Pernambuco

ENTREVISTA

“Pensar em ações estruturantes do pós-pandemia é fundamental” diz coordenador da ASA

Movimentos e ONG's pontuam que PL 735/2020, se aprovado sem alterações, pode excluir famílias do Semiárido

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Objetivo é estruturar as condições para garantir que a agricultura familiar continue produzindo
Objetivo é estruturar as condições para garantir que a agricultura familiar continue produzindo - Ubirajara Machado

Tramitando no Congresso e com votação prevista para essa terça (07), o PL 735/2020 despertou a insatisfação de opositores e movimentos populares. A proposta, que prevê medidas emergenciais de socorro a agricultores familiares durante a pandemia, estaria não só abaixo do que é necessário garantir para as famílias agricultoras, como pode ser inviável para as famílias do Semiárido brasileiro, por não abordar um elemento estruturante para a garantia da produção nessa região, que é o acesso à água. 

Alexandre Pires, coordenador do Centro Sabiá e da Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA), em entrevista ao Programa Brasil de Fato Pernambuco explicou quais as propostas de alteração do projeto e como os movimentos estão atuando para pressionar o Congresso a rever o PL. Confira a entrevista:

Brasil de Fato Pernambuco: Um dos elementos que estrutura o PL 735/2020 é que só quem tem direito ao benefício é quem já tem a Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP), que pode deixar mais um milhão de famílias sem receber o benefício. Como é que as organizações e movimentos estão pensando de como resolver essa situação, de como o projeto vai entender quem tem direito a ele?

Alexandre Pires: O que nós estamos questionando é que na verdade a DAP não se aplica a algumas políticas já há um bom tempo e no contexto de emergência muito menos ainda, porque o que ocorre é que a DAP tem prazo de validade e muitas vezes o tempo de validade expira e os agricultores precisam ir ao Sindicato ou ao órgão onde há Assistência Técnica do estado, que são os órgãos responsáveis pela validação ou pela renovação da daf. E isso requer custos para os agricultores, requer deslocamento e nem sempre os agricultores estão atentos ao prazo de validade e em muitos casos a validade expira sem que os agricultores tenham conhecimento dessa validade.

Em um momento de emergência como esse não dá tempo de os agricultores irem nas cidades no momento de quarentena, de isolamento social para renovar a DAP. É uma situação que cria uma condicionante que atrapalha a vida e o acesso dos agricultores à política. Então o que é que nós estamos propondo? Se o governo tem o CadÚnico que é o cadastro das famílias que estão no campo da política de assistência social - e que a maioria dos agricultores e agricultoras estão inscritas no CadÚnico, porque através dela eles também receber as políticas de assistência social - então que o governo pudesse usar o CadÚnico ao invés de utilizar a DAP para identificar quem são os agricultores que teriam acesso aos recursos emergenciais, essa é uma das propostas que nós estamos apresentando.

Uma outra preocupação que pra nós é muito ruim, No caso do relatório do deputado  Zé Silva, é que a proposta das organizações é que o PAA destinasse o valor de R$10.000,00 por agricultor ou agricultora no ano de 2020 e que a metade dos recursos destinados ao PAA fossem obrigatoriamente acessados por mulheres agricultoras; e o relatório do deputado não sí reduz o recurso de R$10.000,00 para R$4.000,00  sendo acessado pelos homens e R$5.000,00 sendo acessado pelas mulheres, como ignora a nossa proposição de exigir que 50% do volume de recurso seja acessado pelas mulheres camponesas.

Por que que a gente estima esse valor e que 50% do valor total do PAA fosse acessada exclusivamente pelas mulheres? Primeiro porque o recurso de 10 mil reais considera o contexto da pandemia, do isolamento, as perdas dos agricultores na safra em função do isolamento, por não poder se deslocar pras cidades para vender sua produção; do rompimento dos contratos do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) que alguns municípios fizeram em função do fechamento das escolas por conta da pandemia; lamentavelmente, houve um prejuízo também muito grande para a agricultura familiar no sentido de não conseguir garantir a venda da sua produção. Então, esses 10 mil reais poderiam contribuir para compensar de alguma forma a perda econômica que os agricultores tiveram. O governo não pode só pensar em ajudar as companhias aéreas, os bancos e as grandes empresas por suas perdas econômicas em função da pandemia, ele precisa prioritariamente apoiar os pequenos empreendimentos econômicos e a agricultura familiar que sustenta e alimenta esse país. E porque 50% do total de recurso do PAA para as mulheres? porque são as mulheres da nossa sociedade as principais responsáveis pelo abastecimento alimentar das suas casas.

BdF PE: Alexandre, o projeto da forma que está escrito exclui as famílias que receberam o Auxílio Emergencial, que é basicamente destinado para comprar alimentos. Qual é a diferença entre esse Auxílio Emergencial e o  auxílio do PL? Serviriam para mesma finalidade?

Alexandre: Vai chegar um momento em que a OMS vai dizer que não existe mais uma situação de pandemia, ou seja, o vírus já estará controlado e que a gente tem uma certa tranquilidade para o desenvolvimento das atividades econômicas no mundo. No entanto, é importante entender que as consequências geradas pela pandemia na vida das pessoas vão se estender ao longo de meses e de anos pra frente. Aquilo que nós estamos propondo no PL é pensando não somente nesse momento “emergencial” mas também pensando no período do pós-pandemia, no período em que a doença já esteja controlada e a gente retorna às atividades laborais. 

Pensar em ações estruturantes do pós-pandemia é fundamental. Pensar no acesso ao crédito de forma mais acessível para a agricultura familiar, com juros mais baixos, que consiga capitalizar a agricultura familiar para a produção e a garantia da venda dessa produção através do PAA e PNAE com as compras públicas que os governos podem fazer é fundamental por quê? Lembrando que para além da pandemia nós também estamos vivendo um momento de crise econômica muito forte no Brasil que tem origem na crise política em 2015 com o resultado das eleições que a gente teve e com o golpe que a gente sofreu em 2016; tudo isso gerou uma crise econômica que antes mesmo da pandemia nós estávamos vendo aqui na cidade do Recife e em várias outras grandes metrópoles e já nas pequenas cidades do interior o número de pessoas em situação de fome, em situação de miséria, desempregados, trabalhadores informais sem as condições e os direitos trabalhistas garantidos. Então é importante que a gente entenda que o que nós estamos propondo que o Congresso aprove para a agricultura familiar, é para assegurar a médio e longo prazo as condições de melhoria de vida da população do campo, mas também do atendimento à população urbana sobretudo no que diz respeito ao acesso à alimentação.

As análises que estão sendo feitas a nível global anunciam uma crise alimentar diante desse contexto da pandemia que nós estamos vivendo. Então o que nós estamos propondo é para além da emergência, mas também estruturar as condições para garantir que a agricultura familiar continue produzindo, como sempre produziu para atender a população.

Eu acho que tem um outro aspecto, que é pensar ações e programas para a agricultura familiar na região nordeste do Brasil e não pensar no acesso a água para o Semiárido é um crime. Por isso a gente está defendendo que, dentro do PL, também tenha a garantia das condições de recursos para o investimento no Programa de Cisternas. Nós também estamos dizendo que pra poder pensar na estruturação da produção de alimentos do Semiárido é preciso garantir a continuidade do Programa de Cisternas que lamentavelmente, hoje existem ainda R$129.000.000,00 do Governo Federal para o programa sem ter sido gasto um real em 2020 pela ineficiência do Estado de garantir as condições de uso desse recurso.

BdF PE: Quais são os próximos passos e as estratégias pensadas para pressionar o Congresso em relação a alterações no PL? O que a ASA e os movimentos populares estão pensando para os próximos passos de mobilização e de pressão no legislativo?

Alexandre: Nós temos buscado enquanto organizações e movimentos sociais, um diálogo direto com o deputado Zé Silva, no sentido de sensibilizá-lo para as questões que nós temos apresentado como importantes e estratégicas. Quero destacar aqui, a questão dos recursos de fomento pras mulheres agricultoras, eu acho que isso é muito importante, sobretudo pelo papel que as mulheres cumprem também na produção de alimentos saudáveis para a nossa população.

Nós estamos tentando fazer um diálogo também com os deputados do campo progressista somam entre 150 e 170 votos para a aprovação do PL, o que é insuficiente. Há uma necessidade no conjunto das organizações e dos movimentos, e nós estamos tentando fazer isso, que é o de buscar o diálogo com os partidos de centro no sentido de que esses partidos possam de alguma forma apoiar, ser sensibilizados e votarem favoráveis ao Projeto de Pei que certamente vai cumprir um papel fundamental na melhoria da condição de vida e da produção de alimentos pela agricultura familiar.

Uma outra estratégia que nós estamos montando é uma campanha nas redes sociais, no sentido de mostrar pra população que esse PL não diz respeito somente ou exclusivamente à população rural, como eu já comentei aqui, mas tem a importância dele para quem vive também nas cidades. Por isso nós temos usado o termo de “Agricultura Familiar para o Brasil não passar fome” porque a gente entende que sem a agricultura familiar fortalecida, que responde a 70% da produção de alimentos que nós comemos hoje no Brasil, certamente nós vamos ter uma crise econômica e alimentar muito grande. Uma outra estratégia que nós estamos buscando dialogar é com o conjunto dos Secretários de Agricultura Familiar da região nordeste com o Fórum de secretários, no sentido de que eles também façam pressão junto aos parlamentares da bancada federal de seus estados para que a gente ganhe força nessa iniciativa que vem em defesa desse projeto.


 

Edição: Vanessa Gonzaga