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Devemos aprender com as crises do século vinte

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Devastação causada pela explosão da bomba atômica em Hiroshima - Reuters
Que as escolhas políticas que produziram tragédias humanitárias sejam superadas

No dia 16 de julho de 1945, a região de Los Alamos, no deserto do Novo México, se tornou o laboratório a céu aberto do teste definidor para a produção da primeira bomba atômica, a mais poderosa arma de guerra jamais vista. Naquele amanhecer, extasiado pela cena do enorme cogumelo tão brilhante que parecia um segundo sol, o físico Robert Oppenheimer, proclamou: “Agora eu sou a morte, a destruidora dos mundos”.

A frase faz parte do texto religioso hindu Baghavad-Gita. Era a explosão da conquista do objetivo perseguido de forma obsessiva durante a segunda guerra mundial: produzir a arma mais letal de destruição em massa da história da humanidade.
Poucos dias se passaram até que, a mando do presidente Harry Truman (Partido Democrata), dos Estados Unidos a experiência fosse repetida, desta vez não mais no deserto, porém sobre cidades populosas do Japão.

A medida, de acordo com o governo estadunidense, seria para forçar a rendição do país do imperador Hiroito que teimava em se manter na guerra, praticamente já encerrada na Europa. No dia 6 de agosto de 1945, o avião bombardeiro B-29 Enola Gay (nome da mãe do piloto Coronel Paul Tibbets), lançou sobre a cidade de Hiroshima a bomba de urânio “Little boy” (garotinho na tradução para o português). Como o imperador teimasse em declarar a rendição, três dias depois a cidade de Kokura, que seria alvo da mesma medida, foi poupada por estar sob forte nevoeiro. Foi por isso que Nagasaki tornou-se o alvo da bomba de plutônio “Fat man” (homem gordo). Os efeitos foram devastadores. O vento provocado pelo fissão nuclear chegou a 1.500 km/h. Num raio de dois quilômetros os corpos foram praticamente vaporizados e as construções ruíram como papelão. Estimativas apontam que cerca de 240 mil pessoas perderam a vida, desde as milhares que morreram instantaneamente e outros milhares que padeceram dos efeitos terríveis da radiação que provocou desde queimaduras, leucemias e outros males como dor de cabeça, náuseas e perda dos cabelos. Outro dano colateral relatado indica a forte discriminação social que se construiu sobre os sobreviventes por medo da contaminação e pelas deformações corporais.
Passados exatos 75 anos da destruição de Hiroshima e Nagasaki é importante que olhemos o processo histórico para refletir as escolhas que conduziram para aquele desfecho de tamanha crueldade. Desde o final da primeira guerra mundial a ciência havia avançado muito nas pesquisas envolvendo os campos da física, da química e da engenharia bélica. A possibilidade de desenvolvimento de tecnologias para matança em massa alimentava as mentes e espíritos de lideranças que se alimentavam do desejo de subjugar, de submeter e de angariar poder num mundo onde a guerra fria já se anunciava com a consolidação da revolução russa de 1917, estabelecendo o período bipolar entre o avanço socialista e a defesa do modelo capitalista.

Foi assim que pesquisas na área da química possibilitaram o uso das câmaras de gás para extermínio coletivo, rápido e muito mais barato que a guerra convencional. A prática foi usada amplamente na eliminação de milhões de judeus, ciganos e deficientes físicos nos campos de concentração nazista.
Por volta do ano de 1939, o cientista Albert Eisntein, que por sua origem judaica havia migrado para os Estados Unidos fugindo da perseguição do Estado totalitário implantado por Adolf Hitler na Alemanha foi procurado por Leo Szilard, seu colega dos tempos de pesquisa na Alemanha. Szilard convenceu Einstein de que era importante alertar os Estados Unidos de que uma bomba atômica poderia ser desenvolvida na Alemanha como solução final para a dominação nazista. Antes o mesmo Szilard havia alertado o governo britânico sobre essa possibilidade mas não encontrou apoio. Reforçados pelo contato com Enrico Fermi, brilhante cientista italiano, Prêmio Nobel de física em 1938 pelas pesquisas em física nuclear, que por sua vez havia deixado a Itália do Estado fascista. Ambos escreveram uma carta ao presidente Franklin Roosevelt alertando para a possibilidade de que a Alemanha desenvolvesse o poderoso artefato. Esse foi o estopim para a criação de uma comissão para estudos e aprimoramento da utilização do urânio, e não demorou para que essa proposta transitasse para o planejamento e execução do Projeto Manhattan que teve como diretor geral o próprio Dr. Robert Oppenheimer.

O projeto, que começou modesto, ganhou força à medida que a guerra demorava a findar. No auge do acumulo da experiência mais de 100 mil pessoas trabalhavam no desenvolvimento da bomba em várias áreas dos Estados Unidos. A ampla maioria não tinha noção do que realmente estava em curso. Mesmo os cientistas que desenvolveram as teorias que possibilitaram tal conquista não podiam atinar o que estava em curso na política. Alias, é reconhecida a posição de Einstein sobre o uso pacífico da manipulação da energia nuclear embora o mesmo alertasse para os enormes riscos do uso bélico das teorias desenvolvidas. Avaliações de inúmeros historiadores apontam que a razão alegada de atacar o Japão pelo fim da guerra não se sustenta, o país estava bastante debilitado e seus aliados, Alemanha e Itália, já estavam derrotados em agosto de 1945. A possibilidade de vingança pelo ataque japonês à baia de Pearl Harbor em 1941 e a demonstração de poderio ante o avanço da União Soviética seriam objetivos não divulgados pelo governo americano para a execução da tragédia histórica sobre o pais do oriente.
Neste período atual em que uma pandemia acirra uma crise de dimensão planetária, é importante que façamos as reflexões sobre as possibilidades abertas de retrocessos civilizatórios preocupantes. Infelizmente a experiência humana de destruição não foi superada. Construir uma sociedade pós-pandemia em que os acúmulos de experiência das escolhas políticas que produziram tragédias humanitárias sejam superadas pela conquista de valores universais que garantam uma etapa histórica de superação do atraso, eis o principal objetivo a movimentar nossas melhores energias.

Edição: Pedro Carrano