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Memórias de Auschwitz e o autoritarismo no Brasil

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Mais de um milhão de judeus foram mortos em Auschwitz, campo de concentração nazista localizado na Polônia
Mais de um milhão de judeus foram mortos em Auschwitz, campo de concentração nazista localizado na Polônia - Foto: Yad Vashem
A obra dos pensadores da escola de Frankfurt é ampla e merece ser visitada ou revisitada

“A exigência que Auschwitz não se repita é a primeira de todas para a educação. De tal modo ela precede quaisquer outras que creio não ser possível nem necessário justificá-la. Não consigo entender como até hoje mereceu tão pouca atenção. Justificá-la teria algo de monstruoso em vista de toda monstruosidade ocorrida. Mas a pouca consciência existente em relação a essa exigência e as questões que ela levanta prova que a monstruosidade não calou fundo nas pessoas, sintoma da persistência da possibilidade de que se repita no que depender do estado de consciência e de inconsciência das pessoas. Qualquer debate acerca de metas educacionais carece de significado e importância frente a essa meta: que Auschwitz não se repita”.

Esse texto é a introdução de uma palestra realizada em 1965 por Theodor Adorno (1903 - 1969), filósofo, sociólogo e compositor alemão que contribuiu intensamente nos estudos sobre a natureza humana e a possibilidade das tragédias coletivas como o estado nazista do qual foi vítima.

Durante a segunda guerra mundial, junto com colegas pesquisadores da Escola de Frankfurt, se exilou nos Estados Unidos.
A obra dos pensadores da escola de Frankfurt é ampla e merece ser visitada ou revisitada nos dias atuais em que a intolerância e o pensamento autoritário grassam cada vez mais no Brasil e no mundo.

Aproveito o contexto político, social e educacional brasileiro e paranaense para tecer considerações que considero importantes à luz do alerta de Adorno, que a barbárie nazista não fosse retomada, jamais.

Participei ativamente das eleições de 2010 e um fenômeno social me chamava a atenção naquele período, um viés autoritário, bastante presente na negação da política e no comportamento autoritário principalmente em setores da juventude, mais precisamente identificados com a campanha de Marina Silva.

Lembremos que, rompida com o PT, a então senadora transbordou uma campanha marcada no ressentimento e negação da política. Naquele contexto me inquietava com a possibilidade de que o Brasil retomasse uma característica de ditadura, dessa vez, não pelos tanques do exército ocupando as ruas, mas pelas urnas.
A mesma característica reapareceu nas manifestações de massa ocorridas em 2013. Lembremos que bandeiras representativas das instituições, como partidos ou dos movimentos sindicais ou populares, foram rechaçadas com violência. Aquele movimento de negação da política estimulou a ampliação de uma renovação política de característica conservadora e autoritária tanto no âmbito nacional, como nos estados e municípios nas eleições de 2014, 2016 e 2018.

Uma combinação de fatos e acontecimentos contribuíram para a formação do atual quadro conjuntural brasileiro:
A negação do reconhecimento da vitória da reeleição da presidenta Dilma, por parte do PSDB, na figura patética de Aécio Neves, foi a senha principal para a formação do ambiente que culminou no golpe de Estado de 2016. Ancorado pela eleição do deputado Eduardo Cunha para presidente da câmara dos deputados, o capitalismo brasileiro viu a chance de alavancar seus interesses e capturou as massas nos movimentos de rua, em que o pato amarelo simbolizou a manipulação da psicologia das massas, conceito da psicanálise também aproveitado por Adorno, na análise do apoio massivo angariado pelo nazifascismo. A cultura ‘justiceira’ da Operação Lava Jato', a inserção de empresários no patrocínio de “novos políticos”, a crítica severa de desconstrução dos serviços e servidores/as públicos, a manipulação da fé por movimentos neopentecostais teceram a trama da atual condição social, bastante perturbadora no país.
Ao período de golpe se seguiu a eleição de 2018 na qual a polarização PT/PSDB foi derrotada pelo surgimento de uma via que aprofunda todo o avanço do pensamento autoritário ao qual Adorno se referia. Sim, o bolsonarismo ascendeu ao poder político não pela afirmação de um programa para o país, mas sim, pela negação de valores humanistas.
Nesse contexto a preocupação com a governança autoritária presente no aprofundamento da exaltação às armas, a militarização das escolas, a desregulamentação de direitos sociais, as privatizações, terceirizações e o predomínio do livre mercado na política merece reflexão e desafios nas escolhas de rumos da sociedade brasileira.
No Paraná, os valores do autoritarismo avança a passos largos, haja vista a forma como o programa de militarização intitulado escolas cívico militares foi imposto em verdadeiro golpe sobre as comunidades escolares. Assim sendo, não podemos descartar a atualidade do alerta feito há 55 anos por Adorno: Impedir a retomada da barbárie deve ser a principal tarefa de mulheres e homens que almejam uma sociedade democrática e humanizada. A possibilidade de uma repetição dos campos de concentração pode não se dar daquela mesma forma, lembremos da assertiva de Marx, em “18 de Brumário de Luís Bonaparte”, também estudado pelos pensadores da escola de Frankfurt. Dizia Marx que a história se repete, a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa.
Defender um currículo escolar que promova uma formação humanista e forme consciência critica, impedir que a imposição autoritária impeça a ação massiva de busca da autonomia e autodeterminação popular é o principal desafio deste período histórico para a educação e para a sociedade brasileira.

Edição: Pedro Carrano