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Bolsonaro segue na ofensiva por outros meios

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Sem fonte de renda e seu auxílios, famílias dependem de doações e outras ações de solidariedade - Giorgia Prates
É possível e historicamente comprovada a união de neoliberalismo e políticas emergenciais

A política é uma arte para ser jogada com coração quente e mente fria.

Essa constatação é mais urgente ainda neste momento em que o assombro e os lamentos tomam conta de analistas e militantes da esquerda. O que se pode chamar de uma estabilidade relativa do governo estende-se desde junho e chega até a sua recente subida na taxa de aprovação para 37%, de acordo com o DataFolha.

Na aparência, um Bolsonaro cão doméstico em sinal de amizade com as frações da direita tradicional contra as quais vinha se batendo desde abril também pode causar dúvidas sobre a direção de um governo já classificado como neofascista. O neofascismo não costuma recuar.

É um momento que deve ser dimensionado sem voluntarismos ou respostas no âmbito do senso comum.

É fato que assistimos a uma tragédia no descontrole do número de mortos no Brasil, ameaças constantes à democracia, perseguições e vigilância sobre a vida de servidores e professores, um alinhamento completo e submissão às políticas de Trump, uma sinalização fascista que acentua a violência contra negros e negras, segmentos LGBTQI+, vítimas de violência social, a expansão do agronegócio despejando vidas. Tudo isso dá sentido à urgência da campanha Fora Bolsonaro, com a entrada e descontentamento de setores médios contra o governo.

Mesmo assim, Bolsonaro se mantém e busca avançar sobre o apoio de segmentos da população trabalhadora.

Para a esquerda, não creio que o momento seja de imobilismo ou falta de lideranças, como tantos alardeiam, como se uma mente genial e carismática pudesse resolver o imbróglio em que estamos metidos.

O momento se assemelha a uma tempestade, quando não dá para ficar parado e ao mesmo tempo é preciso se mover por caminhos estreitos e seguros. Não há outra saída fácil a não ser a reconstrução paciente e permanente do tecido social organizativo, nas condições difíceis de defensiva da classe trabalhadora e desmonte da indústria nacional.

O que neste momento se ganha em confiança com segmentos da população, graças às ações de solidariedade entre sindicatos e movimentos populares, ainda não se ganha em escala, em vista dos limites que a própria pandemia coloca para as ações neste momento.

A pandemia de Covid-19 confirmou três tendências que, infelizmente, estavam apenas sinalizadas em abril, e como havia apontado documento da organização Consulta Popular (Combinar Frente Popular e Coalizão Democrática para derrotar o neofascismo e salvar vidas) se confirmaram:

 

1) Bolsonaro adotou postura negacionista sobre a Covid-19, o que elevou o país a segundo do mundo em número de mortes;

 

2) O aumento do número de mortos que logo alcançará 110 mil, número agressivo em qualquer sentido, ainda mais diante de um governo que sequer presta luto;

 

3) O impacto econômico, principalmente na renda do trabalho, no número de empregos, e no futuro aumento da procura por emprego por parte dos trabalhadores precarizados é a tônica deste ano.

 

Desde abril também apresentou-se um conflito entre o governo federal e diversas outras frações da classe dominante e das instituições do Estado – entre as quais governadores, congresso, judiciário e mídia empresarial -, a partir dos desacertos e divergências sobre a condução das políticas em torno do distanciamento social.

Se este conflito estava fresco em abril, hoje ele se esfria em nome do que garante a manutenção do governo: uma política de privatizações e retirada de direitos dos trabalhadores.

Na prática, os governadores da direita tradicional cederam à pressão patronal e afrouxaram a política de fim do distanciamento social pregada por Jair Messias; Rodrigo Maia afirmou a democracia, apresentou divergências no tema do Fundeb, mas conflui com Bolsonaro na aplicação das reformas; A Rede Globo idem; o judiciário vinha sendo o polo de conflitos com o governo, com ataques de ambas as partes, contradição que ainda deve ser observada.

Há um elemento imprevisível e contraditório no atual momento de Bolsonaro. Se o programa renda emergencial lhe garante uma estabilidade relativa na relação com as massas populares, ao mesmo gera um patamar difícil de ser mantido em termos de políticas sociais a longo prazo.

Devido à capacidade operacional de um banco como a Caixa Econômica Federal, o Renda emergencial atinge público maior e em valor superior ao Bolsa Família. Recentemente, trabalhadores puderam retirar o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Não se trata de economicismo, como criticam alguns, mas de perceber que os trabalhadores não vão se atirar à luta em condições desfavoráveis tendo um mínimo ainda de saídas para recorrer. Ninguém luta por achar bonito ou para tirar fotos. Além disso, há medo entre população, trabalhadores e ativistas em relação ao contágio e sobrecarga do sistema de saúde, o que impede de termos as ruas como termômetro de insatisfação social.

Segmentos da classe média e alta se descolam de Bolsonaro ao mesmo tempo em que seu governo consegue seguir capitalizando – via fake news, uso do poder do Estado, toda uma cultura de cinco anos de ataques à esquerda -, a insatisfação “contra tudo e todos presente na sociedade”.

A pressão da mídia empresarial – na voz de colunistas como Mirian Leitão -, sugerindo que Bolsonaro seria intervencionista na sua política econômica, chegando ao escárnio de compará-lo com Dilma e Chávez -, serve apenas de rótulo que tem o efeito político de pressionar Bolsonaro para manter o teto dos gastos e a política de ajuste fiscal.

O caráter ultraneoliberal do projeto para o qual foi eleito descarta a possibilidade de virada “keyneisiana” de Bolsonaro. Embora as circunstâncias pressionem por programas emergenciais. Na prática, é possível e historicamente comprovado a união de neoliberalismo e políticas emergenciais, sem que isso toque nos interesses do capital financeiro. Um governo autoritário, com apoio popular e programas emergenciais é possível.

Irrecusável analisar também que Bolsonaro tem conseguido manter-se e conduzir o poder executivo, em uma postura turbulenta, que não busca estabilidade justamente em um período instável, que prioriza manter uma base coesa a partir dos enfrentamentos com outras instituições. Bolsonaro combate instabilidade com instabilidade, ao contrário de outros governos que foram derrubados apostando de forma ilusória em tentativas de estabilidade.

Não é um inimigo simples ou apenas caricato.

Um ponto de interrogação para pensarmos parece estar no tema das privatizações e com qual velocidade o governo vai buscar implementá-las. A fumaça dos dias recentes confunde. Está na mira ainda do governo a privatização de Correios, Eletrobrás, Banco do Brasil. Nos planos ainda está a privatização de 300 ativos de estatais e o desmonte do que ficou do antigo Estado desenvolvimentista. Pode ser um fator decisivo para a sua manutenção se conseguir privatizar todo esse patrimônio.

Mesmo neste momento em que o presidente arrefece seus pronunciamentos de caráter fascista e suas hordas não têm ido às ruas, após os atos antifascistas e das torcidas organizadas, mesmo com as denúncias em torno de Queiroz, o movimento do governo neste momento coloca um impasse e desafio para a esquerda: Bolsonaro avança justamente na direção de políticas para as massas populares.

Vencida a narrativa contra os governadores a partir da dualidade salvar a economia ou salvar vidas (Bolsonaro em verdade afundou as duas cosias), seu discurso toca nos segmentos conservadores, alimenta o senso comum e se alavanca em fake news, combustível explosivo para este momento de crise.

Em resumo, até aqui o governo conseguiu resistir, com políticas imediatas, mantendo seu autoritarismo e desmonte do país.

 

 

Edição: Lucas Botelho