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Educação

Mais de 150 professores são demitidos da Una, faculdade do Grupo Ânima em BH

Grupo já tinha demitido docentes em São Paulo. Mudança da matriz curricular precariza o ensino, denunciam estudantes

Brasil de Fato | Belo Horizonte (MG) |
“A única forma da universidade lucrar é economizando em cima dos professores. Essa redução de profissionais está sendo feita para isso”, declara professora - Divulgação/UNA

Mais uma onda de demissões acontece no Grupo Ânima de educação. Professores do Centro Universitário Una, em Belo Horizonte, foram surpreendidos pela notícia de sua demissão imediata desde o dia 1º de julho. Estima-se que 150 docentes estão sendo dispensados e o principal motivo seria a mudança de matriz curricular, com a diminuição drástica de professores.

Há risco que o corte aconteça também na faculdade UniBH, propriedade do mesmo grupo, já que a mudança curricular deve se estender a toda a rede Ânima. Há 15 dias, 74 professores da Universidade São Judas, em São Paulo, já tinham sido demitidos. Os professores avisados de sua demissão perderam no mesmo momento o acesso ao sistema de notas e atividades da universidade.

De acordo com uma ex-professora da Una, que preferiu não se identificar, a mudança de matriz curricular já estava sendo elaborada, mas foi acelerada com a pandemia e a teleaula. “Deixam de existir disciplinas e passam a existir ‘unidades curriculares’, que significa a junção de duas ou mais disciplinas”, explica.

Na opinião da professora, a faculdade “inventa narrativas para esconder a realidade”. Uma unidade curricular terá a duração de 160 horas, sendo 60 horas dadas por um professor e 60 horas por outro. As 40 horas restantes são dedicadas a pesquisas e estudos que o aluno deve fazer sozinho. Portanto, o estudante receberá 120 horas de ensino, mas continuará pagando a mensalidade referente a 160 horas.

“A única forma da universidade lucrar é economizando em cima dos professores. Essa redução de profissionais está sendo feita para isso”, indigna-se.

Opinião de estudante

Inicialmente, a mudança curricular estava sendo pensada para os alunos que entrassem em 2021, mas a faculdade anunciou que fará as mudanças nos cursos que iniciaram a partir de 2018. O que está gerando revolta entre os estudantes.

Nos perfis do Instagram da Una, diversos alunos comentam sobre problemas sérios da instituição, como a inexistência de um hospital veterinário, que na realidade é uma clínica que fica muito aquém das expectativas. Os alunos reclamam que as mensalidades são caras e não há suporte para solução de problemas. Além disso, é geral a denúncia sobre as mudanças na grade curricular, que estaria sendo implantada por imposição.

O Diretório Central dos Estudantes (DCE) Sérgio Miranda, que representa os estudantes da Una, avalia que as mudanças irão prejudicar o ensino da instituição. “Todos os cursos tiveram as cargas horárias reduzidas ao mínimo exigido pelo MEC e somado a isso temos diversos componentes nebulosos na nova matriz”, dia a nota da entidade. Disciplinas como “Vida e Carreira" e “Mindfullness” estão sendo computadas como parte da carga horária mínima. Leia a nota completa abaixo.

Resposta da Una

Através de sua assessoria de imprensa, o Grupo Ânima respondeu à reportagem, mas não confirmou o número de profissionais demitidos. Em nota, destacou que as "movimentações no corpo docente das Instituições não têm qualquer relação acerca do novo modelo curricular". As demissões teriam relação, segundo o grupo, com o turnover (rotatividade, em inglês) natural, que ocorre a cada semestre. Leia a nota na íntegra abaixo.

Nota do Diretório Central dos Estudantes

“Nós do DCE Sérgio Miranda entendemos que a mudança curricular da UNA representa o sucateamento e o avanço do processo de mercantilização da educação. O modelo foi importado da Europa sem nenhuma participação democrática de professores e alunos na elaboração da nova matriz.

Inicialmente, a mudança se apresenta como uma substituição da lógica disciplinar - os conteúdos serão dados através de Unidades Curriculares (U.C) - por uma dinâmica que coloca os sujeitos no centro de sua formação. Por isso, a primeira vista, o novo projeto pedagógico parece ótimo, mas quando vamos na essência da mudança vemos que não é bem assim.

Isso porque todos os cursos tiveram as cargas horárias reduzidas ao mínimo exigido pelo MEC e somado a isso temos diversos componentes nebulosos na  nova matriz, que na prática vêm para esvaziar os conteúdos das cargas horárias, como por exemplo, as Unidades Curriculares chamadas de "Vida e Carreira", "Digital Personalizável", "Atividades Complementares" e "Busca Ativa/Estudos Individuais", sem contar as Unidades Curriculares gerais que o aluno pode escolher e que não tem necessariamente relação com seu curso, por exemplo, U.C de Mindfullness, isso tudo sendo computado dentro da carga horária mínima.

Vale ressaltar também que 10% da carga horária dos cursos têm que ser destinada, segundo determinação do MEC, à extensão, porém a UNA não tem espaços institucionais para pensar esse importante pilar universitário e a exemplo do que aconteceu nos últimos anos, pouquíssimos estudantes farão projetos realmente voltados à troca entre academia e sociedade ou até mesmo farão algum projeto de extensão independentemente do seu viés.

Então podemos deduzir que esse projeto político-pedagógico reduzirá drasticamente a carga horária de cada curso, representando um esvaziamento do conhecimento dentro das graduações, além de substituir a lógica coletiva de construção do aprendizado pela lógica individualista. Além de acabar com as disciplinas que possibilitam a formação crítica, entregando trabalhadores cada vez mais alienados para o mercado.

Tal projeto também será extremamente prejudicial para os professores. Uma vez que as Unidades Curriculares condensaram grandes quantidades de conteúdo por área do conhecimento, as salas de aula aumentarão e muitos professores serão demitidos, alguns já foram, mas estimamos que o número total será em torno de 150 profissionais desempregados. E os que permanecerão terão que trabalhar muito mais porque as U.C serão ministradas por duas pessoas que terão que elaborar a dinâmica, os conteúdos, as avaliações conjuntamente, além de coordenar projetos de extensão.

Mais uma vez a financeirização da educação mostra a que veio: garantir lucros cada vez maiores para as empresas mantenedoras das Instituições de Ensino Superior Privadas. Seja superexplorando professores, seja precarizando o ensino.”

Nota do Grupo Ânima

"Una e UniBH, da Ânima Educação, informam que as movimentações no quadro de colaboradores estão totalmente em linha com o turnover natural, que ocorre a cada semestre. Esse turnover é fruto de um criterioso processo de avaliação institucional, inspirado nas parcerias que temos com os melhores centros de formação de professores do mundo - Stanford e Finlândia, entre outros – totalmente calcado na meritocracia, sendo que desta avaliação criteriosa participam alunos, professores e funcionários. Esse processo de avaliação visa assegurar a excelência dos serviços educacionais que prestamos e o alto grau de performance que ostentamos em todos os rankings educacionais.

Ressaltamos que seguimos investindo na capacitação e desenvolvimento de nossos educadores para qualificar ainda mais a relação de ensino e aprendizagem, além de nos mantermos atentos aos novos talentos, valorizando o papel transformador dos professores na sociedade, e preservando ao máximo o emprego, cientes e preocupados com o momento delicado em que estamos vivendo.

Outro ponto importante a destacar é que essas movimentações no corpo docente das Instituições não têm qualquer relação acerca do novo modelo curricular, em que as disciplinas dão lugar às Unidades Curriculares, com maior carga horária, e permitem aos professores tratarem os assuntos com mais assertividade e, principalmente, de forma integrada. Adotamos uma estrutura alinhada às necessidades atuais de formação dos alunos, baseada em experiências bem-sucedidas de universidades europeias, norte-americanas e brasileiras.

Por fim, reiteramos que foram mantidos o respeito e a atenção individual aos docentes durante todo o processo de desligamento."

Edição: Elis Almeida