Paraná

LITERATURA E FICÇÃO

Agora ele estava cego

"O desgraçado. Onde chegamos com ele? Cavamos nossa própria cova?"

Londrina (PR) |
A literatura de Venâncio de Oliveira dialoga com o realismo mágico e com os cronistas do absurdo - Vanda Moraes

Agora ele estava cego. O desgraçado. Onde chegamos com ele? Cavamos nossa própria cova? Decrépito. Ah... um brilho de algo ouro de tolo? Realidade inescapável? Todos ao seu redor, querendo saber algo que poderia nos dar. Mas a cada dia ele piorava. Aos poucos nós também caíamos na sua decrepitude. Quanta angústia havíamos padecidos por acreditar nele? Ele ainda era nosso Deus. Havia caído sim e agora éramos uns poucos que estavam ali a adorá-lo em meio a fogueira. Ele ainda choramingava suas sandices. Era estúpido como sempre fora. Mas nós acreditamos nele e pouco a pouco fomos pegando sua doença e perdendo parte de nossa capacidade de amar.

Mas agora era tarde, alguns já haviam morrido, pois ele também sugava nossa alma e padecíamos. Isso é o que acreditávamos, pois não voltavam mais e sabíamos que era impossível sair. Como alguém poderia deixar de amá-lo? Na verdade, só restava eu e a máscara mortífera de uma lembrança triste de quando eu acreditei numa mentira. Mas não tinha a mínima vontade de ceder o que era mais valioso para mim: esse cálice de vinho doloroso que martiriza minha bile. Há um mito que se eu jogar essa taça na fogueira, o velho desaparece e estarei livre novamente para pensar em justiça. Mas não quero, o amo e ficarei cego com ele.


 

Edição: Pedro Carrano