Paraná

Agroecologia

Comida boa na mesa em tempos de Covid-19

Famílias agricultoras do Oeste do Paraná mantêm produção e comercialização de alimentos agroecológicos na pandemia

Via Capa Rondon |
Uma das consequências positivas nesse período é o fortalecimento da relação entre consumidores e produtores por meio da venda direta - Capa Rondon

Em meio à crise social, ambiental e econômica, aprofundada pela pandemia da Covid-19, organizações e movimentos sociais mostram a necessidade da construção de uma vida saudável, justa e solidária. E apontam a Agroecologia como o caminho a ser seguido.

No Oeste do Paraná, famílias agricultoras e camponesas têm se esforçado para continuar a produção e comercialização de alimentos com práticas agroecológicas. O trabalho tem exigido persistência, criatividade e confiança no entendimento de que produzir alimentos saudáveis também é um gesto de amor à vida.

Aproximação de produtores e consumidores

Os desafios em manter a produção e a comercialização de alimentos têm sido inúmeros. Porém, uma das consequências positivas nesse período é o fortalecimento da relação entre consumidores e produtores por meio da venda direta. É o que acontece, por exemplo, em Cascavel e Foz do Iguaçu, os dois maiores municípios da região Oeste do Paraná.

Em ambas as cidades, funcionavam semanalmente feiras agroecológicas nas dependências da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste). Com a suspensão das aulas e das atividades nos campi, as feiras foram paralisadas. Assim, tanto produtores quanto consumidores precisaram se reorganizar.

Em Cascavel, a alternativa encontrada por famílias do Assentamento Valmir Motta foi começar a entrega de cestas diretamente na casa das pessoas. A iniciativa foi do agricultor e camponês Alcides Lucatelle. Ele criou um pequeno grupo de Whatsapp com quem já ia até as feiras. Mas pelo famoso "boca a boca" novas pessoas consumidoras foram chegando, como a jornalista Kethleen Simony.

"Eu sempre apoiei a venda de produtos orgânicos, em especial da agricultura familiar e do MST. Mas eu dificilmente conseguia ir até a feira. A entrega em casa fez com que me tornasse consumidora assídua. É um produto bom e com preço justo. E, como eu tenho duas crianças pequenas, a gente se preocupa com a saúde também. Agora, eu deixo para comprar no mercado apenas os produtos que as famílias não têm", conta Kethleen.

O seu Alcides também está avaliando positivamente a nova forma de comercialização. "Eu estou achando melhor fazer a entrega do que a feira, porque aí tu leva os produtos e não perde nada. Dá pra se organizar melhor", afirma. 


Com a pandemia, Alcides Lucatelle passou a entregar na casa das pessoas os alimentos agroecológicos / Capa Rondon

Já em Foz do Iguaçu, a agricultora Lucivânia Felix participava de três feiras agroecológicas. Mas quando elas foram suspensas, começou a trabalhar com a entrega de cestas. Nesse período, viu suas vendas aumentarem cerca de 60%. Lucivania diz que isso se deve muito a sua dedicação na divulgação dos produtos pela redes sociais. "O alcance é bem grande, tenho um grupo próprio de Whatsapp e ainda participo de outros de bairros. As pessoas me chamam o tempo todo, é preciso ter paciência, respeito e carinho", ressalta.

Em Ramilândia, município entre Foz e Cascavel, um grupo da Rede Ecovida, chamado Esperança Agroecológica, reúne cinco famílias agricultoras. Unidas, elas levam semanalmente mais de 200 quilos de alimentos a Foz do Iguaçu. O casal Adriana de Andrade e Rosemar Dalpra, do Assentamento Santa Izabel, é o responsável pela comercialização. Segundo Adriana, o número de consumidores não aumentou, mas a quantidade entregue a cada família sim. "Aliamos qualidade e preço justo. E as pessoas sabem que é um alimento limpo, sem agrotóxicos, com a comodidade de recebê-los em casa", conta.

Uma das pessoas que recebe em casa a cesta entregue por Rosemar é a administradora Adriana de Sousa Lima. "Eu vi um aumento abusivo no preço dos produtos do mercado, isso não ocorreu com os alimentos agroecológicos. Por isso, entendo que a perspectiva das famílias que fornecem os alimentos que chegam na minha casa vai muito além do lucro. Espero que a gente possa cada vez mais fortalecer esses produtores e fazer com que eles consigam levar os produtos para mais casas", diz.


O casal Adriana e Rosemar na unidade familiar em Ramilândia / Capa Rondon

Experiência do centro de comercialização de produtores rurais ecológicos

Em Marechal Cândido Rondon, no centro da cidade, há uma loja-feira permanente da Associação Central de Produtores Rurais Ecológicos (Acempre). Segundo a assessora técnica do Centro de Apoio e Promoção da Agroecologia (CAPA), Raquel Rossi, que acompanha a Associação, as vendas feitas diretamente a consumidores aumentou em torno de  40% durante a pandemia.

"Acreditamos que isso se deve ao fato de comercializarmos alimentos orgânicos e frescos, com valor mais baixo que no mercado", conta. Segundo a assessora, o fato de as pessoas ficarem mais tempo em casa, passando a preparar a própria comida, também influenciou nesse aumento. "As pessoas querem alimentos saudáveis para preparar as refeições e elas sabem que os produtos da Acempre vêm direto das famílias agricultoras", explica Rossi.

Os produtos de associadas e associados da Acempre também são entregues ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) do município de Marechal e ainda compõem cestas entregues a famílias da região. Somente em abril deste ano, 17.745 quilos de alimentos livres de veneno saídos diretamente das unidades familiares foram comercializados por meio da Associação.

Comercialização via PNAE

Quando as primeiras medidas de isolamento social foram tomadas no mês de março, muitas famílias agricultoras e camponesas ficaram apreensivas com o escoamento de sua produção. Com as aulas da rede pública suspensas, havia incerteza sobre a continuidade dos programas governamentais de compra de alimento para a merenda escolar.

Mas no Paraná, em nível estadual, o PNAE foi mantido. As entregas, que antes ocorriam três vezes por semana, passaram a ser feitas duas vezes a cada quinze dias. "A quantidade de alimentos destinados ao programa não foi reduzida, porém as famílias precisaram rearranjar o planejamento produtivo", diz o assessor técnico do Capa Rondon Edson Rodrigues dos Santos.

O Capa acompanha a Cooperativa de Produção e Comercialização da Reforma Agrária e Agricultura Familiar (Copcraf), com sede em Cascavel, e a Cooperativa de Industrialização e Comercialização Camponesa (Coopercam), com sede em São Miguel do Iguaçu. Ambas fornecem alimentos ao PNAE estadual.

Segundo o membro da Diretoria Administrativa da Copcraf Eduardo Rodrigues Ferreira, nesse período de pandemia houve aumento nos custos de logística e há também atraso no pagamento por parte do governo. No entanto, entre março e maio, graças à perseverança das famílias camponesas cooperadas, cerca de 150.000 quilos de alimentos foram destinados ao PNAE e entregues às famílias de estudantes em situação de vulnerabilidade. "É um momento de insegurança com relação à saúde, e também de insegurança financeira, mas as famílias camponesas seguem produzindo e trabalhando", afirma.


Famílias camponesas seguem produzindo alimentos apesar das dificuldades / Eliana Oliveira

Ao contrário do Governo do Estado, muitos municípios paralisaram a compra de alimentos, prejudicando famílias do campo. Para a assessora técnica do Capa Rondon Daiana Pauletti, que acompanha agricultoras e agricultores em Missal, a saída foi buscar outras alternativas. Entre elas, estabelecer um espaço para a venda de produtos orgânicos dentro da feira de alimentos convencionais da cidade. "Estamos correndo atrás do prejuízo, para não deixar que as famílias percam a produção", garante.

Ajuda Humanitária

Para minimizar os impactos sociais durante a pandemia, a Fundação Luterana de Diaconia (FLD), o Conselho de Missão entre Povos Indígenas (Comin) e o Capa fizeram com que os alimentos produzidos por famílias agricultoras e camponesas chegassem a pessoas em situação de vulnerabilidade social por meio de ação de ajuda humanitária.

No Oeste do Paraná, em maio e junho, foram beneficiadas 14 aldeias indígenas da etnia Avá-Guarani, em Guaíra e Terra Roxa. Em duas entregas, as famílias receberam 22.784 quilos de alimentos. Nesses dois municípios, a ajuda humanitária foi possível por meio de parceria com a Fundação Banco do Brasil, o Sínodo do Rio Paraná da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB), a Juventude Rural do Interior da Baviera e a Organização Pão Para o Mundo.

Nas entregas de Guaíra e Terra Roxa, a Associação de Produtores Rurais Ecológicos (Acempre), com sede em Marechal Cândido Rondon, intermediou o fornecimento dos alimentos. Segundo Lorita Sonntag, presidenta da Acempre, a iniciativa da entrega das cestas básicas foi importante para agricultoras e agricultores.

"Ações como esta são um incentivo para as famílias continuarem produzindo alimentos saudáveis nesse momento de pandemia. A ação solidária estimula associadas e associados para que continuem com garra e persistência. Afinal, estamos num barco só", lembra Lorita.

Edição: Lia Bianchini