Rio Grande do Sul

Combate à violência

Coletivo denuncia violência da Lei de Alienação Parental contra mulheres e crianças

Para Coletivo de Proteção a Infância Voz Materna a revogação da lei ajudaria reduzir a violência contra mulheres

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Ato pede revogação na Lei de Alienação Parental, em setembro de 2017 - Maia Rubim/Sul21

Criada em 26 de agosto de 2010, a Lei de Alienação Parental considera como ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este. Usada em disputas conjugais na Justiça brasileira, ela tem feito várias mulheres perderem a guarda dos filhos após denunciarem os pais das crianças por agressão ou abuso sexual. Os inúmeros casos fizeram com que um grupo de mães cria-se o coletivo Mães na Luta

Desde sua criação a referida lei tem gerado controvérsia entre advogados, psicólogos e outros especialistas da área. Para Alessandra Andrade e Sibele Lemos, do Coletivo de Proteção a Infância Voz Materna, a lei vem legitimando a violência contra mulheres e crianças, uma vez que em casos de violência doméstica, a medida protetiva de urgência para a mulher, em raros casos, é estendida às crianças. “O Brasil é o único país no mundo com uma lei que legitima esta ideologia, sem reconhecimento científico e que tem um caráter misógino e punitivo às mulheres/mães e efetivamente vem protegendo genitores agressores e abusadores, pois banaliza a violência doméstica familiar”, destacam. 

O Brasil de Fato RS conversou com as integrantes do Coletivo para debater os impactos da lei na vida das mulheres. Abaixo a entrevista completa

Brasil de Fato RS - Quais os reflexos da Lei de Alienação Parental (LAP) e que prejuízos ela traz para as mulheres? E também para as crianças?

Coletivo de Proteção a Infância Voz Materna - A Lei de Alienação Parental vem legitimando a violência contra mulheres e crianças, uma vez que em casos de violência doméstica, a medida protetiva de urgência para a mulher, em raros casos, é estendida às crianças. A mulher é obrigada a compartilhar a guarda com o agressor, manter o convívio da criança com o genitor/agressor, sendo ela ou a criança a vítima. Por exemplo, temos casos de MPU (Medida Protetiva de Urgência) que é concedida de segunda à sexta, para que aos finais de semana a mulher seja obrigada a manter o contato com o agressor para garantir as visitas paternas. 

Em relação às crianças, nos casos de suspeita de abuso sexual, quando relatadas pela mãe (que é com quem tem seu vínculo de afeto e segurança) e é feita denuncia, assim que ciente do fato, o genitor suposto abusador entra na Vara de Família com acusação de alienação parental reclamando o direito de convívio. Neste sentido, juízes e promotores da Vara de família, estes últimos que deveriam estar ali para proteger os mais vulneráveis, impõem a convivência sob coação e ameaça, desconsideram as investigações, provas, laudos, testemunhas da violência que a criança vem sofrendo, de quem conhece a dinâmica do abuso e toda a dificuldade de comprovação, em especial, quando não deixam marcas físicas (e esta é a maioria das denúncias). 

Não é considerado o testemunho da criança, que é convertido em implantação de falsas memórias feitas pela mãe (que é louca e vingativa), sendo que o Brasil apresenta subnotificações dos casos de abuso sexual que chegam a 10% da realidade (segundo a Childwood). Em consequência, muitas denúncias são simplesmente desconsideradas, mantém-se o convívio e alguns casos (número expressivo) é revertida a guarda para o suposto abusador, com a falsa guarda compartilhada fixando a residência paterna. Ou seja, a criança que conta da violência que sofre ela é duplamente punida, passa a conviver mais com o seu abusador e é privada do convívio materno. A mulher também sofre diversas formas de violências, desde a violação do seu direito de romper o ciclo de violência com o agressor, direito de proteger suas filhas e de exercer a maternidade, tudo legitimado e potencializado por esta lei. 

BdFRS - Dia 25 é o Dia Mundial de Combate à Violência contra a Mulher. Nesse contexto, como a LAP pode ser considerada violência de gênero contra mulheres e representar risco às crianças? 

Coletivo - Temos a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6273, apresentada no STF em dezembro de 2019, elaborada pela Associação de Advogadas pela Igualdade de Gênero, pautada na inconstitucionalidade da Lei de Alienação Parental pela violência e discriminação de gênero, estudo feito a partir de estudos de decisões judiciais, especialmente do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, onde foram analisados mais de 400 acórdãos. Percebe-se assim o caráter punitivista desta lei, que visa silenciar mulheres e crianças e desqualificar as denúncias de violência. 

A mulher também sofre diversas formas de violências, desde a violação do seu direito de romper o ciclo de violência com o agressor, direito de proteger suas filhas e de exercer a maternidade, tudo legitimado e potencializado por esta lei. 

A LAP é violência de gênero por ser punitiva exclusivamente com mulheres, homens acusados não recebem as mesmas decisões processuais, quando veda todas as possibilidades de acesso à Justiça, estimula a litigância abusiva, propicia aos acusadores a abertura de outras possibilidades processuais que possam ser usadas para punir e silenciar esta mulher como, a partir do processo de alienação parental, tornar a denúncia de violência nula e dar causa a processos de danos morais, denunciação caluniosa, etc. Tudo com o aval do Judiciário e omissão do Estado que tem sido extremamente falho no acolhimento de denúncias, principalmente de violência sexual, quando a origem é dentro da família. Observa-se uma grande preocupação do Estado em proteger a propriedade privada da família, ignorando os precedentes, histórico e o próprio valor da vida destas mulheres e crianças. Que acabam sofrendo violência institucional, emocional, psicológica e patrimonial, já que as vítimas se tornam rés e precisam arcar com todos os gastos processuais da, agora, sua defesa.  

Em um estudo que realizamos, das decisões judiciais do TJRS em segunda instância das jurisprudências com a pesquisa das palavras “alienação parental” nos anos de 2019 e 2020, pesquisamos 118 decisões e nos deparamos com 107 decisões com acusações de alienação parental contra mulheres/mães, muitas feitas nos processos pelos representantes dos agressores, um número importante declarado pelos(as) magistrados(as) e poucos com laudo de psicólogas, inversões de guarda para o genitor, algumas com laudos sobre abuso sexual e que foram desconsiderados. 

O que é questionável, um laudo para detectar algo que não apresenta uma referência teórica confiável. Questionável também é o fato de que, nas perícias em que visam estabelecer a existência, ou não, de violência ou alienação parental, os profissionais nomeados para tal, sequer possuem formação em violência de gênero e abuso sexual, mas todos(as) possuem formação, extremamente rasa, em alienação parental. 

Qual a imparcialidade deste laudo? Como poderiam se identificar sinais de violência, sem qualquer preparação para tal? Poderia-se então falar que uma acusação de alienação parental já vem com a condenação atrelada. E ainda há que se considerar o mercado que se criou com este dispositivo legal, a indústria de laudos, que podem custar perto dos 40 mil reais, que em muitos casos são copia e cola de “tabelas” Gardneristas, tendo só o nome das partes modificado.

BdFRS - Teoricamente a LAP deveria proteger crianças e adolescentes da influência psicológica e da construção negativa da imagem de um dos genitores quando acontece, por exemplo, a separação do casal. Como de fato ela tem sido aplicada, como ela vem sendo utilizada? 

Coletivo - Nos nossos estudos, e de várias associações de caráter médico, jurídico e social, principalmente na Europa, e Américas, a alienação parental não existe, porque este termo foi criado pelo médico estadunidense Richard Gardner, que criou esta ideologia com o propósito de silenciar as denúncias de violência, naturalizar o abuso sexual intrafamiliar e proteger abusadores. Este conceito, alienação parental ou síndrome da alienação parental, trata-se da opinião pessoal deste médico, a partir das observações dos seus atendimentos particulares. 

Não existe no mundo reconhecimento científico destas ideias, portanto, trata-se de um reforço de estereótipos contra as mulheres vingativas, loucas, alienadoras e histéricas. Nega a realidade das relações familiares que, é sim, em sua maioria assustadora, violenta. Não existe possibilidade de aplicação de uma lei que apresenta uma fundamentação questionável. Precisamos aplicar o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, que estudamos, e verificamos constar todas as previsões legais que a “Lei de Alienação Parental” diz trazer, na verdade não traz nada de novo na garantia de direitos e proteção a crianças, que já constam em diversos artigos do ECA. Inclusive, fizemos um quadro comparativo destes artigos, a Lei de Alienação Parental apenas atribui poder ao sistema Judiciário de punir mulheres/mães.

Portanto a LAP não apresenta utilidade no sistema de garantia de direitos das mulheres e crianças, e precisa ser revogada com urgência. Em resumo, a LAP tem sido usada exclusivamente como estratégia de defesa de agressores, abusadores, controladores que, mesmo após a separação exigem que a ex-mulher mantenha um espaço dentro das suas vidas e até para caso de dívidas de alimentos.

BdFRS - O Projeto de Lei 6371/2019 busca a revogação da LAP, qual a importância de que isso ocorra?

Coletivo - Atualmente temos os  Projetos de Leis (PLS) 498/2018, no Senado, e o PL 6371 de 2019, na Câmara dos Deputados, pela revogação da LAP. E ainda, a Adi 6273 da AAIG, baseada na violência de gênero, considerando as pesquisas brasileiras sobre a violência doméstica e familiar que apontam que o lar é o lugar mais perigoso para as mulheres, que o Brasil é o 5º país em número de feminicídios, somos acusadas de fazer denúncias falsas e de alienadoras e, nas pesquisas sobre violência sexual contra crianças, apontam que os registros representam dados subnotificados. 

A pesquisa do Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde nº 27 v.49 de 2018, realizada de 2011 a 2017, período de vigência da LAP, sobre as denúncias de abuso sexual, aponta que o maior número de vítimas estão entre 1 e 5 anos, o maior perpetrador está próximo da família, na residência, é do sexo masculino e tem vínculo com as vítimas e continuam decidindo pela acusação de alienação parental contra a mãe por apresentar falsas denúncias. A revogação desta lei significa reduzir mais uma ferramenta legal que legitima a violência contra mulheres e crianças e anula todos os dispositivos verdadeiros e científicos de proteção e garantia de direitos humanos.

BdFRS- Recentemente o Coletivo fez uma denúncia para a ONU CEDAW, do uso da Lei de Alienação Parental (lei 12318 de 2010) no Brasil. O que consiste essa denúncia? 

Coletivo - No mês de outubro fizemos uma denúncia ao GT da CEDAW que avalia as ações do Brasil, onde relatamos a violência de gênero que vivemos com uso da Lei de Alienação Parental (12318/2010). O Brasil é o único país no mundo com uma lei que legitima esta ideologia, sem reconhecimento científico. Ela tem um caráter misógino e punitivo às mulheres/mães e efetivamente vem protegendo genitores agressores e abusadores. Além de banalizar a violência doméstica familiar e os abusos sexuais intrafamiliares, um vez que as denúncias de violência são revertidas em acusações de alienação parental e as investigações das denúncias de violências são desconsideradas e até arquivadas. Esta denúncia foi acolhida e consta nas perguntas e questionamentos ao Brasil.


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Edição: Katia Marko