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Nada é impossível de mudar

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Por mais que sigamos vivendo a violência desse vírus, não temos comoção nacional - Wellington Lenon
Em plena pandemia, expressão da catástrofe que é o sistema agroindustrial hegemônico no mundo

Em meio a um período aparente de tanta mudança e reflexão impostos pela pandemia da Covid-19, vemos pouco movimento de mudança que nos indique que estamos seguindo em um rumo diferente daquele que nos trouxe até aqui. Senti, assim, a necessidade de recorrer à poesia para buscar entender e ilustrar um dos comportamentos mais incômodos e recorrentes que temos vivido em nossa sociedade: a naturalização.

Já são mais de 115 mil mortos pela pandemia em nosso país. “E daí?” Essa pergunta, tão idiota quanto aquele que a proferiu, parece ecoar silenciosamente em nossas mentes. Por mais que sigamos vivendo a violência desse vírus, não temos comoção nacional. As vidas seguem, seja pelos que já se sentem fora do risco, seja pelos que se “cansaram”, ou mesmo por aqueles e aquelas que ainda que estejam na eminência de serem os próximos contaminados, não veem outra alternativa senão seguir lutando pela sobrevivência sua e dos seus.

A cada hora, quatro meninas com menos de 14 anos são violentadas no Brasil. “E daí?” Uma sociedade doente, que não zela da infância de nossas crianças, não é capaz de construir pontes sólidas para nosso futuro.

Em plena pandemia, expressão da catástrofe que é o sistema agroindustrial hegemônico no mundo, um movimento insano por voltar a liberar o uso do Paraquat (agrotóxico extremamente tóxico e letal). “E daí?” O Brasil lidera há anos o ranking dos países que mais consomem agrotóxicos no mundo, e temos envenenado assim, nossa população, nossos territórios e nossa biodiversidade.

“E daí” que precisamos extrapolar a lógica anestesiante e imobilizante do achar que é possível simplesmente não incomodar, não se sensibilizar, não se comover. Essa, que é uma lógica extremamente individualista e perversa, precisa ser rompida, para que se rompa assim um ciclo de opressão e alienação, naturalizado em nossa sociedade.

Então encerro, na poesia inteligente e crítica de Bertolt Brecht, a reflexão de hoje... bem incômoda, e nada natural... pois ‘nada é impossível de mudar’:

 

“Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo.

E examinai, sobretudo, o que parece habitual.

Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural nada deve parecer impossível de mudar”.

 

 

 

Edição: Pedro Carrano