Paraná

Coluna

Cultivar Afetos, Derrotar a Violência

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Aos poucos, voltamos a organizar as mulheres nos territórios, com encontros, brincadeiras, jogos tradicionais - Josiane Grossklaus
Estamos falando de processo, de construção, de possibilidade de fazer diferente

Já se passaram quase oito meses desde o início da “quarentena” imposta pelo COVID-19. Recordo que chegávamos de Brasília, onde tínhamos realizado, nos primeiros dias de março, o Encontro Nacional das Mulheres Sem Terra.

Aquele encontro, com mais de 3000 mulheres, representou boa parte de tudo o que construímos, estudamos, sonhamos, conspiramos e caminhamos ao longo de mais de 36 anos de organização.

O mundo nunca mais seria o mesmo, e de fato não foi... mas por motivo diferente do que podíamos imaginar. Paralisadas, isoladas, dispersas... nunca havíamos ficado tanto tempo longe do povo, longe das ruas, longe das nossas formas de fazer política, luta e organizar o povo.

Porém, não levamos muito tempo para perceber, também, que esse isolamento social, nos havia colocado, enquanto mulheres, numa condição de exploração, violência e vulnerabilidade infinitamente maior. Era preciso agir.

Iniciamos a campanha “Mulheres Sem Terra: contra os vírus e as violências”, pois sabíamos que estávamos diante de um grande desafio, profundo e de longo prazo, que nos levaria a travar grandes batalhas pela luta em defesa das mulheres e contra o patriarcado, o machismo, o latifúndio, o agronegócio e o capitalismo, em todas as suas roupagens.

A campanha assumiu três eixos:

1- Combate à violência;

2- Auto conhecimento e Auto cuidados;

3- Promoção da Produção, da Cooperação e da Autonomia Feminina.

Em nossas primeiras ações de solidariedade nas cidades, aqui na região, quando levamos alimentos às comunidades em Londrina, nos deparamos com a realidade impactante da cidade: se soma a todos os nossos problemas e nossos dilemas como mães, avós, mulheres, chefes e família, trabalhadoras, ao fato de que lá, na cidade, estas sequer controlam a possibilidade de produzir parte de seu sustento e do sustento dos seus.

Sem terra, sem trabalho, sem renda, sem comida, sem saída. Cenário que seguramente se agravou até os dias de hoje, e que desde então, não saiu mais de nossos corações e mentes.

Aos poucos, voltamos a organizar as mulheres nos territórios, com encontros, brincadeiras, jogos tradicionais... momentos simples, mas com um efeito sobre a vida, a saúde emocional e coletiva de cada uma de nós, impressionante. Nesta mesma motivação, passamos a nos preparar para uma ação de solidariedade especial, que realizamos no dia 21 de novembro, com as mulheres da periferia de Londrina.

A elas levamos pouco mais de 300 cestas, seis toneladas de comida e afeto. É mais que reunir doações e entregar à quem precisa. Estamos preparando um diálogo, uma construção. Reunimos nossas mulheres, em cada acampamento e assentamento para pensar as cestas, o que teria em cada uma delas, artesanatos, plantas medicinais e ervas, alimentos... junto de cada cesta também tinha uma carta, feita a próprio punho pelas companheiras das comunidades, porque mais que levar, queremos estar com elas. Queremos que cada uma, ao receber a cesta, receba também nosso carinho e nossa força, nossa rebeldia e nosso apoio, para que saibam que juntas somos mais fortes, e acima de tudo, mais livres.

Por isso, não estamos falando de cestas, nem de solidariedade, nem de mulheres, ou mesmo de empatia: estamos falando de processo, de construção, de possibilidade de fazer diferente, por nós todas, porque vivas, livres e despertas nos queremos.

Edição: Pedro Carrano