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Os ventos do Norte e os povos que movem moinhos

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A eleição de Biden/Harris nos Estados Unidos carrega uma resposta contundente no combate ao racismo - Foto: Stephen Maturen/AFP
As escolhas dos povos representa uma resposta objetivamente contrária à orientação econômica baseada

E o que me importa é não estar vencido
Minha vida, meus mortos, meus caminhos tortos,
Meu sangue latino,
Minha alma cativa
”, João Ricardo e Paulinho Mendonça

 

Escrevo este texto na tarde em que foi anunciada a vitória da chapa Joe Biden e Kamala Harris na eleição presidencial estadunidense.

Essa vitória, ainda que possa não representar o fim da onda do populismo autoritário que avançou mundo afora na última década representa uma sinalização muito importante.

No caso americano, o atual presidente e candidato derrotado, Donald Trump, era tido como favorito até o início deste 2020, e viu sua popularidade baseada em crescimento econômico desmontar-se ante o efeito avassalador da pandemia e da violência policial contra os/as negros/as.

O comportamento negacionista diante do avanço da tragédia de mais de 236 mil óbitos e o vínculo com o comportamento miliciano da cultura racista policial fez regiões historicamente apoiadoras dos republicanos migrar para a retomada democrata na presidência da potência imperialista.

A vitória da chapa composta por um homem democrata branco e uma mulher negra, filha de pai jamaicano e mãe indiana, é uma simbólica resposta contundente contra os valores morais do racismo, misoginia, machismo e xenofobia escancarados no comportamento genocida de Trump.

Para o cenário brasileiro, é uma profunda derrota para o presidente Bolsonaro (sem partido), e seu conhecido ‘vira-latismo’ expresso no comportamento de subalterno admirador do trumpismo.
Porem, nesses tempos os ventos mais inspiradores, é sem dúvida a retomada democrática na Bolívia. A vitória retumbante do economista Luis Arce do Partido Movimento ao Socialismo (MAS) representa o fim de um curto verão golpista da direita sustentada pela elite boliviana.

Há um ano a então senadora Janine Áñez, segunda vice-presidente do senado, autoproclamou-se presidente no vazio do exílio de Evo Morales, forçado a deixar o país ante a violência imposta pela direita autoritária que não aceitou o resultado eleitoral.

A senadora de bíblia (ao invés da Constituição), nas mãos tomou o palácio e pretendeu sim organizar a permanência da elite no poder. Porém, a maioria do povo que, durante os mandatos de Evo Morales, conheceu a possibilidade de avanços e então se rebelou. O reconhecimento da vitória em primeiro turno do candidato socialista representa uma resposta que deve servir de inspiração à maioria do povo brasileiro.

A vitória chilena por uma nova Constituinte que substitua a atual redigida pelos valores do livre mercado, a doutrina da ditadura civil/militar também é uma vitória da maioria do povo sofrido do Chile.

É importante, no entanto, refletir a longa demora de se propor uma nova constituição no Chile, onde desde 1990 ocorrem eleições livres. Mesmo os governos da progressista Michelle Bachelet não logrou alterar os rumos da constituição. Foi preciso o aprofundamento da miséria do povo, sufocado pelos valores do neoliberalismo, aplicado por mais de 40 anos, para que a indignação popular ocupasse as ruas.

Só após o derramamento de sangue com ao menos 26 mortos, e muitos feridos/as nos olhos pela polícia nas ruas de Santiago, para que o presidente direitista Sebastián Piñera, desgastado e com queda na sua aprovação, anunciasse a realização do plebiscito para a instalação de uma nova constituinte.
No mesmo contexto de mudanças cabe registrar a importante escolha do povo argentino que despachou o empresário Mauricio Macri do poder central reconduzindo as lideranças de Alberto Fernández e Cristina Kirchner ao poder.

As escolhas dos povos da Argentina, Bolívia e Chile, bem como a resistência venezuelana, representam uma resposta objetivamente contrária à orientação econômica baseada no livre mercado.

A eleição de Biden/Harris nos Estados Unidos carrega uma resposta contundente no combate ao racismo, machismo, à negação da ciência e a necropolítica representados fortemente na figura patética de Trump.

Para nós, brasileiros, submetidos a um governo de caráter semelhante aos valores desumanos da era Trump e de condução econômica inspirada na constituição da ditadura chilena (Paulo Guedes atuou no apoio ao desastroso modelo econômico da ditadura chilena), essas quatro vitórias de caráter progressistas devem servir de reflexão e aprendizado político e inspiração para uma rápida virada de página histórica em nosso Brasil.

Edição: Pedro Carrano