e permanência no poder. Explicamos: assim como ruas e estradas asfaltadas têm alto poder de repercussão eleitoral, grandes obras e megaprojetos de infraestrutura também rendem votos.

Se, por exemplo, as normas ilegais aprovadas por Salles e Ratinho Jr. estivessem em vigor, elas beneficiariam um projeto de grande “visibilidade” do atual governador, chamado de “engorda da praia de Matinhos”. O projeto, de custo inicial na casa dos R$ 512,9 milhões, teria o potencial de transformar o principal balneário do Estado, que recebe milhões de eleitores todos os verões, em uma espécie de “Miami tupiniquim”.

Preocupados com as consequências do megaprojeto, pesquisadores renomados realizaram um estudo apontando diversos riscos ambientais que seriam impostos à sociedade, ao erário e à biodiversidade local, caso o projeto fosse adiante. Um dos aspectos proibitivos, além do custo total e recorrente da obra, que pode ter sido subestimada, é que a paisagem da orla é tombada. Para superar o obstáculo, o projeto precisaria de aprovação e adequação no Conselho Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico, o Cepha.

Mas, assim como vem ocorrendo na esfera federal em outros conselhos técnicos, o Cepha tem sido alvo de forte ingerência política e empresarial por parte do Governo do Paraná e de seus aliados políticos. Caso a “boiada de Salles” no Conama estivesse vigorando, o caminho para o empreendimento estaria ainda mais livre, afinal, a ocupação e o desmatamento nessas áreas de preservação ambiental estariam permitidos.


Marcos Corrêa/PR

Megaprojetos inúteis para combater a maior crise do século

Entre outros projetos faraônicos almejados pelo governo de Ratinho Jr. e sua equipe, (que, aliás, descende, em boa parte, do secretariado do ex-governador Beto Richa), estão uma ponte estaiada sobre a Baia de Guaratuba e a “Faixa de Infraestrutura”. Coincidência ou não, ambos projetos vêm da gestão Richa e também estão no litoral do estado. Além de seus gigantescos impactos ambientais, juntas, essas obras custariam bilhões aos cofres públicos. Um montante de dinheiro bem significativo para obras não essenciais, em meio a uma crise sanitária e econômica histórica.

Só a questão da Faixa de Infraestrutura, por exemplo, já consumiria inicialmente pelo menos meio bilhão de reais (em valores atualizados) e tem sido alvo de inúmeras complicações e denúncias que nos remetem, novamente, a Richa, padrinho político de Ratinho Jr. O empreendimento está envolto no recente escândalo envolvendo o empresário João Carlos Ribeiro e o ex-presidente Fernando Collor. Tudo indica que a evolução do projeto no estado do Paraná deu-se pela “amizade” entre Richa e João Carlos Ribeiro, detentor de terras em Pontal do Paraná. O objetivo do empresário? Construir um porto em frente ao Parque Estadual e à Reserva Biológica da Ilha do Mel. A posse das terras em Pontal do Paraná, nas quais seria feito o porto, está envolta em uma série de denúncias e ações que tramitam na Justiça.

Relações suspeitas

A aproximação entre Bolsonaro e Ratinho Júnior é notória desde a campanha das eleições de 2018, na qual um apoiou o outro. A relação entre os dois ficou ainda mais evidente quando Ratinho foi o único governador a acompanhar a missão oficial brasileira aos Estados Unidos ao lado de Jair Bolsonaro em 2020. Essa boa relação pessoal influi diretamente no andamento e nas proposições de políticas públicas.


José Fernando Ogura/ANPr

Em abril deste ano, o ministro Salles assinou o despacho 4.410/2020, que estabeleceu a predominância do Código Florestal sobre a legislação específica da Mata Atlântica, que é a mais protetiva ao bioma. Na prática, a medida permitiria a consolidação de ocupações ilegais e desmatamentos em áreas de preservação permanente (APPs), anistiando a ação de desmatadores no bioma mais ameaçado do Brasil. A pressão para essa medida do governo federal partiu da Federação da Agricultura do Estado do Paraná (Faep) e da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Após ação do Ministério Público Federal em conjunto com Ministério Público do Estado do Paraná, a medida foi revogada, em junho deste ano.

Ocorre que a Faep possui grande influência e acesso ilimitado ao governo do Paraná. São diversas as situações que evidenciam essa realidade. Em abril deste ano, por exemplo, o secretário de Desenvolvimento Sustentável, Marcio Nunes, participou de uma live da Faep denominada de “Descomplicando os temas ambientais no Paraná”. O presidente da Faep (uma associação privada), Agide Meneguetti, tem tamanha força no governo, que se aproxima do status de um secretário de Estado. De fato, a importância do agro paranaense é grande, e se faz perceber no nível federal, seja através da bancada ruralista ou seja por meio das políticas públicas priorizadas por Ratinho Jr.

Tal pai, tal filho: “tuto in famiglia”

Na agenda oficial do presidente Bolsonaro, constam quatro encontros com o apresentador Ratinho – pai do governador do Paraná. Entre essas reuniões, estão entrevistas, visitas e almoços. “Ratinho pai” é um apoiador público do Bolsonaro e chegou a ser contratado para fazer merchandising da reforma da Previdência em 2019. A afinidade entre os clãs Bolsonaro e Ratinho é tanta que um programa do governo federal foi lançado no Palácio Iguaçu, sede do governo do Paraná, em 30 de abril do ano passado. “O Ministério do Meio Ambiente lançou na manhã desta terça-feira (30), em Curitiba (PR), o Programa Nacional Lixão Zero”, diz a nota oficial do Ministério do Meio Ambiente. Estavam presentes o governador Ratinho Júnior, o secretário Marcio Nunes e o ministro Ricardo Salles.


Apresentador foi garoto propaganda da Reforma da Previdência federal enquanto o filho fazia a mesma coisa no Paraná / Isac Nóbrega/PR

Estabelecimento de uma agenda conjunta

Logo no começo do mandato de Ratinho e Bolsonaro, uma agenda conjunta foi estabelecida entre os governos. Isso ocorreu em evento que celebrou 80 anos de criação do Parque Nacional do Iguaçu, realizado em janeiro de 2019. “Não é lógico ter tantas belezas naturais, como as Cataratas do Iguaçu, a Ilha do Mel, as cachoeiras de Prudentópolis e as ilhas da baía de Paranaguá e não contar com uma infraestrutura adequada para os turistas”, afirmou Ratinho, que estava acompanhado do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.

Na oportunidade, o ministro afirmou que o governo do Paraná tem uma proposta moderna para a área ambiental, que receberá todo apoio da esfera federal. “Estamos criando uma agenda comum com o Paraná, 100% apoiada pelo presidente Jair Bolsonaro, com foco no ‘destravamento’ de investimentos para o turismo, conservação e licenciamentos ambientais fundados em questões comprovadas tecnicamente, sem ideologias e explicações dogmáticas”, disse Salles.

Ele ainda revelou que o Ministério do Meio Ambiente “trabalhará em parceria com o Governo do Estado para solucionar alguns impasses, como a construção do Porto de Pontal do Paraná, que há anos vem sendo discutida”.


Governador Carlos Massa Ratinho Junior recebe o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles / Rodrigo Félix Leal/ANPr

Apoio à mutilação do Parque Nacional do Iguaçu

Bolsonaro e Ratinho Jr. também já anunciaram publicamente apoio à reabertura da chamada “Estrada do Colono”, uma rodovia em meio ao Parque Nacional do Iguaçu, uma polêmica encerrada, cuja ação já foi tramitada em julgado. Mas interesses eleitoreiros locais da região de Foz do Iguaçu, partindo do deputado federal Vermelho (PSD – partido de Ratinho Jr.), reascenderam a polêmica, numa nova e nefasta tentativa de retrocesso ambiental.

Vermelho, que é empresário e dono de uma fábrica de asfalto na região, conta com o inusitado apoio do senador Alvaro Dias (Podemos-Pr). O projeto de lei (7.123/2010) propõe a criação de uma nova categoria de Unidade de Conservação: o de estrada-parque. Essa verdadeira “improbidade legislativa”, proposta por Vermelho para atender interesses muito particulares, significaria mudar a legislação federal, possibilitando a abertura de outras estradas em todas as unidades de conservação do país.

Dadas as costumeiras faltas de fiscalização e controle em nossos parques, os danos seriam incalculáveis e irreversíveis. O Parque Nacional do Iguaçu, por exemplo, concentra a última grande área de Mata Atlântica de interior que ainda existe no sul do Brasil, abrigando 550 espécies de aves, dezenas de répteis e mais de 120 mamíferos. É o único refúgio protegido de onça-pintada no Sul do país.

Em fevereiro deste ano, Ratinho Júnior disse que “eu acho que se a gente avançar no Senado, e da minha parte tem total apoio, avançando a gente pode discutir uma forma muito clara com a sociedade”. Bolsonaro, na mesma toada, já tinha afirmado, em maio do ano passado, que “a Estrada do Colono, se depender de nós, a licença ambiental vai ser dada. Ajuda a desenvolver até o turismo nessa área. O que a gente puder fazer pelo Paraná e pelo Brasil a gente vai fazer, sem qualquer entrave”.

Na próxima reportagem: “Políticas 'ambientais' baseadas em politicagem e greenwashing” e “Torres de transmissão e reuniões secretas”. A série de reportagens é uma parceria Porém e Observatório de Justiça e Conservação, que o Brasil de Fato Paraná reproduz na íntegra.

Edição: Lia Bianchini