Paraná

LITERATURA

Beco sem saída

O rapaz que tinha o sonho de voltar a estudar morreu na contramão atrapalhando o tráfico

Curitiba (PR) |
Renato Almeida de Freitas coloca em seus contos a dureza e a poética da realidade, de quem a vive e sofre suas opressões - Arte: Vanda Moraes

Na esquina da miséria com a tragédia se reúnem meia dúzia de jovens.

O funk na caixinha fala das bebidas mais caras nos lugares mais bonitos com as mulheres mais sedutoras. Um vai e vem que inveja os comerciantes da região.O mais novo, descalço e mancando vai até o carro que para. Tira a bucha da boca, pega o dinheiro. Uma moto, vai o gordinho ainda de luto pelo seu irmão mais novo que morreu afogado no rio, vende três pra fumar uma. E assim segue o revezamento até que se perdem na ordem:

- sai fora seu burro, não sabe contar não?

- burro é você cara, nem vem, toda hora quer passar a mão na minha cara, você viu que eu entreguei pro carro vermelho aquela hora, agora é minha vez!

- bem eu que sou burro né seu índio, não sabe nem falá e ainda tá querendo pagá de pá.

- firmeza, pode continuar assim... nem era mais pra você tá trabalho aqui cara, só dá prejuízo.

- se eu quiser eu saio daqui, falta só um ano pra mim terminar os estudos, não vou ficar aqui pra sempre.

- então vai lá o espertão, se você fosse tão estudado assim não tava pegando luz do poste dos outro.

- o poste é seu agora?

Vai arrumar esses dente aí que pelo menos eu tenho todos.

Sujou, sujou! Grita o manquinho com a caixa na mão. Um gol branco passa, policiais à paisana saem rapidamente, os dois, pegos de surpresa engolem o flagrante, a multidão dispersa.

- Mão na cabeça seus lixo.

De repente um dos jovens cai, havia engolido algumas buchas que provavelmente se abriram em seu estômago. Horas depois a rua cheia de polícia, IML e curiosos. A lojinha fechou. O rapaz que tinha o sonho de voltar a estudar morreu na contramão atrapalhando o tráfico.

Edição: Pedro Carrano