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Uma polêmica: A culpa é do povo?

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O problema dessa abordagem, tão comum também entre a militância média e formadores de opinião progressistas, é que ela desarma e confunde - Pedro Carrano
Deixa-se de analisar que as eleições são a ponta de um processo

“Mas não seria
mais simples
dissolver o povo
e escolher outro?”, Bertolt Brecht, 1953



No balanço rápido das eleições municipais foi comum encontrar uma mesma ideia estranha e incômoda em vários militantes e escritores com capacidade de influência.

Uma certa responsabilização dos trabalhadores pelo resultado numericamente adverso para os partidos de esquerda. Como sabemos, em vista do crescimento do centrão e de partidos da direita tradicional, além das derrotas no segundo turno onde houve disputa com a esquerda, à exceção de Belém.

No calor dos resultados, apesar das expressões reconhecidas de resistência que surgiram em algumas capitais e principais cidades, algumas palavras agitativas foram de decepção contra aquilo que seria aparente traição da população pobre contra os seus próprios interesses.

No caso até de Curitiba, por exemplo, agora a cada denúncia contra a velha/nova gestão de Rafael Greca repete-se o bordão: “Os 60% que votaram em Greca”, numa forma de cobrança que ao fim e ao cabo tem pouco resultado.

Fernando Horta, historiador conhecido por textos que decifram a ascensão (neo) fascista no país, logo após o resultado das eleições municipais, escreveu nas suas redes sociais:

"Ahhhh mas você está culpando o povo, então?"

Primeiro não existe "povo". O que você está usando é uma palavra que faz uma generalização sem nenhuma base empírica. E sim, estou culpando as pessoas que votaram (e quem mais?). Todas, tinham escolha, tinham informação, tinham meios para mudarem suas vidas e escolheram continuar mugindo feito gado ...
E nisso, nem o romantismo de uma esquerda pseudo-leninista pode questionar”


O problema dessa abordagem, tão comum também entre a militância média e formadores de opinião progressistas, é que ela desarma e confunde sobre quais são os desafios das organizações e partidos de esquerda no próximo período. É um comentário estanque, que não deixa perspectivas.

Tampouco ajuda num balanço correto da estratégia da esquerda e as lacunas deixadas nas últimas décadas.

Deixa-se de analisar que as eleições são a ponta de um processo e há trabalhadores que podem, por várias razões, ter tido neste período um voto conservador, algo bastante comum nas eleições locais, no entanto podem ser convencidos a tomar parte em lutas e, a partir daí, avançar em um processo de conscientização.

Não se analisa também o poder dos aparelhos de mídia empresarial e, no caso de eleições locais, o papel que personalismo, a cultura clientelista instalada nas periferias, a pressão das máquinas públicas sobre servidores e sobre associações de bairro, o papel e a forma como as candidaturas conservadoras usam as redes sociais.


Contra isso, está evidente que as organizações de esquerda precisam de unidade, enraizamento, compromisso e confiança com o povo em seus territórios, construção de comunicação popular, unidade campo e cidade, cooperativismo, unidade sindical e popular, contribuindo também em ações que apoiem a organização e geração de renda.

Obviamente, não se trata de sugerir uma receita apenas voluntarista, uma vez que o impacto da crise entre os trabalhadores não gerou até o momento reações gerais, mas é um processo onde o fator da própria experiência da classe trabalhadora é decisivo.

Porém, parece mais fácil e cômodo esperar o apertar do botão eleitoral.

Além disso, a classe trabalhadora, sem ter tido uma experiência organizativa e de convocatória às lutas durante os governos de Lula e Dilma, foi atirada, desde 2015, com tudo nas consequências da crise e logo vieram os ataques que a colocaram na defensiva: o golpe de 2016, as terceirizações, a PEC do teto dos gastos, congelando investimentos em Saúde e Educação, a prisão de Lula, a desconstrução midiática contra o PT, e a sua perseguição nas eleições de 2018, a ascensão de Bolsonaro já no início de 2019 travando uma guerra contra os setores da cultura, universidades, contra movimentos do campo, indígenas, quilombolas, etc.

Desde 2016 é fato que as mobilizações caíram, bem como a capacidade dos setores mais estruturados de realizar greves.

Se as organizações de esquerda no Brasil, como um todo, sofreram uma derrota de caráter estratégico, a partir do golpe contra a presidenta Dilma (PT), é necessário que se faça um balanço das lacunas deixadas no período em que a esquerda esteve no governo. E, ao mesmo tempo, aponte quais são os desafios capazes de realmente alterar a correlação de forças na sociedade. Sem esse processo – distante da ‘auto-crítica’ cobrada pela mídia empresarial -, mas necessário, será difícil um avanço.
Mas o retrato que se faz é estanque, como esse da grande cronista e militante Elika Takimoto:

Dito de outra forma: o povo brasileiro historicamente é conservador e de direita. Confia em Deus e no patrão e veem em ambos uma oportunidade. Defende a PM e ataca a ciência. Ou defendem os dois e desprezam a história”, afirma.

Aqui valeria um contraponto à nossa formação social e à caracterização que Florestan Fernandes faz da burguesia brasileira e do processo de formação histórica nacional.

É lógico que aqui não elenquei teses ou textos mais aprofundados para a crítica. Tratam-se de análises e comentários surgidos nas redes sociais, porém é fato que a opinião de influenciadores progressistas têm repercussão no cotidiano da militância média, gera confusões e reproduz o senso comum.

Os desafios para a esquerda estão postos.

Não adianta pensar apenas em um salto para 2022 sem o cumprimento das tarefas que contribuem para a mudança da correlação de forças na sociedade.

A esquerda tem condições de dialogar com a população trabalhadora a partir das suas condições de vida, que devem se tornar ainda mais alarmantes, deve seguir desgastando o governo Bolsonaro a partir dessa denúncia contra um programa privatizante.

Retomando: unidade, programa popular, comunicação popular e organização com atenção para a solidariedade e geração de renda são um caminho necessário.


 

Edição: Lucas Botelho