Paraná

Histórico da luta

Artigo | Visibilidade Lésbica

Orgulho e visibilidade lésbica são evidenciados todos os dias, para além de datas comemorativas.

Curitiba (PR) |
Promover a visibilidade lésbica e exigir o reconhecimento de suas subjetividades constituem-se em estratégias de resistência e práticas de liberdade - Reprodução

O Dia Nacional da Visibilidade Lésbica foi instituído por ativistas lésbicas brasileiras a partir da realização do 1° Seminário Nacional de Lésbicas – SENALE, em 29 de agosto de 1996. Esse seminário foi organizado por duas lésbicas negras: Neusa das Dores e Elizabeth Calvet. Instituir esse dia como um marco para a luta pela visibilidade das pautas importantes para as lésbicas resgata uma história de apagamentos e silenciamentos aos quais nossos corpos, práticas e experiências lesbianas estão sujeitas cotidianamente.

No movimento nacional LGBT, por exemplo, ao longo da história, é possível perceber investimentos de poder feitos, a todo momento, pelos homens gays cis e brancos, para estabelecer uma tutela dos corpos lésbicos.

Isso aconteceu também na 1ª Conferência Nacional GLBT, realizada em 2008, em Brasília, no Distrito Federal. Sob o tema “Direitos Humanos e Políticas Públicas: o Caminho para Garantir a Cidadania de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais”, a conferência discutiu várias questões importantes para a plena cidadania da população de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais.

No entanto, logo após a abertura, a Liga Brasileira de Lésbicas – LBL, articulação de lésbicas feministas, articulou e propôs que a sigla oficial do movimento fosse repensada, pois lésbicas se constituem em alvo de preconceito e discriminação por serem lésbicas (a lesbofobia), e ainda por se reconhecerem como mulheres (pelo machismo e misoginia).

A discussão foi tensa e hostil por parte de muitas organizações, majoritariamente compostas por gays, cis e brancos. Depois de vários debates, e em meio a descontentamento e protestos, com uma votação, a sigla oficial passou de GLBT para LGBT, o que explicitou a resistência do denominado movimento GGG em relação às questões das lesbianidades.

Assim, embora os movimentos lésbicos venham denunciando há algum tempo a invisibilidade, o apagamento, o silenciamento e o aniquilamento das subjetividades lésbicas no Brasil, é possível perceber que tais práticas colonizadoras ainda permanecem e fazem parte do cotidiano dessas mulheres. Com isso, promover a visibilidade lésbica e exigir o reconhecimento de suas subjetividades constituem-se em estratégias de resistência e práticas de liberdade.

Corpos lésbicos constituem-se em intersecções de gênero, expressão de gênero, orientação sexual, classe, raça, etnia, geração, deficiência, dentre muitas outras possibilidades que um olhar interseccional possibilita. Nesse sentido, a partir de uma análise interseccional, percebemos que as lésbicas, assim como qualquer outro segmento, não constituem um bloco homogêneo e, conforme forem performando marcadores sociais da diferença, menos seus corpos são valorizados na sociedade ocidental. São corpos que ocupam posições de sujeito que as aproximam do campo da abjeção, do inumano, do descartável e do inferiorizado. Essas posições de sujeito produzem, sustentam e mantêm o mecanismo violento da lesbofobia institucional funcionando.

Marcos históricos na luta

Como todo mecanismo de funcionamento do poder produz também resistências. Outra data importante, o dia 19 de agosto foi lançado como o Dia Nacional do Orgulho Lésbico, demonstrando que as lésbicas existem, resistem e se orgulham de seus corpos, experiências e práticas! Essa data compôs a trajetória do movimento social lésbico brasileiro a partir de 2003, quando a ativista lésbica Roseli Roth foi suicidada, como problematiza Suane Soares, uma das autoras do primeiro Dossiê do Lesbocídio no Brasil, publicado em 2018.

Roseli esteve no levante do Ferro’s Bar, em São Paulo, no ano de 1983, episódio chamado de pequeno Stone Wall brasileiro. Nesse acontecimento, ativistas lésbicas negras e brancas enfrentaram a postura lesbofóbica dos donos do bar, que as expulsaram e impediram de entrar no bar, porque elas estavam divulgando e vendendo um boletim informativo chamado "Chana com Chana", no qual tratavam das lesbianidades. Essas mulheres, entretanto, frequentavam esse espaço há muito tempo, inclusive contribuindo financeiramente para o sustento do lugar, e articularam um levante, com a ocupação do bar, em meio ao apoio de diversas pessoas e organizações. A partir disso, um dos donos do Ferro’s Bar se comprometeu a não mais censurar suas práticas. Ainda que não ignoremos que essas lésbicas se situavam em uma rede de privilégios, por serem na sua maioria brancas e de classe média alta, esse foi um acontecimento importante para a história do movimento lésbico brasileiro.

Assim, tanto o orgulho lésbico, quanto a visibilidade lésbica constituem-se em marcos históricos fundamentais para essas sujeitas e são muito mais do que práticas sexuais. São questões do campo político e epistemológico! A posição de sujeita política lésbica ou sapatão é uma atitude questionadora frente ao mundo pensado compulsoriamente de forma patriarcal, heterocisnormativo, branco, elitista e cristão. Orgulho e visibilidade lésbica, portanto, são evidenciados todos os dias, para além de datas comemorativas.

A Liga Brasileira de Lésbicas (LBL) e a Rede Nacional de Ativistas e Pesquisadoras Lésbicas e Bissexuais (Rede LésBi Brasil) saúdam todas as lésbicas e todas as sapatãooo nesse dia tão importante!!! E desejam que possamos viver nossos afetos, nossos direitos, nossos sonhos, nossos desejos livres de toda a lesbofobia, do racismo, do machismo, do elitismo, da transfobia e da intolerância religiosa, todos os dias de nossas vidas!!!

Desejamos que esse dia tão importante seja vivido todos os dias, porque visibilidade lésbica e sapatão está em nossos corpos, desejos, no ativismo, nas pesquisas da academia, na maternidade lésbica - para quem deseja -, na rua, nas redes, nos locais de trabalho, nos grupos de estudos e discussões sobre racismo e branquitude, na solidariedade das campanhas de doações em meio a pandemia, e fora dela, nas memórias lésbicas, em saudar e reverenciar aquelas que vieram antes de nós!  

Léo Ribas é Articuladora Estadual da Liga Brasileira de Lésbicas – LBL PR - e Fundadora e Articuladora da Rede Nacional de Ativistas e Pesquisadoras Lésbicas e Bissexuais – Rede LésBi Brasil.

Edição: Lia Bianchini